quinta-feira, 5 de janeiro de 2017

GOBEKLI TEPE; O MAIS ANTIGO TEMPLO


O arqueólogo que descobriu Gobekli Tepe, o mais antigo templo conhecido, Klaus Schmidt, afirmava que – contrariamente à crença dos eruditos – a domesticação da natureza, animais e plantas domesticadas, como base da alimentação humana, não antecedeu mas sucedeu à construção de grandes conjuntos arquitectónicos como o famoso complexo do sul da Anatólia. Ele colocava a hipótese de que o esforço dos homens em erigir esses monumentos, ao congregá-los, obrigando a colaboração intensa e prolongada de muitas distintas famílias e clãs, iria cimentar as bases que permitiriam a sociedade se organizar de outro modo, abandonando progressivamente o modo de vida caçador-recolector.
É evidente que esta visão já é «anátema», se considerarmos aquilo que se estimava ser a evolução do paleolítico tardio para o neolítico.
Porém, a questão da densidade populacional deve ser vista em paralelo com esta teoria de Schmidt. Sem dúvida que o chamado «crescente fértil», no final da última era glaciar era uma zona privilegiada no que toca a recursos utilizáveis pelos humanos. Havia abundância de gramíneas selvagens, não era um clima semidesértico, como é hoje em dia, havia também uma grande abundância de animais selvagens herbívoros, como a gazela, o corço, o javali… tudo animais que estão explicitamente representados nos megálitos de Gobekli Tepe, assim como são abundantes os seus restos fossilizados nas zonas do santuário e noutros sítios arqueológicos aproximadamente contemporâneos.  Penso que este facto – haver abundância de recursos alimentares – veio permitir um aumento da densidade populacional humana. Por sua vez, este aumento de densidade populacional obrigou a uma melhor interacção entre clãs de caçadores-recolectores. 


                      
                                                           

Uma curiosa disposição dos megálitos antropomórficos em círculo, em torno de um par central, sugere uma sociedade formada por confederação de clãs. Os megálitos estão decorados com braços e cinturas que representam humanos – não deuses – mas humanos abstratos, «colectivos», isto é, uma espécie de totem. A identificação de cada clã é assegurada pela «assinatura individual», os diversos animais totémicos: javalis, raposas, leões, etc. 



Cada clã possuiria aí o símbolo da sua presença perene na aliança que constituia a confederação construtora do templo.
Tenho lido e reflectido sobre o assunto e chego à conclusão de que existe uma relutância da arqueologia em fazer recuar o início da civilização tantos anos antes do que parece ser o início da escrita: a civilização Suméria, inventora da escrita cuneiforme tem cerca de 6000 anos, o misterioso povo de Goblekli Tepe é – pelo menos- outros 6 000 anos mais antigo!
Sem dúvida, os cientistas académicos têm de ser muito prudentes na interpretação dos dados e estarão mais confortáveis com hipóteses «continuístas», do que com hipóteses «catastrofistas». 

Porém, tal como existe na biologia evolutiva a teoria dos «equilíbrios pontuados», onde uma catástrofe varre de forma aleatória muitas espécies vivas, deixando «ecossistemas vagos» para serem ocupados pelas espécies sobreviventes que entretanto se foram adaptando e diferenciando, existiria lugar para qualquer coisa semelhante, no caso da evolução das civilizações. A diferença substancial é a de que, por maior que seja a destruição causada, seja por um cometa, seja por dilúvios ou outras catástrofes, numa escala global, a memória cultural nunca desparece por completo, fragmentos da civilização desaparecida são resgatados pelos sobreviventes, ou pelas populações que não foram tão severamente afectadas pela extinção; a gesta de heróis, ou semideuses, poderia ser a memória remanescente de civilizações desaparecidas, claro, muito modificada pela imprecisão e fantasia decorrente da transmissão oral durante séculos.

Para os povos «primitivos» de hoje, não existe passado, existe um eterno presente e uma ligação de todo o povo com os seus deuses. Para eles, o mundo visível é apenas uma camada superficial e enganadora, por vezes, em paralelo com o mundo dos espíritos, sempre presentes. Os cultos xamânicos parecem ter denominadores comuns, os quais implicam uso de substâncias alucinogénias, quer produzidas por plantas ou fungos, sendo causadoras de imagens muito semelhantes e transculturais. Isso foi comprovado em indivíduos que voluntariamente tomavam tais substâncias em experiências científicas, controladas.

São várias as descobertas, no Médio Oriente, na Indonésia, na América Central, no Peru e Bolívia, que nos fazem recuar no tempo as fronteiras do que chamamos uma sociedade complexa  e estruturada, uma civilização: obrigam a questionar toda a nossa visão da pré-história e mesmo da antiguidade. Inclusive, a datação dos megálitos que polvilham as zonas costeiras desde o Norte das Ilhas Britânicas até ao sul da Península Ibérica, atribuídas à «civilização do cobre», o Calcolítico, podem estar erroneamente datadas de cerca de 3000 anos, aproximadamente. Podem bem ser complexos rituais de idades muito mais antigas.

Parece-me ser uma obsessão de literatos, considerar-se que a principal ruptura da história da humanidade ocorre quando se inventou a escrita, ocorrência que pode ter sido produzida ao longo de muitas centenas de anos, senão milénios. Basta pensar na sofisticada sociedade descrita pelos poemas épicos, quer da epopeia de Gilgamesh, quer da Ilíada e Odisseia, ou noutras ainda: as tradições orais exprimem, de forma colorida pela poesia dos mitos, as relações sociais e as figurações mentais complexas dos heróis, cuja existência precedeu de centenas ou milhares de anos as primeiras transcrições escritas dos referidos poemas épicos.

A transmissão cultural pode ser muito eficaz na ausência de uma forma complexa e precisa de escrita. A verdadeira escrita aparece com a necessidade de contabilizar, de quantificar, de atestar transacções comerciais. São dessa natureza pragmática as mais antigas tabuletas de argila com caracteres cuneiformes: são uma invenção do comércio, parece. Ou seja, a escrita só aparece quando as trocas comerciais entre povos, ou entre várias entidades dentro do mesmo reino, atinge uma grande complexidade, o que implica uma casta de burocratas encarregues pelo poder real de controlar os fluxos, tornando possível a eficaz a extracção de renda, de imposto, de tributo.
Logicamente, esse tipo de registo não existe na origem da civilização agrária, mas antes no seu apogeu! Será antes o fruto tardio da revolução agrária, iniciada no Neolítico, prolongada pelo Calcolítico e tendo continuidade nas idades do Bronze e do Ferro.

Uma relação constante dos monumentos megalíticos com conhecimentos de astronomia pode ser verificada, um pouco por todo o lado, o que indica uma visão cósmica da religião. 
Os que erigiam estes monumentos, estavam conscientemente a estabelecer uma relação profunda com a abóbada celeste, onde residiam os deuses, onde estava a morada dos antepassados. Era o Céu que governava os grandes e pequenos ciclos na Terra: as estações, as alternâncias da noite e do dia, etc. 
O conhecimento astronómico, tal como o das virtudes das plantas (alimentares ou venenosas, indutoras de transe ou curativas), estava reservado a sacerdotes ou xamãs, que tinham capacidade de se pôr em contacto com o «mundo de cima», com o «além», com o «mundo dos espíritos». Eram temidos e reverenciados. Eles teriam orientado os povos de acordo com a sua sabedoria. 
Relatos sobre sábios que ensinam as técnicas e dão a educação necessária à civilização dos povos, estão presentes numa enorme variedade de culturas. Exprimem a etapa pré-institucional, a etapa xamanística da história dos povos. 
Esta história permanece viva na memória coletiva, de forma confabulada em mitologias.





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