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The savagery is a losing card. By playing it the US and the West are undercutting every ideological, normative and institutional modality of legitimacy and influence. It is a sign that they couldn't even win militarily, as Hamas, Ansarallah and Hezbollah have won by surviving and waging strategies of denial and guerilla warfare. Israeli objectives have not been realized, and the US looks more isolated and extreme than ever. It won't be forgotten and there are now alternatives.
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sábado, 23 de março de 2024

LOUCURA CRIMINOSA DOS LÍDERES DA OTAN

[ CRÓNICA (Nº25) DA IIIª GUERRA MUNDIAL]

A IIIª Guerra Mundial é total: É na frente de batalha propriamente dita, como também nas frentes económica, financeira, social, cultural, ideológica...
Passam-se sempre coisas importantes. Mesmo aquelas que não são noticiadas, pela media - de direita, centro e esquerda - dos países ocidentais. Porém, aqui e agora, em vez de descrever esses factos não noticiados, desejo apresentar-vos um quadro geral da situação, como eu a vejo:
A loucura apoderou-se dos líderes políticos e as altas patentes militares. Eles, manipulando os seus eleitores, querem fazer uma guerra total à Rússia. Querem convencer-nos de que é vital para nossa sociedade, nação, civilização. Nada mais falso!
Eles estão a jogar com a nossa sobrevivência, não metafórica, mas na realidade. E eles fazem isso, porque estão ébrios de poder e sentem que outro bloco (os BRICS e associados), os está a ultrapassar, em muitos planos, desde o económico, à tecnologia, à capacidade militar.
Porque a Rússia não é mais manipulável, essa é razão profunda do descontrolo dos pigmeus políticos nas chancelarias do Ocidente e a causa da fúria de quererem agravar a guerra na Ucrânia, para a transformar em guerra pan-europeia e depois mundial, sem qualquer desejo (da parte deles) duma solução diplomática.
Querem, em suma, precipitar a Terceira Guerra Mundial no plano mais global, e já não apenas como guerra híbrida. Esta, tem sido mundial, num certo sentido, mas não se assumia como tal.
Esta é a traição gravíssima que estes dirigentes atlantistas estão a fazer aos seus respetivos povos. Nos discursos, afirmam agir em defesa de ideais que escrupulosamente espezinham, na prática. Eles querem precipitar o mundo para a catástrofe global.
A loucura dos neocons nos EUA contaminou as elites dirigentes da União Europeia. Estas só podem agir, devido à fraqueza da oposição, ou á ausência de oposição com força e coerência suficientes, incapaz de defender os que estão por baixo, as classes pobres e médias.
A marcha a passos largos para a transformação das democracias liberais em Estados autoritários/totalitários está diante de nossos olhos.


Há quase um século, Hannah Arendt descreveu os totalitarismos ascendentes do século XX, quer o de Hitler, quer o de Estaline. A sua obra é ímpar para a filosofia política. É verdade que não se pode sobrepor a sequência de acontecimentos de entre guerras do Século XX, com a presente caminhada para a tomada de poder dos totalitários do WEF, da UE, da OTAN, e por detrás, de poderosos interesses que manipulam os governos ocidentais. Mas, muitos traços salientes do que Hannah Arendt descreve, encontram-se nas situações de hoje: «A História não se repete, mas rima» como dizia Mark Twain. Os acontecimentos são superficialmente diferentes; as circunstâncias concretas nunca se repetem exatamente. No entanto, há analogias profundas entre estas duas épocas de ascensão do autoritarismo, em suas diversas formas.
Era necessário alguém (ou uma equipa) fazer uma nova síntese sobre as «Origens do Totalitarismo» (título do famoso ensaio de Hannah Arendt), no final do século XX e no primeiro quarto do século XXI.
Mesmo que tal livro fosse escrito e editado, muitas pessoas já não leem. O número de analfabetos funcionais tem-se multiplicado, incluindo nos países afluentes do Ocidente. Juntamente com a ignorância, vem a arrogância e a hostilidade a qualquer pensamento «não conforme». Está quase feita a cama para os novos regimes totalitários.
Em regime totalitário, não apenas se torna perigoso os indivíduos exprimirem seu pensamento, se este não estiver de acordo com a doutrina oficial, como os cidadãos são coagidos a mostrar adesão a estes regimes, aos seus valores, às suas orientações, etc. Quem hesita, ou se mostra pouco entusiasta do regime, fica sujeito a ser denunciado «anonimamente», pelos colegas ou familiares. A partir desse ponto, tal pessoa fica automaticamente discriminada, no mínimo, quando não presa, julgada por traição e executada.
Provavelmente, as pessoas que leram Hannah Arendt, recordam o seu aviso: A difusão do pensamento crítico e de informações não-controladas, desempenha um papel essencial, na fase de transição para uma plena ditadura totalitária. Efetivamente, quando deixa de haver oposição visível (mesmo que fraca), a violência do regime totalitário, recém-instalado, aumenta. Torna-se menos seletiva, tanto atinge elementos de oposição, como pessoas sem atividade contra o regime. Assim, instalam um ambiente permanente de terror: Verificou-se isso, tanto no regime de Hitler como no de Estaline. Note-se que esta violência acrescida ocorreu na altura em que os respetivos regimes já se tinham consolidado.
Os poderes, dos países do Ocidente, ainda não atingiram o grau de totalitário, apesar de um certo número de políticos se prestar a ajudar a que isso venha a acontecer.

Eu sei que um certo número de pessoas pensam basicamente o mesmo que eu. Não devem ter receio de exprimir e difundir o seu ponto de vista. Se querem liberdade de palavra, de opinião, têm de exercê-la. Não há outra maneira. Não como difusores de propaganda, mas como seres pensantes e que, não só conhecem seus direitos, como nunca renunciam a exercê-los.

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PS1: Na noite passada (depois de ter publicado este artigo) recebemos a notícia dum horrível atentado terrorista nos arredores de Moscovo, executado por um comando tajik (ex-república soviética da Ásia Central). Não tenho dúvidas de que este comando foi enquadrado por serviços secretos do «Ocidente», uma operação destas é complexa e implica uma complexa organização in loco. Não me restam dúvidas de quem organizou este mesmo atentado.
Um ex-operacional da CIA disse-o poucas horas depois do sucedido:
Se a Embaixada dos EUA sabia que se preparava qualquer coisa e, a 7 de Março, deu conhecimento aos serviços de segurança russos, fê-lo de modo vago, como que para ter a desculpa de que não tinha nada a ver com isso. O propósito estratégico segundo Larry Johnson e outros, seria causar uma vaga de indignação no povo russo, para o governo de Putin se precipitar numa retaliação, também ela terrível e cega, dando pretexto a que a OTAN faça (finalmente) aquilo que quer: Entrar na guerra da Ucrânia abertamente e já não em pequena escala e de forma encoberta. Até agora, os únicos «boots on the ground» da OTAN, eram «voluntários» que, na véspera, antes de combater na Ucrânia, faziam parte das tropas especiais de vários países da OTAN .
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PS2: Atribuição do atentado terrorista ao Estado Islâmico - Khorasan (ou seja da região do Paquistão e Afeganistão).
Esta atribuição, de que a agência Reuters se fez eco poucos momentos após o atentado, resulta de um falso comunicado, ou de alguém que se fez passar pelo «Estado Islâmico».
Apesar dos terroristas serem do Tajiquistão, república ex-soviética de maioria muçulmana, não tinham perfil de jihadistas. O seu modo de proceder não se enquadrava com o comportamento repetidamente observado de atentados terroristas realizados por jihadistas. Isso transpareceu pouco tempo depois do atentado de Moscovo. 
Estes terroristas eram apenas mercenários, agentes pagos. Com efeito, os jihadistas podem cometer atos terroristas, mas possuem motivação religiosa,  enquanto fanáticos devotos do Islão. O Alcorão proíbe explicitamente maltratar ou matar civis não combatentes, em especial, mulheres, mesmo que estes civis sejam «infiéis». Esta proibição ainda tem maior peso na altura do Ramadão (os muçulmanos estão agora a celebrar o Ramadão). Por outro lado, autênticos jihadistas não hesitariam em sacrificar-se, enfrentando e combatendo as forças policiais, pois seriam bem-aventurados (segundo a crença das seitas do islamismo radical), ao morrerem combatendo pelo Islão.
De facto, como diz o coronel Baños, este comando  terrorista é formado por mercenários. Eles tentaram escapar em direção da fronteira ucraniana, em vez de enfrentar a polícia e combater até à morte. 
Os serviços de segurança russos conseguiram capturá-los com vida, durante a fuga. Ao todo, prenderam 11, incluindo os 4 agentes diretos do massacre e 7 cúmplices. 
As informações obtidas apontam para a Ucrânia. Os serviços secretos ucranianos têm um longo historial de incursões terroristas, em que assassinam civis russos. Budanov, do serviço secreto militar ucraniano, poderá ser um responsável direto desta operação terrorista. Os russos têm meios para esclarecer quem e como planeou, coordenou e supervisionou este ato terrorista. 
Lembremos que Victoria Nulan, em Janeiro passado, visitou Kiev. Antes de partir, prometeu «surpresas desagradáveis», a Putin. Portanto, estava ao corrente dos atentados planificados e deu o seu aval aos mesmos. Depois, para encobrir o seu papel, demitiu-se; «pediu a reforma», como ela disse.


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Para conhecimento de factos sobre as várias frentes da Guerra Mundial em curso (não apenas a guerra Rússia-OTAN, na Ucrânia), pode consultar a série CRÓNICA DA IIIª GUERRA MUNDIAL.
O penúltimo número (Nº23) da série:

quarta-feira, 13 de março de 2024

IMPRESSIONANTE! O HARAQUIRI* DA ALEMANHA

Tudo isto para agradar ao seu senhor feudal, os EUA. 

Veja:

Como é que os EUA destruíram a economia alemã


Talvez não fosse um haraquiri genuíno, pois este implicava a livre vontade do suicida.  
Foi então um «suicídio ordenado» aos governantes alemães, pelo seu suserano dos EUA.
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*No Japão medieval, o haraquiri, ou suicídio ritual, era praticado pelos samurai vassalos dum senhor da guerra, quando consideravam que estivesse em causa a mínima dúvida da sua total fidelidade ao senhor feudal. 

segunda-feira, 12 de fevereiro de 2024

Burocratas da UE em pânico perante protestos dos agricultores

 Lena Petrova traz-nos imagens da insurreição europeia dos agricultores (aos quais se juntam os camionistas) contra a «Agenda 2030». Esta agenda é um grande objetivo de Davos, da ONU, da UE e dos globalistas mundiais reunidos. A agricultura europeia está condenada, por decisão política dos seus próprios dirigentes. Preferem ter a população europeia refém de «ajudas» alimentares, tal e qual acontece com populações do Sul Global esmagadas pela guerra e pela dependência; situações criadas e mantidas pelos globalistas.

Dentro deste vídeo, além dos clips mostrando os protestos dos agricultores, podeis ver clips de John Kerry e de Úrsula von der Leyen: ambos mostram O SEU DESPREZO pelos agricultores: Úrsula, num modo hipócrita, Kerry num modo cínico.



No artigo publicado em 04 de Fevereiro, 2024, pode-se obter mais informação sobre os planos da UE e dos seus dirigentes globalistas:

AGRICULTORES EUROPEUS JÁ COMEÇARAM A TER VITÓRIAS


domingo, 4 de fevereiro de 2024

AGRICULTORES EUROPEUS JÁ COMEÇARAM A TER VITÓRIAS


 https://www.zerohedge.com/geopolitical/france-caves-farmers-ireland-solidarity-protests-kick

Os protestos não se limitam às «locomotivas», que são os agricultores franceses e alemães. Também outros países, como Holanda, Bélgica, Portugal e Irlanda, experimentaram o levantamento maciço deste grupo de cidadãos, que estão na base da sociedade, visto que produzem o essencial do que comemos. 

A revolta dos agricultores chama-se Comissão Europeia e as suas negociações opacas, destinadas a satisfazer as exigências de dois grupos de pressão: 

- os globalistas, que queriam que fossem abatidas todas as barreiras, aos produtos da agricultura de países do Sul, mais «baratos» (à custa da destruição de floresta equatorial e tropical, pesticidas, OGMs, e exploração dos seus trabalhadores rurais). Assim, seriam postas em concorrência direta com os produtos da agricultura, muito mais exigente, dos países da União Europeia (não deixa de haver exemplos deploráveis, no entanto) ;

- o outro grupo de pressão (também globalista, mas com «toque ecológico») dos fanáticos do «aquecimento climático» e das políticas de zero carbono, numa aliança onde grupos ambientalistas são manipulados por multimilionários do Fórum Económico Mundial de Davos: Daí sai muita retórica do decrescimento, neomalthusiana, acompanhada de profecias catastrofistas. Tudo isto, destina-se a satisfazer a agenda de bilionários, não a «salvar o planeta», como eles clamam. 

Há algum tempo, cerca de um ano atrás, o governo holandês saiu-se com um plano de eliminar 30% das explorações agrícolas da Holanda, supostamente, para reduzir a «libertação de nitrogénio para a atmosfera». Um misto de distopia orwelliana e de burrice, que qualquer aluno/a do ensino secundário sabe que é um argumento 100%  idiota. 

Mas, felizmente, os agricultores estavam alerta e começaram a mostrar sua força através de manifestações, montados nos seus tratores, que os governos não tiveram coragem de reprimir (como fizeram, selvaticamente, com o movimento dos «gilets jaunes», em França). Não estou certo que as reivindicações principais dos agricultores franceses sejam atendidas mas, pelo menos, já obrigaram o poder a negociar.  

As forças da entropia (= destruição) representadas pelos globalistas foram travadas, mas não derrotadas: Elas querem erradicar a (maior parte da) agricultura dos nossos países europeus, para ter as populações dependentes da ajuda alimentar dos governos. Entretanto, estes importam (a baixo preço) quase tudo dos países pobres do Sul. Reproduzem, mais ou menos, o que fizeram com a desindustrialização da Europa e América do Norte, nos anos oitenta e noventa (e depois). 
Mas, agora trata-se da agricultura; um instrumento poderoso, como já dizia Henry Kissinger, para o qual «quem controlar a produção e os mercados agrícolas, controla tudo, pois a alimentação do mundo inteiro depende destes». Ao menos, ele dizia ao que vinha; os atuais hipócritas querem nos fazer crer que têm «boas soluções ecológicas, amigas do ambiente», para a agricultura. 

Realmente, os agricultores merecem os meus parabéns e total apoio! 

... E  não me importo que cheire a esterco e bosta de vaca à entrada dos Ministérios da Agricultura e dos outros!! Para relembrar aos senhores ministros e restantes funcionários, que eles é que devem estar ao serviço do povo, e não o contrário...



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

REFLEXÃO GEOESTRATÉGICA

Numa época de grande perturbação, como a que estamos vivendo, o facto de eu me atrever a fazer uma síntese, é - sem dúvida- um empreendimento temerário, da minha parte. Temerário, mas não impossível. Pois os meios fornecidos pela Internet e não controlados pelos poderes, multiplicam a capacidade de qualquer um. Temos acesso a muitas informações no que toca aos vários aspetos da cena internacional - economia, militares, diplomacia, etc.

Porém, a maior parte das pessoas não desenvolveu uma visão de conjunto, esta foi antes tornada opaca, pela enorme quantidade de «lixo informativo» que satura os diversos canais de informação.

           
             Navio de carga alvejado no Mar Vermelho

O meu propósito, aqui, é descrever com a maior franqueza o que tenho vindo a observar neste domínio da geoestratégia, ao longo dos últimos decénios. Deliberadamente, irei coibir-me de fazer prognósticos, sejam quais forem; o leitor que tire as suas conclusões. Eu irei, apenas, fazer o diagnóstico do que tem ocorrido no Mundo desde a implosão da URSS.

Com efeito, este é um marco muito importante para se compreender o que vem a seguir, embora a História contemporânea, o século XX, incluindo as duas Grandes Guerras Mundiais e todas as outras situações de guerra ou de conflito, que ocorreram quer entre as duas guerras mundiais, quer após a 2ª guerra mundial, sejam de primeiríssima importância para se compreender o mundo de hoje.

O marco da implosão da URSS é importante porque significou o desaparecimento de um Mundo dominado por duas superpotências. Mas, contrariamente à esperança ingénua de muitos (eu incluído), não houve paz verdadeira, na Europa e no Mundo: lembro as guerras desencadeadas pelo imperialismo triunfante contra o Iraque e a guerra civil que levou ao desmembramento da Jugoslávia, com os préstimos de uma Alemanha reunificada e força dominante da União Europeia.

Mas, no plano económico, a oligarquia do Mundo afluente deu passos de grande significado (e imprudência), nomeadamente, naquilo que chamam de «globalização». Este nome ocultou, na verdade, o propósito de domínio. Este termo de globalização escondia a ideologia subjacente: o neoliberalismo. Na Europa, principalmente, assistiu-se ao «enrolar» do cenário anterior, ou seja, o Estado Social-Democrático, ou Estado de Bem-Estar. Tratava-se de uma transitória repartição, menos assimétrica da riqueza na população, resultante dos superavits das economias, em crescimento rápido depois a IIª Guerra Mundial, permitindo assim manter satisfeitas as classes não-burguesas (assalariados, pequenos funcionários, campesinato) num consenso fabricado, afastando-as da atração exercida pelo socialismo, considerado por muitos ser a inevitável alternativa aos regimes capitalistas então vigentes. O processo de privatização das empresas estatais foi acompanhado pelo desmantelamento dos direitos sociais, conquistas de decénios de lutas populares. Mas este processo teve também como consequência que os grandes capitalistas já não tinham que enfrentar-se com governos que pretendessem obrigá-los a cumprir os objetivos gerais das sociedades, nas quais suas empresas operavam. Foi também possível essa transição graças ao arregimentar da casta política. Tratou-se de torná-la cativa através da corrupção ou, nos casos de tendências não-capitalistas, a marginalização, confinamento a um ghetto político. Além disso, datam dessa altura as discretas manobras visando ressuscitar a extrema-direita, pela primeira vez, desde o final da IIª Guerra Mundial, em muitos países europeus. Esta extrema-direita, aparecendo à luz do dia e concorrendo a eleições, cativou uma parte do eleitorado descontente. Grande parte do que refiro acima, decorreu durante a década de 1990; pelo menos, o desenrolar em grande escala da nova estratégia da oligarquia e os seus primeiros resultados práticos.

Uma primeira contradição que surgiu e foi-se acentuando: a desindustrialização do mundo capitalista mais afluente, realizada pela transferência de fábricas para zonas de não-respeito das regras do mercado laboral (ausência ou repressão dos sindicatos) e uma total indiferença à preservação do ambiente (indústrias depredadoras de recursos, poluição em grande escala ...). Os grandes capitalistas reconstituíam assim a capacidade de extraírem lucro, graças ao custo muito menor dos salários, à ausência de regulamentação, ou seu incumprimento, quer ao nível dos direitos laborais, quer da proteção do ambiente. Esses países tinham governos desejosos desses investimentos estrangeiros. Primeiro, foram as «maquiladoras» (perto da fronteira do México com os EUA), depois fábricas em países totalmente submetidos aos EUA, como o Haiti, as Filipinas, etc. Logo depois, ainda nos anos 80, a China «comunista» proporcionou uma força de trabalho disciplinada e diligente que permitiu a deslocalização das indústrias de eletrónica e de computadores, dos EUA e dos países mais avançados da UE (Reino Unido, Alemanha, França), para a China.

Entretanto, na ex-URSS, a Rússia estava sofrendo um processo de saque e desmantelamento, pelos oligarcas locais e por capitalistas abutres ocidentais. Quanto aos outros países, que antes faziam parte da URSS, reinavam oligarquias desejosas de vender os recursos nacionais (principalmente minerais) aos capitalistas do Ocidente; alguns desses governos eram formados por velhos burocratas do Partido Comunista que se reconverteram à pressa em vassalos do capitalismo globalizado, mantendo-se no poder através dos métodos autoritários de sempre. O desmantelamento da própria Rússia, era o desejo estratégico da tendência neoconservadora (chamada neocons) nos EUA, que se tinha entrincheirado nos postos chave dos ministérios e fazia parte de influentes «think-tanks». Este grupo, autêntico Estado dentro do Estado, considerava que a vitória na Guerra-Fria não estava completa. Para completá-la, era indispensável desmantelar a Rússia («balcanizar»), o maior país mundial, em termos de área, riquíssimo em recursos e escassamente povoado. Eles conseguiram influenciar a política de sucessivos presidentes dos EUA, desde Clinton, Bush Júnior, Obama, Trump, até Biden. A política externa foi sempre ditada pelos neocons, quer os presidentes fossem republicanos, quer democratas.


Esta situação, perigosa para a paz mundial e, em particular, para a paz europeia, teve o seu culminar com a guerra da Ucrânia. A estratégia, essencialmente a mesma durante mais de dois decénios, deve-se aos mais agressivos políticos e militares, que consideravam que os dirigentes dos EUA e da OTAN não tinham que honrar os compromissos assumidos com Gorbatchov, aquando do processo que levou à reunificação pacífica da Alemanha, em que os soviéticos se comprometeram a retirar suas tropas da Alemanha de Leste (DDR), a troco de não se efetuar o alargamento da OTAN, a países do ex-Pacto de Varsóvia. Este compromisso, assumido por Bush Sénior e - coletivamente - pelos líderes da OTAN, foi repetidamente negado ter existido, embora haja provas concludentes de que foi efetivamente assumido e por escrito .



Mas, os poderosos continuavam a fazer o que lhes apetecia, negando-se a qualquer diálogo sério com a Rússia. Note-se que esta, embora enfraquecida, continuava a ser a segunda maior potência mundial no armamento nuclear. As coisas só começaram a mudar, com a subida ao poder de Vladimir Putin, promovido por Ieltsin, nos seus últimos momentos de lucidez, depois de ter visto em que se transformara a Rússia.

A subida de Putin não se deveu a um golpe de Estado: foi uma evolução dentro dos marcos constitucionais e políticos da Rússia, na transição do milénio. Por mais que demonizem Putin, os propagandistas ocidentais não poderão ocultar o facto de que ele e seu governo propuseram que a Rússia se integrasse na OTAN. Esta proposta foi varrida com um revés de mão, como aconteceu a muitas outras iniciativas de «mão estendida» do governo da Rússia.

A última tentativa de diálogo sério entre gente adulta, tentada pela diplomacia russa, ocorreu no final do ano de 2021. Tratava-se de uma proposta de conversações ao mais alto nível, nos países europeus que - coletivamente - se reuniriam e encontrariam um modus vivendi, assegurando um sistema coletivo de segurança.

Nessa altura, os dirigentes da Europa e dos Estados Unidos já estavam, com o governo vassalo de Zelensky, a preparar o assalto final às repúblicas dissidentes do Don (República Popular de Lugansk e República Popular de Donetsk). Estas tinham-se separado do regime de Kiev, após o golpe de Maidan de 2014, porque não aceitavam serem oprimidas por Kiev, que queria impor-lhes a anulação do seu estatuto (constitucional) de regiões maioritariamente russófonas. Nesta situação, as repúblicas organizaram a sua autodefesa, contra as divisões e milícias (neonazis) de Kiev, apoiadas pelos países da OTAN: Durante 8 anos, foram treinadas, armadas e equipadas pelos ocidentais. Cerca de 14 mil mortes civis, durante esses oito anos (do início da guerra civil ucraniana, até à invasão russa) resultaram do constante bombardeamento, pelo exército do regime de Kiev, de centros de cidades e de outros locais com civis, nas duas repúblicas. Deve-se sublinhar, que Putin hesitou muito até vir em auxílio a este povo russo martirizado. Em Janeiro de 2022, os serviços de espionagem russos sabiam que a ofensiva de Kiev estava iminente. A opinião pública russa nunca lhe iria perdoar, se ele não fizesse nada, perante a ofensiva contra as repúblicas do Donbas: cerca de 70 mil tropas ucranianas de elite, bem treinadas e equipadas, preparavam-se para invadir estes territórios. Poucos dias antes da invasão da Ucrânia pela Federação Russa (24 de Fevereiro de 2022), as repúblicas dissidentes estavam a ser bombardeadas com maior intensidade, num crescendo que prenunciava a invasão iminente pelo exército ucraniano.

Dos desenvolvimentos e peripécias desta guerra, outros terão escrito com bastante rigor e pormenor. Eu contento-me em dizer que foi uma guerra cruel e inútil, que deixará marcas indeléveis nos povos da região, mas também implicará uma divisão duradoira entre europeus ocidentais e orientais.

Hoje, já se pode afirmar - sem parcialidade - que se está perante a derrota do exército ucraniano, após cerca de dois anos de guerra, uma guerra desejada e incentivada pela OTAN. Isto significa cerca de um milhão de baixas de militares ucranianos, além das baixas de civis e da destruição causada pela guerra. Do lado russo, não tenho dados precisos pois, desde o princípio, as fontes oficiais russas não fornecem números. O que dizem as fontes jornalísticas ocidentais tem sido - quase sempre - um exagero, elas são um mero instrumento de propaganda anti- russa.

Em definitivo, a guerra russo-ucraniana é um acontecimento trágico, também para os povos europeus ocidentais: ficaram sujeitos a uma oligarquia militarista e fascistoide, ela própria obedecendo aos imperialistas americanos. Estes, acentuaram o tratamento dos países europeus sob «proteção» da OTAN, como vassalos aos quais se pode mandar fazer tudo o que decida Washington DC.

No futuro, não haverá paz no continente europeu. Pelo menos, rapidamente, pois não se vislumbra tal vontade. Os russos não se sentem inclinados a negociar um acordo: têm experiência de que os dirigentes europeus e norte-americanos não cumprem os compromissos assumidos. Entre muitos factos graves, os dirigentes dos EUA deixaram caducar, não renovaram ou denunciaram os acordos relacionados com armas nucleares (com grande significado no continente europeu), negociados na década de 70 e nas duas décadas seguintes.

Por outro lado, não se pode esperar do lado ocidental uma viragem no sentido da distensão: os militaristas dominam a OTAN. Os governos na Europa ocidental são submissos aos EUA, cada vez mais imperiais. O mais recente caso, é significativo. A decisão americana unilateral de interromper* o envio de gás LNG aos países europeus, o qual era vendido por preço bem alto, aliás. O seu comportamento é mais uma facada nas costas da Europa, depois de terem promovido a destruição no Mar Báltico, dos gasodutos Nordstream I e II, que abasteciam de gás russo a Alemanha e outros países europeus. Os que governam os EUA, não são «amigos» da Europa.

Duvido que a destruição física da população de Gaza, com a complacência e ajuda material do «Ocidente», seja grande trunfo para exibir como prova do respeito pelos direitos humanos e da simples decência, aos olhos dos países do Sul Global (ver PS1).

O ponto a que se chegou, mostra que o momento unipolar da geopolítica mundial está a chegar ao fim. Isto ocorre mais depressa do que praticamente todos os observadores imaginaram.

Não apenas as bases dos EUA em território hostil, sírio ou iraquiano, estão à mercê de ataques por milícias, desejosas de expulsar os americanos. Também as frotas dos EUA e de dois ou três aliados, estacionadas à entrada do Mar Vermelho são «sitting ducks» (alvos fáceis). O mesmo, em relação aos porta-aviões americanos no Mediterrâneo, ao largo de Israel e do Líbano. As forças do Hezbollah têm mísseis com alcance (e com precisão) mais do que suficiente para atingir e afundar esses porta-aviões.

                                  Sitting Duck, em https://johnhelmer.net/

Então, para que se põem os EUA a fazer estas provocações? - Sem dúvida, querem mostrar que não se deixam intimidar e que continuarão a dar o seu apoio ao governo genocida de Netanyahu. Mas, tanto no Iémen como no Líbano, está fora de questão fazerem desembarques com marines, para conquistar posições dos Houthis, ou do Hezbollah. O espetáculo que dão é dum «gigante com os pés de argila». O Irão e todo o Eixo da Resistência (forças governamentais e milícias no Iraque, Síria, Líbano, Iémen e Palestina) aprenderam as táticas que resultam, nesta guerra assimétrica: estão agora a pôr isso em prática. Estão a flagelar o inimigo através de ataques simultâneos e causando baixas, mas não chegam ao ponto de provocar um ataque americano em larga escala, que só seria desencadeado em caso extremo, devido ao risco de fiasco. Esta tensão permanente obriga os americanos a verter cada vez mais reforços, a aumentar os ataques pela aviação e por mísseis; porém, sem vantagem decisiva, sem vitória. No final, terão de recuar, após terem perdido soldados, material de guerra valioso e prestígio.

Não sei o que o amanhã trará, por isso não faço conjeturas. Não me admira que, nos próximos tempos, a instabilidade aumente. Poderá haver novos focos de violência e de guerra.

A chamada «globalização» foi um enorme fiasco. Agora, o Globo está dividido: Dum lado, os herdeiros das potências coloniais e neocoloniais, o Ocidente; do outro, o Sul Global, com a locomotiva da aliança tríplice Rússia - China - Irão, em coordenação com os restantes Estados dos BRICS alargados. Ao todo, estes já perfazem a maioria da população mundial e cerca de metade do PIB mundial.

Murtal/ Parede, 31 de Janeiro de 2024




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* Parece inacreditável, mas esta medida, que prejudica os aliados/vassalos dos EUA, terá que ver com questões internas dos EUA, nomeadamente a «revolta» do governador do Texas e/ou com a luta contra «alterações climáticas». Veja:

PS1: A sentença do TIJ - que obrigava o Estado de Israel a tomar conta das situações humanitárias - foi sabotada pelo mesmo Estado de Israel, com o pretexto de que a UNRW era capa para ativistas do Hamas. Em consequência, os ocidentais decidiram de imediato suspender a sua contribuição financeira, no momento em que esta é absolutamente indispensável aos cerca de 1,7 milhão de refugiados. Se esta medida parece retaliação contra a população de Gaza, é porque é isso mesmo, de facto: 


PS2: Leia a notícia abaixo que confirma e reforça a nossa primeira informação sobre a «suspensão» do envio de LNG dos EUA para a Europa: https://www.zerohedge.com/geopolitical/russian-media-thrilled-bidens-lng-gift-putin

PS3: Como afirmei anteriormente ( ver AQUI) não há dúvida de que se está num momento em que a classe dominante, em desespero, vai fazendo erros atrás de erros, cada qual mais grave: https://www.moonofalabama.org/2024/02/screw-the-facts-europe-commits-itself-to-further-escalation.html#more

terça-feira, 12 de dezembro de 2023

GUERRA ISRAEL/PALESTINA. LEIAM THIERRY MEYSSAN & JONATHAN COOK

 Desde os primeiros dias desta guerra de extermínio dos sionistas contra a população de Gaza, que tive a intuição do que se estava realmente a passar ajudado, é certo, por leituras muito esclarecedoras, algumas vindas do interior do Estado de Israel e outras de analistas com decénios de contactos com o Médio-Oriente.

Thierry Meyssan tem sido um dos poucos que nos ajuda a compreender as verdadeiras intenções, sabendo que interesses estão em jogo. Outro jornalista, que tem informado com verdade sobre da luta palestiniana, é Jonathan Cook. Ele tem também denunciado os planos de «limpeza étnica» dos palestinianos, pelo poder israelita.

O povo palestiniano tem sido sacrificado por interesses sórdidos. A operação de «limpeza étnica» foi planificada de longa data. Neste ano de 2023, uma camarilha de bandidos tomou o governo. Fizeram um golpe de Estado, desde o interior do próprio Estado. Mudaram a constituição e subverteram a legalidade, para dominar totalmente o panorama político em Israel, suprimindo as vozes de oposição. 

No Ocidente, a média corporativa dedicou-se a apresentar a situação  de 7 de Outubro passado, como se fosse «um trovão em céu azul». Como se Israel fosse a vítima dum ato terrorista horrendo do Hamas:  "Israel, Estado «democrático», selvaticamente agredido e que precisava defender-se". Porém, mesmo em círculos europeus ou norte-americanos próximos dos governos,  a continuação do massacre sistemático do povo de Gaza causa inquietação, não por sentimentos humanitários genuínos, mas porque querem dissociar-se da imagem hedionda deste genocídio. 


    Prisioneiros palestinos, mantidos quase nus antes de enviados para tortura

Para quem tiver um mínimo de retidão e sentido de justiça, os poderes ocidentais - a começar pelos EUA e a continuar pela UE - são mais do que coniventes pelo crime perpetrado pelo governo de Israel: São mesmo coautores, pois sabendo exatamente para que servem as bombas e as armas fornecidas ao exército israelita, continuam os envios, enquanto choramingam apelos para «moderação» dos genocidas! 

São já vinte mil mortes de civis, nesta Nakba nº2

O Ocidente, no seu conjunto, está moralmente morto. No futuro, podem tentar obliterar a memória desta cruel mortandade mas, o facto em si, é indelével e nunca será esquecido pelas presentes e futuras gerações, em todo o mundo árabe e não apenas da Palestina.

terça-feira, 28 de novembro de 2023

OS EUNUCOS UNIDOS DA EUROPA* por Laura Ruggeri

                         Imagem: Interior de Harém no Império Otomano


Uma “UE geopolítica” continua a ser pouco mais do que uma fantasia consoladora baseada no seu poder de atracção – a fila para entrar.



“Se um país olha para a Europa, então a Europa deveria abrir bem as suas portas. O alargamento sempre foi o instrumento geopolítico mais forte da União Europeia.»

Embora Metsola tenha simplesmente reformulado as declarações feitas pela chefe da Comissão Europeia, Ursula Von der Leyen, e pelo presidente do Conselho Europeu, Charles Michel, a sua escolha de palavras oferece uma excelente visão sobre os fundamentos ideológicos do expansionismo da UE.

Metsola funde a Europa e a União Europeia, mas isto não é simplesmente um lapso de língua, Bruxelas tem uma longa tradição de assumir que a UE é igual à Europa e que os países situados fora das suas fronteiras não são verdadeiramente europeus, caso contrário não estariam "procurando Europa'. Tornar-se europeu é tornar-se “civilizado”, uma vez que fora do “jardim da Europa” as pessoas vivem numa “selva”, pelo menos de acordo com o chefe dos negócios estrangeiros da UE, Josep Borrell. A UE, considerada a personificação de valores superiores, tem o dever moral de abrir as suas portas e admitir aqueles infelizes países que estão actualmente excluídos deste jardim de delícias e, ao fazê-lo, resgatá-los de algum perigo não especificado. Basicamente, uma variação do tema colonial do salvador branco. Depois Metsola apresenta o argumento decisivo em apoio ao alargamento: bem, claro, é uma ferramenta geopolítica para tornar a UE mais forte.

Se o alargamento tornaria o bloco mais forte, como afirmam os seus proponentes, ou, pelo contrário, aceleraria a sua implosão, tem dividido opiniões durante duas décadas. Metsola convenientemente esquece-se de mencionar que sem um acordo unânime as negociações de adesão não podem sequer ser iniciadas, mas é claro que os eurocratas não podem permitir que os factos atrapalhem uma boa narrativa.

As metáforas utilizadas por Metsola (a porta) e Borrell (jardim/selva) reforçam a dicotomia espacial dentro/fora que reflete culturalmente a oposição entre valores positivos e negativos, civilização e barbárie. Sem uma esfera externa “caótica”, real ou imaginária, a estrutura interna não pareceria ordenada, na verdade nem apareceria: figura e fundo fundiriam-se num continuum. Postular a existência de uma selva perigosa habitada por bárbaros é essencial para manter a ilusão de ordem e civilidade no seu interior. O problema é que a cada ronda de alargamento a entropia do sistema aumenta. A história tem mostrado que quando a expansão imperial é tentada sem as pré-condições necessárias – forças armadas suficientemente fortes e uma economia capaz de sustentá-la, uma liderança eficaz, uma ideologia que estimula o desejo de império e laços institucionais saudáveis ​​entre o centro e a periferia – o resultado é inevitavelmente exagero, fracasso e derrota. Mas não pergunte aos nossos eunucos sobre impérios, especialmente aquele sobrecarregado a que servem. Acreditam na sua própria propaganda e estão empenhados em “proteger, promover e projetar os valores europeus, defendendo a democracia e os direitos humanos no interesse do bem público comum. Promover a estabilidade e a prosperidade no mundo, protegendo uma ordem mundial baseada em regras, é uma condição prévia básica para a proteção dos valores da União.» Quando se trata de declarações da UE, a paródia é desnecessária, o original atinge o mesmo efeito cômico.

Se uma maior expansão é boa ou má para a UE tornou-se o equivalente moderno da velha discussão bizantina sobre o sexo dos anjos e, embora não tenha sido possível chegar a acordo, o processo ficou em grande parte paralisado após a adesão da maior vaga de novos membros em 2004 e Croácia em 2013. Então porque é que o país esteve no topo da agenda de tantos eurocratas nos últimos dois anos? Principalmente porque os apoiantes da expansão esperavam poder aproveitar a unidade que a UE reuniu face ao conflito na Ucrânia para impulsionar um projecto imperialista por procuração alimentado pelo pensamento mágico de Washington. A pedra angular deste projecto era a captura total da Ucrânia, cujo exército treinado pela NATO deveria ter desferido um golpe decisivo na Rússia. Como sabemos, as coisas não estão a correr exactamente como planeado e essa unidade de objectivos parece agora tão precária como o futuro da Ucrânia.

Durante anos foi prometido à Ucrânia o estatuto de candidato à UE e finalmente recebeu-o em troca de um sacrifício de sangue. Obviamente, não se qualifica para adesão, e não vale a pena morrer pela perspectiva de ficar sentado numa sala de espera lotada com outros candidatos num futuro próximo. Bruxelas tem primeiro de encontrar e depois apresentar uma cenoura mais atraente, numa altura em que as sondagens de opinião mostram que o apoio à Ucrânia está a diminuir.

Depois de defender a “ordem baseada em regras” dos EUA, a UE tem um saco cheio de notas promissórias, uma economia enfraquecida, e o jardim de delícias terrenas de Borrell assemelha-se cada vez mais ao painel escuro do famoso tríptico de Hieronymus Bosch.

Pode-se pensar que discutir o alargamento da UE enquanto o bloco enfrenta grandes crises que o testam até ao limite é o epítome da insanidade. Na verdade, alguns comentadores já traçaram paralelos entre a liderança da UE e Nero a mexer enquanto Roma ardia. Mas supostamente Nero fez outra coisa além de brincar, ele culpou os cristãos pelo incêndio. Oferecer um inimigo interno ou externo é uma tática experimentada e testada para esmagar a dissidência e consolidar o poder. E foi exactamente isso que a ministra dos Negócios Estrangeiros da Alemanha, Annalena Baerbock, tentou numa recente conferência em Berlim dedicada ao alargamento da UE. Ela disse a 17 ministros dos Negócios Estrangeiros da UE e de países candidatos, incluindo o ucraniano Dmytro Kuleba, que a UE deve expandir-se para evitar tornar todos vulneráveis.

“A Moscovo de Putin continuará a tentar dividir de nós não só a Ucrânia, mas também a Moldávia, a Geórgia e os Balcãs Ocidentais. Se estes países puderem ser permanentemente desestabilizados pela Rússia, isso também nos tornará vulneráveis. Não podemos continuar a permitir zonas cinzentas na Europa”. O que aconteceu com as promessas de crescimento económico, investimentos e acesso a um mercado rico? Como todos parecem vazios em 2023, Baerbock invoca o bicho-papão. Acabou-se toda a pretensão de que a UE e a NATO prosseguem estratégias diferentes.

Com a porta da NATO fechada à Ucrânia e Washington a mudar o seu foco para o Médio Oriente e a Ásia-Pacífico, o fardo de apoiar a Ucrânia “para defender a Europa” foi despejado sobre a UE.

Se a pintura da Rússia como uma ameaça tem sido usada há muito tempo pelos EUA para manter viva a NATO, nos anos mais recentes tem sido explorada para unificar a política externa e de defesa dos Estados-membros da UE. Washington promoveu e facilitou uma consolidação vertical do poder na UE, a fim de externalizar para Bruxelas algumas das funções policiais e punitivas que permitem a sua acumulação global de capital e sustentam a sua hegemonia. De acordo com o seu cálculo, lidar com um vassalo colectivo, a UE, seria mais fácil do que gerir vários vassalos europeus em disputa e concorrentes. Esta estratégia reflecte a fraca compreensão que Washington tem da história e da complexidade da Europa e é por isso que é pouco provável que produza os resultados desejados, especialmente porque os interesses europeus foram sacrificados no altar dos americanos. Depois de desviar a riqueza dos países da UE e de restringir a sua margem de manobra, o bolo encolheu e é natural que a corrida para obter uma fatia se intensifique. Saquear e canibalizar os seus aliados não é exactamente uma jogada inteligente, cheira a desespero e é um sinal claro de que os EUA estão sobrecarregados financeira e militarmente.

O declínio económico e industrial nos países da UE parece agora incontrolável. Não poderia ser de outra forma quando você está preso em um relacionamento abusivo e explorador que lhe nega a liberdade de escolher seus amigos e parceiros de negócios. O centro de gravidade económico e geopolítico deslocou-se para Leste, a ordem mundial unipolar que emergiu na década de 1990 está a desfazer-se e uma nova ordem multipolar está a tomar forma diante dos nossos olhos. Em vez de seguir o caminho pragmático da integração eurasiática e de reforçar os laços económicos mutuamente benéficos com a China e a Rússia, a UE embarcou numa missão suicida para os seus curadores em Washington, na tentativa fracassada de enfraquecer a Rússia e conter a China.

Durante anos, a UE foi autorizada a beneficiar do esforço de globalização liderado pelos EUA; desenvolveu relações comerciais e cooperação multilateral com os países vizinhos e o resto do mundo. Os EUA, em vez de aceitarem a emergência de uma nova realidade multipolar, optaram por inverter a globalização e dividir o mundo em dois blocos, enquadrando criativamente a competição como um confronto ideológico entre democracia e autocracia. O proteccionismo comercial aumentou, os investimentos internacionais foram sujeitos a um escrutínio reforçado por razões de segurança nacional, as restrições ao fluxo de dados proliferaram, as sanções tornaram-se a norma.

Depois de terem sido condenados à irrelevância geopolítica, os países europeus são chamados a pagar a factura das ambições imperiais dos EUA e a fornecer assistência militar. Um relatório publicado pela empresa RAND em Novembro reconheceu que a estratégia e postura de defesa dos EUA tornaram-se insolventes e recomendou uma abordagem diferente:

“As tarefas que o governo dos EUA e os seus cidadãos esperam que as suas forças militares e outros elementos do poder nacional realizem a nível internacional excedem em muito os meios disponíveis para realizar essas tarefas.

Os Estados Unidos não podem e não devem, por si próprios, tentar desenvolver os conceitos operacionais, as posturas e as capacidades necessárias para concretizar esta nova abordagem para derrotar a agressão. O imperativo para a participação de aliados e parceiros é mais do que apenas gerar os recursos necessários para uma defesa combinada credível. Dado que a dissuasão envolve mais do que o poder militar bruto, a solidariedade entre as principais nações governadas democraticamente é necessária também nas dimensões diplomática e económica. E uma cooperação e interdependência mais estreitas na área da defesa terão efeitos benéficos noutras áreas, ajudando a facilitar uma acção coordenada para enfrentar desafios comuns.”

Para melhor ajudar a hegemonia moribunda, a UE está a ser instruída a alargar-se e a reformar-se. Na verdade, a reforma é considerada ainda mais urgente do que o alargamento porque os EUA temem que a capacidade da UE para levar a cabo a tarefa prescrita possa ser prejudicada por um punhado de países que exercem o seu poder de veto. No centro da conversa está a regra da unanimidade da UE, o que significa que todos os países devem chegar a acordo antes que o bloco possa tomar uma decisão sobre questões como a política externa, a assistência à Ucrânia ou as regras fiscais.

Não é por acaso que os argumentos mais ruidosos a favor da expansão da UE e do voto maioritário em vez da unanimidade estejam a ser ouvidos nos círculos atlantistas. Washington precisa de reforçar o controlo sobre as políticas externas e de segurança da Europa e é por isso que intensificou a pressão sobre a França e a Alemanha, bem como sobre outros Estados europeus que resistem à perspectiva de a Ucrânia, a Moldávia e os Estados dos Balcãs Ocidentais aderirem ao clube no futuro.

A captura da Europa

No tipo de UE com que Paris e Berlim sonharam há 30 anos, os países bálticos e da Europa de Leste forneceriam terras e mão-de-obra baratas, e novos mercados inexplorados para as suas empresas – o Lebensraum ideal para europeus ocidentais ambiciosos e empreendedores. Este cenário neocolonial seria auxiliado pelo imperialismo cultural e facilitado pela proximidade geográfica.

Mas na euforia pós-Guerra Fria, o conjunto franco-alemão não prestou atenção ao Convidado de Pedra: a expansão da NATO prosseguia a um ritmo muito mais rápido do que o alargamento da UE. Apesar da dissolução da União Soviética e do Pacto de Varsóvia, a OTAN não tinha sido dissolvida, pelo menos a sua missão de “manter os russos fora, os americanos dentro e os alemães abaixo” tinha recebido um novo ímpeto depois da OTAN acolher estados cujos novos as elites políticas foram preparadas exatamente para essa missão.

Os americanos não só dariam as ordens mais alto do que antes, como também poderiam contar com mais aliados para fazer exactamente isso. À medida que novos Estados-Membros aderiram à UE, o seu sentimento anti-Rússia também começou a desempenhar um papel desproporcional na definição das relações da UE com a Rússia. Na verdade, a russofobia foi activamente cultivada nos estados pós-soviéticos para sustentar identidades nacionais frágeis e, em alguns casos, totalmente artificiais, e para dar legitimidade a novos governantes.

Para unir novos e antigos membros e atrair mais candidatos, a UE transformou os problemas políticos em problemas tecnocráticos, baseou-se em procedimentos legais e alocou ou retirou recursos financeiros para impor a sua “visão”, tornou-se um actor idealista e um “professor global”. dos princípios neoliberais, dos “valores” ocidentais e dos padrões da UE. Para esconder a sua natureza antidemocrática e legitimar um aparelho burocrático invasivo completamente desvinculado da sociedade em geral, a UE transformou-se numa gigantesca máquina de relações públicas que drenou recursos para projectar autoridade moral e manter as aparências.

Na falta de legitimidade democrática, a UE teve de investir recursos consideráveis ​​na criação de um simulacro de democracia. Na falta de um demos, teve que inventá-lo através de uma “missão civilizadora” que foi empreendida com zelo missionário. Para criar as novas “demos europeias”, as identidades nacionais, culturais e religiosas tiveram de ser primeiro diluídas (ou infladas artificialmente quando desempenhavam uma função anti-russa), um passo de cada vez, começando no jardim de infância, e depois substituídas por alguns consensuados ersatz, fornecidos por organizações como o WEF e Open Society Foundation - o caminho da engenharia social para a civilização!

Deve-se ter em mente que a UE não é um actor geopolítico independente, nem uma “potência geopolítica”, independentemente do que Borrell ou Von der Leyen proclamem. A UE foi criada para drenar o poder dos Estados-membros, corroer a sua soberania, para que nunca se tornem um desafio aos interesses e ao poder dos EUA. Como resultado, a UE não é maior do que a soma das suas partes, é o equivalente geopolítico de um buraco negro. A sua arquitectura institucional, uma intrincada rede de locais de discussão, é tão surpreendente e entorpecente que Henry Kissinger, quando era Secretário de Estado dos EUA, pronunciou a famosa frase: “Para quem devo ligar se quiser ligar para a Europa?”

Nem uma organização internacional nem um Estado-nação, a UE pode ser descrita como uma política supranacional artificial. Isto assume a forma de numerosas redes mutuamente penetrantes de interconexões sociais, económicas, políticas e ideológicas que incluem, em diferentes níveis e fases, mecanismos supranacionais, governos nacionais, administrações regionais, empresas multinacionais e grupos de interesse cujo alcance é internacional.

Por isso, quando falamos sobre a UE, devemos lembrar-nos de que esta é gerida como um clube privado para um grupo de empresas transatlânticas e elites financeiras. Os seus lobbies e grupos de reflexão controlam o conhecimento e a informação que moldam a opinião pública e sobre os quais as figuras de proa actuam – os líderes da UE são invariavelmente políticos falhados e mediocridades cujas carreiras políticas foram facilitadas pelos mesmos lobbies que os possuem e ditam a sua agenda.

À medida que estas elites transatlânticas se envolvem numa luta global para manter e aumentar o seu poder, apreender e controlar recursos, desde dados digitais até recursos naturais, formam cartéis quando os seus interesses coincidem, ou competem pela influência política quando os seus interesses divergem. As “guerras culturais” que tornaram o debate racional virtualmente impossível no Ocidente são muitas vezes alimentadas por estas elites, uma vez que dispõem dos meios para mobilizar recursos políticos – pessoas, votos e partidos – em torno de certas posições sobre questões culturais.

O processo de integração europeia é um projecto imperialista tanto no sentido da relação da UE com o resto da cadeia imperialista, mas também dentro da UE nas relações desiguais entre os diferentes países.

Os sinais de uma crise profunda de integração europeia multiplicaram-se, sendo o Brexit o exemplo mais óbvio, mas não o único. A crescente crise de legitimidade também é exemplificada na reacção dos eleitores nos países da UE. Contrariamente às acusações de “populismo” e “nacionalismo” dirigidas a qualquer pessoa que seja crítica da integração europeia, o que emerge é antes a ansiedade causada pelo sentimento de falta de controlo das pessoas sobre as suas próprias vidas, pela descrença relativamente ao quadro institucional e político antidemocrático da UE.

Dado que os padrões de vida continuam a cair e as promessas de prosperidade e bem-estar social no jardim europeu não são em grande parte cumpridas, a insatisfação e a dissidência estão a aumentar, e não apenas entre as pessoas comuns. Algumas elites nacionais também se tornaram mais inquietas porque são penalizadas pela hostilidade da UE contra a Rússia e, cada vez mais, contra a China. O potencial de crescimento económico da UE foi esgotado e a maioria dos membros do bloco sofre de deficiência orçamental crónica e de dívida estatal excessiva.

Mas uma vez que os EUA precisam de toda a ajuda para sustentar a sua hegemonia em rápido declínio, a UE redobrou o seu papel de aplicador das regras dos EUA, entrelaçando a NATO e a UE numa arquitectura de controlo e propaganda - a guerra híbrida foi desencadeada contra a população europeia sob o pretexto de a defender da desinformação russa. Num tal contexto, mais recursos estão a ser desviados para o orçamento da defesa e segurança e para representantes dos EUA, como a Ucrânia. Não importa como se interprete a questão, é óbvio que apenas um punhado de empresas bem relacionadas beneficia de um aumento nas despesas militares e em I&D dos Estados-membros.

A emergência da Covid-19 ofereceu aos EUA a oportunidade perfeita para verificar se todos os seus patos europeus estavam enfileirados. Pela primeira vez na sua história, a UE adoptou uma estratégia de aquisição conjunta de vacinas: a aquisição conjunta de vacinas não só testou a coesão, a coordenação, a capacidade de «agir rapidamente» e mobilizar recursos financeiros, mas também constituiu um precedente que mais tarde facilitou a aquisição conjunta de armas para a Ucrânia e a imposição de sanções à Rússia. A exclusão das vacinas russas e chinesas mostrou que se podia confiar na UE para obedecer às ordens, mesmo que estas entrassem em conflito com os seus interesses económicos – as vacinas mRNA dos EUA eram mais caras do que a alternativa e dependiam de uma tecnologia cuja segurança não tinha sido comprovada. Os meios de comunicação social e os debates políticos da UE utilizaram a linguagem da guerra, referindo-se a uma “guerra” contra a Covid-19, o vírus foi “combatido”, os médicos e paramédicos foram descritos como “soldados da linha da frente”.

Uma metáfora cognitiva da guerra ajudou a estruturar a percepção da realidade. O estado de exceção foi normalizado, levando à suspensão dos direitos constitucionais. A pandemia ofereceu o pretexto para levar a cabo a operação psicológica de maior alcance alguma vez tentada em tempos de paz: qualquer manifestação pública de dissidência ou incumprimento de regras absurdas foi duramente reprimida, os meios de comunicação social e as redes sociais foram transformadas em armas para fazer lavagem cerebral e censurar o público, a capacidade do novo exército de «verificadores de factos» da UE foi reforçada e o âmbito da vigilância digital foi alargado.

Os confinamentos levaram a enormes perdas económicas (e ganhos para um punhado de empresas tecnológicas e farmacêuticas, na sua maioria americanas), mas também a uma mudança de paradigma nas políticas fiscais, monetárias e de investimento da UE, nomeadamente através da adaptação dos auxílios estatais para permitir que os Estados-Membros apoiassem suas economias através de uma intervenção mais direta. Sinalizou uma ruptura com a política de austeridade adoptada após a crise financeira de 2008. À medida que os Estados se tornaram mais endividados, tiveram de ceder ainda mais soberania à UE: As estratégias e objectivos de desenvolvimento dos Estados-membros tiveram de se alinhar com as prioridades definidas pela UE e beneficiando principalmente os EUA. A armadilha da dívida foi apresentada como um plano de recuperação com nomes sonantes como Next Generation EU (NGEU) — 360 mil milhões de euros em empréstimos e 390 mil milhões de euros em subvenções.

Como se costuma dizer, nunca deixe uma crise ser desperdiçada. Uma emergência cria um sentido de urgência e a necessidade de agir rapidamente, o que reduz seriamente a capacidade de pensar cuidadosamente. Esta abordagem abriu caminho à aceitação de perdas ainda maiores mais tarde, quando a UE impôs sanções à Rússia, que se transformaram num bumerangue. Qualquer hesitação em desistir do gás russo foi prontamente anulada pelo seu “parceiro” americano, através da sabotagem dos gasodutos Nord Stream.

Os eurocratas que adoram ser amados, especialmente a manifestação de amor "paga para jogar", são agora mantidos sob rédeas mais curtas. Estima-se que existam cerca de 30.000 lobistas registados em Bruxelas e que espalham o amor há décadas. Mas, em tempos mais recentes, apenas os lobistas aprovados pelos EUA tiveram rédea solta. Parece que as detenções que se seguiram ao Qatargate foram um aviso aos eurocratas: aceitar subornos de certos actores estrangeiros como o Qatar, já não será tolerado. Os interesses transatlânticos devem estar sempre em primeiro lugar.

Alargamento da UE – cui prodest?

Embora a expansão tenha sido consagrada em documentos oficiais da UE como um imperativo geoestratégico, a UE enfrenta agora desafios muito maiores do que nos anos pós-Guerra Fria. No início dos anos 90, os líderes europeus discutiram se deveriam alargar a união, absorvendo os países do bloco oriental, ou aprofundar a sua integração. Tentaram ambas as coisas e o resultado é uma confusão insustentável de acordo com todos os indicadores socioeconómicos, mesmo antes de se ter em conta o custo alucinante do apoio à Ucrânia, a perda de recursos energéticos acessíveis da Rússia e as sanções bumerangue.

Os grupos de reflexão, os eurocratas e os meios de comunicação social intensificaram recentemente os seus esforços para transformar exemplos passados ​​de alargamento da UE como um sucesso e o alargamento futuro como uma oportunidade, mas fora das suas câmaras de eco, o cepticismo está a crescer e a fadiga do alargamento instalou-se.

Se o alargamento está a ser discutido, é porque falar é fácil. Pergunte à Macedónia do Norte, um país ao qual foi concedido o estatuto de candidato em 2005 e que ainda está na lista de espera. Os pedidos da Ucrânia e da Moldávia foram aceites às pressas em 2022 para lhes apresentar uma cenoura, sabendo perfeitamente que nenhum dos países cumpre os critérios para aderir à União. Além disso, ainda é melhor para a UE mantê-los sob controle, nunca selando o acordo. Nove países receberam formalmente a mesma promessa e não é possível acelerar a adesão da Ucrânia e da Moldávia, sem causar ressentimento.

Mas como Washington teme que os “países política e economicamente vulneráveis” percam a paciência com a UE e encontrem parceiros mais atraentes para apoiar o seu desenvolvimento, nomeadamente a China e a Rússia, a UE tem de continuar a fazer promessas e, o que é mais importante, financiar as elites políticas dos países vizinhospara reforçar o seu poder e a sua clientela. Os EUA também contam com a UE para financiar os esforços de guerra da Ucrânia e a reconstrução do que restará deste país falido quando o conflito militar terminar. Deixemos que os contribuintes europeus paguem a conta: o apoio da UE ao regime de Kiev atingiu agora 85 mil milhões de euros e Von der Leyen prometeu que mais virão. Um montante adicional de 50 mil milhões de euros para o “Mecanismo para a Ucrânia” foi proposto pela Comissão Europeia para os anos de 2024 a 2027. Em 2022, o Parlamento Europeu aprovou 150 milhões de euros para apoiar o governo fantoche da Moldávia.

Como a UE não pode expandir-se sem implodir, a França e a Alemanha convidaram 12 especialistas para formar um grupo de trabalho sobre as reformas institucionais da UE. Apresentaram um conjunto de propostas para uma construção a múltiplas velocidades que permitiria a alguns Estados-membros uma integração mais profunda em determinadas áreas e evitaria que outros os impedissem. O relatório propõe eliminar os requisitos de votação unânime, mesmo que a eliminação dos vetos implique a aceitação de diferentes níveis de compromisso. Prevê quatro níveis de adesão, estando os dois últimos fora da UE. Estes “círculos concêntricos” incluiriam um círculo interno cujos membros poderiam ter laços ainda mais estreitos do que aqueles que unem a UE existente; a própria UE; adesão associada (apenas mercado interno); e o nível mais flexível e menos exigente da nova Comunidade Política Europeia.

A principal “vantagem” para o Ocidente Coletivo é que todos os países desta “Europa” ficarão isolados da Rússia e da Bielorrússia, mas não está claro quais são as vantagens para os países da camada externa, uma vez que terão acesso limitado ou nenhum acesso ao Mercado Único, mas espera-se que abdiquem de parte da sua própria soberania nacional em favor de Bruxelas, perdendo autonomia e espaço de manobra num mundo multipolar.

Em Outubro passado, a Comunidade Política Europeia – um espaço de discussão que inclui líderes de países da UE, candidatos à UE, Suíça, Noruega, Reino Unido e até Arménia e Azerbaijão – reuniu-se em Granada para discutir um potencial alargamento do bloco. A reunião deveria reforçar a determinação, mas em vez disso aprofundou as reservas daqueles que nunca aceitaram a ideia de alargar a UE à custa dos actuais membros. Alguns membros já fizeram as contas e perceberam que, se o proposto alargamento da UE avançar, terão de pagar mais e receber menos do orçamento da UE: Os beneficiários líquidos tornar-se-ão contribuintes líquidos. Compreensivelmente, eles não estão muito entusiasmados com a perspectiva.

Embora o aumento da integração UE-NATO e a expansão para leste tenham criado novos lobbies poderosos e uma nova classe de eurocratas ultra-atlantistas, os estados membros da UE perderam qualquer aparência de autonomia estratégica e, portanto, qualquer oportunidade de proteger ou promover os seus interesses económicos e geopolíticos. Inicialmente, foi a classe trabalhadora dos países da Europa Meridional e Ocidental que suportou o peso da expansão da UE; depois, também a classe média começou a sentir o aperto. Actualmente, o PIB per capita da Itália caiu para o nível do Mississippi, o Estado mais pobre dos EUA; A da França é um pouco melhor, fica algures entre Idaho  e Arkansas, enquanto a Alemanha, o motor da economia europeia, se equipara ao de Oklahoma. Não é exatamente uma história de sucesso .

Embora os cépticos da UE se tenham tornado mais numerosos e expressivos nestes países, a sua influência política é limitada. Os seus adversários representam os interesses de uma nova elite política e económica que emergiu através da co-constituição material e simbólica do aparelho administrativo e burocrático da UE. Esta elite, através da repartição e desembolso de fundos, pode induzir o cumprimento ou recompensar a lealdade dos políticos. Ao controlar os cordões à bolsa, pode agir como rei em qualquer país da UE.

Escusado será dizer que esta elite partilha o habitus e a ideologia neoliberal das elites transnacionais mais à vontade em Londres e Nova Iorque, do que em Bruxelas. Seria ingénuo esperar que defendesse os interesses europeus. Na verdade, isso não acontece. Os países da zona euro, que há 15 anos tinham um PIB de pouco mais de treze biliões de euros, hoje aumentaram-no em dois miseráveis ​​biliões, enquanto os EUA quase duplicaram o seu PIB (de 13,8 para 26,9 biliões de euros), apesar da sua população ser menor. Segundo o Financial Times, em termos de dólares, a economia da União Europeia representa hoje 65% da economia dos Estados Unidos . Este valor é inferior aos 91% registados em 2013. O PIB per capita americano é mais do dobro do europeu e a disparidade continua a aumentar. Trabalho brilhante!

Se os líderes da UE são rotineiramente ignorados em favor dos líderes nacionais nas negociações internacionais, é porque a UE se enquadra na definição de tigre de papel. A unidade demonstrada face à guerra por procuração na Ucrânia não poderá ser sustentada por muito tempo e os seus principais arquitectos americanos e europeus deixarão de estar em funções dentro de um ano. A configuração política da Europa milita contra uma política externa e de defesa pró-activa. Assim, quando Borrell elogia a necessidade da Europa passar de um poder brando para um poder duro, ele convenientemente esquece que a UE não é um actor estatal. Tem alguns dos atributos de um Estado — personalidade jurídica, algumas competências exclusivas, um serviço diplomático e alguns países da UE têm uma moeda comum — mas, em última análise, é um híbrido e, como tal, não está equipado para jogar o “grande jogo”, como era designada no século XIX, a política de poder. E, francamente, não estará equipado para o fazer durante muitos anos. Uma “UE geopolítica” continua a ser pouco mais do que uma fantasia consoladora baseada no seu poder de atracção – a fila para entrar.

Laura Ruggeri, Nascida em Milão, mudou-se para Hong Kong em 1997. Antiga académica, nos últimos anos tem investigado revoluções coloridas e guerras híbridas.