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domingo, 20 de maio de 2018

MARIN MARAIS - O «TÚMULO DE LULLY»

                                         Marin Marais : Tombeau pour Monsieur de Lully

Leiam no próprio blog de Jordi Savall «Le Blog du Lutin d'Écouves» a explicação para o título «Tombeau» dado a várias composições francesas no século XVII, principalmente.
Trata-se de música séria, evidentemente grave, meditativa. É a expressão de uma dor contida, uma reflexão filosófica sobre a inevitabilidade da morte e a precariedade da vida... Pois é diferente  do «Lamento» italiano, muito mais teatral, em que o personagem «grita e gesticula, arranca os cabelos», pela morte de alguém amado... ou pela sua

segunda-feira, 30 de outubro de 2017

MARIN MARAIS - TOMBEAU DE MONSIEUR DE STE. COLOMBE


Escrito após a morte de seu mestre, Monsieur de Ste Colombe, o jovem Marin Marais (Paris 1656- Paris 1728) mostra a sua capacidade de extrair um máximo de expressividade da viola de gamba.

Este estilo peculiar de peças lentas e plangentes, a meu ver, anuncia uma era mais centrada no indivíduo, mais interiorizada, pois tem ressonâncias profundas na psique. A música deixa de ser apenas representação, para ser uma forma idealizada de descrever estados de alma.

A qualidade subtil desta música apenas pode ser perceptível a pessoas que conservaram intactas as «cordas» da sensibilidade, o que - infelizmente - não é o caso hoje de muitas pessoas, nesta época de hedonismo desenfreado.

Num certo sentido, aqui transparece o lado intensamente humano deste compositor, pois a sinceridade da sua lamentação pela morte de seu mestre, não pode ser posta em causa por quem ouve atentamente e mesmo que não saiba quais os códigos musicais em vigor naquela época.

O modo menor, o andamento adagio ou lento, os cromatismos, a intensidade expressiva, são «artifícios» no sentido etimológico, ou seja técnicas da arte de compor... porém, resultam muito sinceros.
A arte tem de ser veiculada dentro de uma tradição e dentro de um conjunto de códigos, para que seja entendida pelo auditor. O auditor (da época, entenda-se), estava plenamente consciente do que constitui uma peça solene, grave, cheia de elevação.
Mas as nossas sensibilidades contemporâneas podem ainda assim usufruir destes momentos de êxtase e reflexão pura, devido ao facto da arte dos sons ser capaz de penetrar nos âmbitos mais profundos do ser.

Um hipotético auditor, que nunca tenha tido contacto com música barroca e mesmo que seja ignorante da arte dos sons, captará o essencial da mensagem da peça. Tal significa que a arte dos sons recorre a «constantes antropológicas», especialmente quando atinge um cume, em termos estéticos.

sábado, 27 de agosto de 2016

[NO PAÍS DOS SONHOS] «LA RÊVEUSE»

                                PIÈCE DE VIOLE COMPOSÉE PAR MARIN MARAIS (XVII SIÈCLE)

Dentro do quarto apenas luzia uma candeia tremeluzente. Eu sabia que estava um frio intenso, mas não sentia frio nenhum, pois ardia de febre. 
Estava no quarto de uma residência nobre, algures no centro da França, no início de Março de 1674. 
Tivera o azar de me ferir ao cair do cavalo numa caçada nos domínios de Monsieur le Compte de M. 
A minha fronte estava molhada de suor. Sentia vagamente o peso dos membros sobre a cama. Escutava o vento uivar lá fora mas, estranhamente, isso não me assustava nada.

A porta abriu-se  e uma luz intensa encheu o quarto. Um homem muito alto e magro entrou, segurando uma bandeja. Primeiro julguei tratar-se de algum barbeiro-cirurgião que vinha para me aplicar um daqueles tratamentos, perfeitamente inúteis. 

Mas, não... a bandeja, uma vez destapada, mostrou uma terrina, um prato e uma colher em prata, uma molheira de porcelana e um copo de vidro cinzelado. O criado, silencioso, pousou a bandeja a meu lado, na mesa de cabeceira. 
Com palavras sussuradas, foi enchendo o prato de caldo fumegante da terrina. Encorajava-me a comer para me recompor depressa. Mas eu não tinha fome nenhuma, até tinha receio de engolir o líquido, de tal maneira a garganta me magoava.

 Esforcei-me, porém, a deglutir um pouco do caldo, mais por deferência para com os meus hóspedes, do que por sentir qualquer necessidade. Há três dias que não comia nada de sólido, mas tinha conseguido aguentar esta febre, graças  aos cuidados do Senhor Conde e de sua Esposa.

Depois de comer três ou quatro colheradas, devo ter perdido os sentidos. Mergulhei num sono profundo. 
Quando acordei estava de novo sozinho. Mas o quarto já não estava escuro, pelas pesadas cortinas entreabertas filtrava uma ténue luz da manhã brumosa.

Estive vários dias assim. Não sei quanto tempo, ao certo, estive neste estado. Mas acabei por vencer a febre, conseguindo primeiro levantar-me e caminhar alguns passos no quarto, depois já dando  tímidos passos no longo corredor, até ao salão, onde  crepitava o fogo de lenha, uma lareira nobre, de mármore negro esculpido.(*)

[*Acaba aqui o relato do caderno manuscrito, descoberto num sótão...]