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domingo, 2 de abril de 2023

J.S. BACH: ALLEMANDE EXTRAÍDA DE BWV 828, Chiara Massini ao cravo.

 

Chiara Massini, de novo nestas páginas interpretando uma belíssima Allemande, da Partita BWV 828. Esta Allemande pertence a uma sequência de peças que tanto se podem designar pelo termo Partita, como por Suite.

As seis partitas fazem parte de um volume com claros intuitos pedagógicos, como o próprio Bach sublinha no prefácio. Porém, são muito mais que obras meramente pedagógicas: Constituem obras-primas dignas de serem interpretadas em concerto, ou em disco. Foram reunidas também, para intuito de ensino, as recolhas ou livrinhos para Ana Madalena Bach e para Wilhelm Friedmann. Têm função pedagógica muitas outras peças, como os dois volumes d'O Cravo Bem Temperado, as Invenções e Sinfonias e sem esquecer as peças copiadas pelos seus filhos e alunos.

Tudo indica que Bach tinha uma constante preocupação em dar o melhor de si próprio como docente e mestre. Assim, das obras  de Bach para cravo, clavicórdio ou órgão que chegaram até nós, boa parte tem explícita intenção pedagógica. Destas peças, pode compor-se um repertório  completo  para os instrumentos de tecla, com variados estilos, e com diferentes graus de dificuldade técnica. 

O seu filho, Carl Philip Emmanuel, escreveu um tratado de interpretação, em que especifica quais as ornamentações de que dispõe o intérprete e como as aplicar "com bom gosto". Graças este tratado, podemos usufruir de interpretações de qualidade e fiéis ao espírito da época de Bach.

Não tenho dúvida nenhuma de que Chiara Massini domina plenamente a linguagem musical de Bach. Ela mostra também personalidade própria. As suas interpretações são vibrantes, não são estereotipadas e soam com muita clareza, qualidade fundamental para a música, com forte componente polifónica, do Mestre de Leipzig.

segunda-feira, 20 de março de 2023

J. S. BACH : CAPRICCIO SOPRA LA LONTANANZA DE SU FRATELLO DILLETISSIMO


Ao cravo: Chiara Massini 



Uma obra de juventude, provavelmente composta em Arnstadt, por volta do tempo em que seu irmão Johann Jacob entrou ao serviço do Rei Carlos XII da Suécia, em 1704.


terça-feira, 29 de novembro de 2022

Kanji Daito interpreta Louis Couperin, «Pasacalle em sol menor»

 A Pasacalle (em francês Passacaille) é uma dança lenta, de origem hispânica, provavelmente importada do Novo Mundo e baseada num baixo obstinado, ou seja, que repete sempre a mesma fórmula. Esta base permite que a estrutura seja organizada em variações sucessivas, em torno do tema. 

A Passacaille, como outras danças sobre basso ostinato (Chaconne, Pavane) seria o tipo de peça onde o compositor/interprete podia exibir seus dotes de improvisação criativa sobre um tema. O que ouvimos agora, é a codificação escrita duma prática de improvisação. 

A improvisação praticada tanto por organistas, como por cravistas ou alaudistas, permeou todo o barroco e foi somente suplantada aquando do triunfo do romantismo. Na época romântica, a personalidade do compositor "passou de simples artesão, a artista." O compositor passou a ser considerado um herói, um «génio», sendo, portanto, imprescindível o intérprete reproduzir, com a maior fidelidade, as mais subtis e etéreas impressões dos seus estados de alma.

Nada disso fazia parte do espírito barroco. Neste, a forma podia ser muito simples, mesmo austera. Porém, supunha-se que o intérprete desse mostras de criatividade e bom gosto, ao nível da ornamentação. Nesta época era legítimo serem usados variados instrumentos para uma mesma peça.  Todos os grandes compositores da época se copiavam uns aos outros; o conceito de plágio era totalmente estranho ao espírito barroco. Não havendo «copyright», a música era destinada a ser copiada de mil e uma maneiras; quanto mais, melhor! 



Kanji Daito*, ao cravo, capta a essência da música barroca francesa. A sua perfeita interpretação está igualmente penetrada de uma subtil nostalgia, que tem como contraponto a sempre renovada construção sobre o tema do basso ostinato

(*) Este jovem interprete traduz perfeitamente a arte dos sons da Europa, nos séculos XVII e XVIII com a técnica e a estilística adequadas. Dá-me imenso prazer ouvi-lo interpretar Froberger e, também, Bach. Os instrumentos (cravo, pianoforte e clavicórdio), são obras de arte por Akihiko Yamanobe, de altíssima qualidade.

terça-feira, 6 de setembro de 2022

Prelúdio e fuga Nº. 6, BWV 875 do 2º LIVRO do «CRAVO BEM TEMPERADO»

 As peças dos 2 livros do «Cravo Bem Temperado» de J.S. Bach, são bem conhecidas: Não faltam integrais de ambas as recolhas, de entre as quais se podem escolher  interpretes e instrumentos ao gosto de cada um. 

Porém, uma das caraterísticas fundamentais destas COLETÂNEAS PEDAGÓGICAS é serem exercícios de estilo, de «bom gosto», mais do que meros exercícios de aperfeiçoamento da execução.

Praticamente todas as peças exigem muita destreza e controlo do executante, num ou noutro aspeto. Porém, não são certamente concebidas para exercitar a velocidade.  Ora, alguns interpretes caem no erro de executar certas peças, no máximo da velocidade de que são capazes. Com isso, lamentavelmente, desnaturam a musicalidade dos prelúdios e fugas!

É portanto crítico encontrar o andamento adequado para as referidas peças, de modo que possa sobressair sua beleza própria. É importante também o temperamento , quer enquanto sinónimo de afinação do instrumento, quer no sentido metafórico, ou seja do caráter. 

A escolha que fiz de interpretações abaixo podem não ser das mais célebres, mas são as que me pareceram mais apropriadas para exprimir o espírito da peça, quer interpretada ao cravo, quer ao piano.


Nicola Bisotti numa cópia de cravo Ruckers (1612)


András Schiff ao piano


Pode-se acompanhar o prelúdio com partitura,  AQUI.

                           A partitura da fuga, pode ser visualizada AQUI.

terça-feira, 26 de julho de 2022

J. S. Bach: Allemande da Suite francesa Nº 4 em Mi bemol maior

As duas versões, para cravo (Richard Egarr) e para piano (Murray Perahia), da Allemande da Suite francesa nº4, aqui apresentadas são a meu ver de igual excelência, pela sua adequação da interpretação ao instrumento e pela sua sobriedade. 

Uma «Suite» é uma sucessão de danças estilizadas, com a mesma tonalidade, reunidas numa determinada sequência. A Allemande costumava ser a primeira peça - além da peça introdutória, o prelúdio ou toccata -  duma suite para o cravo ou o alaúde. Nesta Allemande sobressai o estilo «brisé» ou «quebrado», que foi importado do reportório do alaúde, para os instrumentos de tecla com corda. Neste estilo, os acordes decompostos desenham a melodia. Os acordes que compõem a tessitura harmónica da peça sucedem-se e, por vezes, existem curtas passagens de junção. Este estilo era típico dos prelúdios, mas também era usado noutras formas, como é o caso desta Allemande. 

A designação de suites «francesas» é posterior à morte de Bach. Na realidade,  há bem pouco de «francês» para as diferenciar: Nas 6 suites «francesas», a segunda dança da suite é - em 4 casos - uma «Courante» portanto do tipo francês, sendo, nos outros 2 casos, do tipo «Corrente» ou italiano. Quando Bach escreveu estas suites (cerca de 1722), a estilização destas danças estava bem estabelecida, tendo evoluído do Renascimento e Barroco inicial, até uma codificação universal, no Século XVIII. 
Não será tanto pelas características da Allemande, Courante, Sarabande e Gigue, as peças «obrigatórias» da Suite, que se poderá diferenciar o gosto francês, italiano, ou alemão. Penso que a diferenciação «nacional» mais perceptível será antes ao nível das outras peças, cuja presença não era «obrigatória» (ex.: Bourrée, Menuet, Gavotte, Rigaudon, Laure, etc.) . 

Esta Allemande  utiliza elementos muito simples. Acho que tem uma sensibilidade «feminina», sem ser «efeminada». Consigo imaginar  Anna-Magdalena Bach a interpretar a Suite em Mi bemol maior. A obra está presente no livro manuscrito, dedicado à sua caríssima e amantíssima esposa, por Johann Sebastian. 




                




 

quinta-feira, 24 de fevereiro de 2022

George Frederic Haendel: PASSACAGLIA da suite em sol menor HWV 432



Haendel é tão essencial ao barroco, como Bach. 

A sua personalidade é totalmente diferente da do Mestre de Leipzig, embora os dois usem -afinal- os mesmos processos de composição e as mesmas técnicas de execução. 

Mas, não é justo acentuar o contraste até à caricatura.  Se Bach, por vezes, pode parecer pesado ou enfático, isso deve-se ao facto de retomar com frequência certas fórmulas. Mas o processo é muito banal, na época: Os compositores barrocos copiavam-se a si próprios e uns aos outros, profusamente. Não havia «copyright»; era um conceito não existente, sequer, na época. O artista que escrevesse uma passagem inspirada numa peça de outro, estava a homenagear esse mestre ou colega. Não era visto como «roubo», a utilização de certa melodia. Enfim, o «progresso » neste campo não existe. Porque a música, como todas as outras artes, se mercantilizou: E isso, queiram ou não, resulta em empobrecimento.  

Em milhares e milhares de páginas musicais, nem sempre a inspiração genial de um Haendel pode estar patente. Ele copiou-se a si próprio e copiou outros, tal como o fizeram Bach e muitos contemporâneos. Ele e seus colegas tinham de satisfazer encomendas para festas nos palácios, para as cerimónias religiosas e para os teatros e óperas Haverá algo de surpreendente, se uma ária de ópera era adaptada para integrar uma obra de caráter sacro, ou vice-versa?

Há quem -erroneamente - considere a produção de Haendel, fútil ou superficial. Mas, a meu ver, ele corresponde à melhor versão daquilo que chamo o «espírito otimista das Luzes», e que perpassa também em obras doutros músicos do barroco tardio:  Telemann, Rameau e Domenico Scarlatti. 

Ideologicamente, é a época de Newton e Leibniz, a do triunfo de nova visão do Universo. O homem sente-se confiante perante os mistérios do Cosmos. Note-se que a origem divina do mesmo não está em causa. No entanto, ao contrário de épocas anteriores, não hesita em considerar que o Cosmos é inteligível: Se existem mistérios, é porque o espírito humano é demasiado imperfeito para compreender as leis da Natureza, dadas por Deus na Criação.

Musicalmente, Bach e Haendel são ambos complexos e multifacetados: em muitas páginas musicais, podemos encontrar um Bach galante e um Haendel místico. O que implica, afinal, não nos deixarmos encerrar em «visões-clichés»! 




 A passacaglia em sol menor é uma das mais populares peças de Haendel. 
Ela tem sido interpretada por muitos cravistas e pianistas. Tive dificuldade em encontrar uma interpretação que me satisfizesse plenamente. A interpretação aqui transcrita, satisfaz as minhas exigências estéticas. Possui energia interna, e também qualquer coisa de nostálgico.

 Sou particularmente sensível às questões de tempo, de andamento. Através da escolha criteriosa do tempo, o interprete pode comunicar de forma adequada o espírito da música. Note-se que, na época de Haendel, a execução direta e ao vivo era a única forma de fazer ouvir uma peça de música.

Gosto particularmente desta Passacaglia, muito bela na sua simplicidade. Pode servir pedagogicamente, para ilustrar a forma «tema com variações».


Playlist "Haendel" AQUI


terça-feira, 1 de fevereiro de 2022

J. J. FROBERGER: «Tombeau faict à Paris sur la mort de Monsieur Blancheroche»


[Na imagem de capa do disco: um cravista a afinar seu instrumento]

Johann Jacob Froberger (1616-1667) é hoje reconhecido como um compositor fundamental, dentro da grande tradição do cravo barroco. A música para cravo foi, provavelmente, o que o século XVII nos deu de mais precioso na arte dos sons. Não há dúvida de que a música específica para instrumentos de tecla e corda (cravo, virginal, espineta, clavicórdio) surgiu mais cedo. Porém, o mais precioso reportório da música dedicada ao nobre instrumento, data dos séculos XVII e XVIII.

A nostalgia que se desprende desta peça é bem adequada ao seu tema: Descreve a morte do amigo e colega, o alaudista francês Blancrocher. Com uma retórica de tristeza contida, Froberger exprime o seu desgosto pela morte inesperada do amigo,  falecido após ter caído de uma escada abaixo. O aspeto descritivo está bem presente na escala descendente que termina a peça.
Na tradição francesa de música para o cravo e o alaúde, as peças designadas por Tombeau (= túmulo) eram uma homenagem musical póstuma a um príncipe, patrono, colega ou amigo.
Froberger deixou-nos meditações musicais e outras peças descritivas, de caráter melancólico. Porém, o compositor barroco merece ser conhecido e apreciado, igualmente, pelas suas suites e toccatas.
Na evolução da música para cravo, embora Froberger não tivesse deixado discípulos diretos, firmou a estética deste instrumento. Muitos dos traços idiomáticos e estilísticos próprios do cravo estão codificados e ilustrados - de modo magnífico - nas suas obras. As peças para cravo, da segunda metade do século XVII e da primeira metade do século seguinte, são específicas para este instrumento e, quanto muito, poderão ser interpretadas no clavicórdio
Pode-se dizer, sem exagero que, a partir da época de Froberger, a música para cravo atinge a maturidade.

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Gustav Leonhardt deixou-nos gravações de uma perfeição tal, que podem ser igualadas por outros intérpretes, mas não creio possam ser ultrapassadas. De facto,  foi um dos grandes mestres do renovo na interpretação da música barroca.

sexta-feira, 12 de novembro de 2021

[Trevor Pinnock] J.S. BACH, PARTITA Nº6, BWV 830

As imagens que acompanham a música são obras da época barroca. Mas, além disso, não têm relação com a música aqui reproduzida. Uma das obras é bastante célebre: representa o deus Apolo e os ferreiros na forja de Vulcano, de Velasquez.

A Partita nº6 BWV 830 de J. S. Bach, pertence à coletânea de 6 partitas, que integrava o Clavierübung ou «Exercícios para o Teclado». Cada uma delas tem particularidades estilísticas próprias: Quer nas danças estilizadas que compõem a sucessão (=suite ou partita), quer na respetiva peça introdutória, de natureza diferente em cada uma das seis partitas. Por exemplo, na nº6 é uma Toccata mas, na nº4 é uma Ouverture à la Française. 
O Clavierübung tinha explícitas funções pedagógicas. Não devemos esquecer que Bach foi professor-mestre direto, não apenas de seus filhos, como de vários outros músicos, que contribuíram para a preservação da música do Mestre. 
Eu gosto especialmente desta sexta Partita (outro nome para «Suite»). Encontro nesta tantas maravilhas melódicas, harmónicas e contrapontísticas, que seria fastidioso aqui fazer o seu inventário. Muito melhor é apreciar esta música! Boa audição. 

segunda-feira, 5 de abril de 2021

DOMENICO SCARLATTI NA GUITARRA CLÁSSICA



Algo de muito especial na história da música ocorreu com Domenico Scarlatti (Nápoles 26 de Outubro 1685 - Madrid, 23 de Julho 1757). Os «exercícios» e as sonatas, especificamente para o cravo, são simultaneamente excelente música adaptável e adaptada a variados instrumentos de corda e tecla, o clavicórdio, ou o forte-piano mas também de corda dedilhada, como se pode apreciar neste recital de guitarra clássica.

A música instrumental de Domenico é popular e aristocrática, ao mesmo tempo. As formas mais puras da sonata bipartita são postas ao serviço de uma profusão de temas, muitos dos quais com inegável sabor popular. Sem dúvida, influenciaram as circunstâncias muito especiais em que produziu a sua obra, na qualidade de músico e professor da Infanta Maria Bárbara de Bragança, que depois foi Rainha de Espanha... A sua obra é ímpar pela quantidade e qualidade das sonatas, única na sua diversidade e coerência, no reportório de cravo da Península Ibérica.

Penso ser adequado considerar Domenico Scarlatti como músico ibérico de origem italiana (napolitana), pois exerceu os seus talentos na Corte portuguesa a partir de 1719, como professor da Infanta e, depois como músico na corte em Madrid, a partir de 1733, quando esta infanta se tornou rainha de Espanha. Scarlatti exerceu durante longos anos este cargo, com os seus extraordinários talentos de compositor e de cravista, até ao fim da vida. Além das peças para cravo, compôs peças litúrgicas, cantatas e óperas. Mas, a parte mais célebre da sua obra são as 555 sonatas para cravo. 

Esta obra monumental tem sido servida por notáveis cravistas, pianistas e guitarristas pois, pela estrutura e carácter, muitas sonatas, embora escritas para o cravo, adaptam-se perfeitamente a outros instrumentos. 


sexta-feira, 30 de outubro de 2020

RAMEAU - PRIMEIRO LIVRO DE PEÇAS PARA CRAVO (1706) Suite em Lá menor


                                                 

Rameau foi celebrado como o mais destacado músico francês da época barroca. O talento e criatividade de Rameau permitiram que ele se erguesse até um lugar proeminente no gosto do público, quer fosse na corte, quer em meios muito mais modestos.

Sobressaem a delicadeza e adequação das suas composições para o cravo, como a Primeira Suite. Ele fez imprimir estas peças, reunidas em livro, para se tornar conhecido, quando veio de sua cidade natal (Dijon) para a capital, decidido a conquistar o seu público. 

Ele construiu um reportório único de ópera e de ópera-ballet. Muitos consideram-no o verdadeiro fundador da tradição de ópera francesa, apesar dos antecedentes de Lully e de outros. 

A sua polémica com Jean-Jacques Rousseau, filósofo das Luzes e defensor da ópera italiana, foi célebre na altura... já quase ninguém, hoje em dia, compreende sua razão de ser. É que Rameau foi também um teórico da música e procurou fazer música prática coerente com os princípios, defendidos na qualidade de teórico. Por exemplo, uma peça - L'Enharmonique - é uma aplicação muito directa dos seus conceitos teóricos.

A suite em Lá menor, na verdade, não é nada rebuscada, não é difícil de «entrar no ouvido». Eu gosto de me banhar neste universo sonoro, enquanto estudo ou quando ocupo as mãos com uma tarefa de precisão. Mas, ela é muito mais do que «música de ambiente», reconheço que esta música tem uma qualidade excepcional. Não tem «efeitos especiais» para cravo, que exibem recolhas posteriores de Rameau, com peças descritivas, as mais executadas em disco ou em concerto.

O prelúdio desta Suite é uma peça muito especial e típica da tradição dos cravistas e alaúdistas franceses. Ela não tem barras de compasso a separar as notas, é um prelúdio «non-mesuré». A duração das notas não é precisa. Isto significa que o executante tem uma latitude maior para interpretar a peça. O prelúdio derivou da improvisação inicial que os cravistas e alaúdistas executavam, no início de um recital, quer para verificar a afinação do instrumento, quer para colocar o auditório perante o contexto sonoro apropriado à audição da Suite. Muitas peças das Suites possuem nomes de danças; pois são, de facto, danças estilizadas. Por isso, o compasso, o andamento, o tamanho das frases e secções, as repetições, as modulações, etc. não eram «livres», eram características impostas pela natureza da dança estilizada: uma Sarabande, um Menuet e todas as outras danças tinham de obedecer a regras precisas. 

Nalguns casos, uma Suite não era mais do que a recompilação de peças no mesmo tom. Isto observa-se, apesar de haver, nalguns compositores, uma certa sistematização, uma procura de unificação através de temas semelhantes, mas estes traços não são generalizáveis. Temos indicações seguras de que - nessa época - a Suite era vista como um agrupamento conveniente, não de execução integral obrigatória: O executante podia adoptar uma ordem diferente da que estava escrita, podia encurtar ou aumentar o número de peças.



sexta-feira, 23 de outubro de 2020

O Temperamento em J. S. BACH: «DAS WOHLTEMPERIERTE CLAVIER»




«O Teclado Bem Temperado, ou Prelúdios e Fugas em todos os tons e meios-tons, tanto no que respeita à terça maior como à terça menor. Destinado a ser usado por jovens músicos ávidos de aprender e para o deleite dos que já são executantes hábeis. 
Composto por João Sebastião Bach mestre de capela do príncipe de Anhalt- Cöthen. Ano de 1722» (1)


O costume de se designar a obra-prima de J.S. Bach por «o cravo bem temperado» carece de rigor e também é redutor do sentido, pois a obra era destinada a instrumentos de tecla, não especificando o cravo - ou outro instrumento - como obrigatório ou preferido, para a sua execução. 
Com efeito, na época de Bach, o clavicórdio era um instrumento de tecla e corda muito popular, sobretudo nos lares menos abastados; era muito menos caro do que um cravo. Bach, com certeza, compôs e ensaiou inúmeras peças ao clavicórdio. 
Na introdução que Bach redigiu, a preocupação pedagógica é explícita. Bach ensinou muitos jovens, não apenas os seus filhos, mas muitos outros, incluindo príncipes, nas cortes onde trabalhou.


Pode-se abordar esta obra monumental de muitas maneiras. Uma importante questão tem a ver com o temperamento, ou seja, a subtil mudança das notas musicais em relação ao que seria a estrita relação física da frequência de vibração das cordas. 
A invenção do «temperamento igual» foi aplicada ao forte-piano, o novo instrumento de tecla popularizado, sobretudo, nos finais do século XVIII e no século XIX. Mas, na época em que Bach compôs, não se utilizava sequer o temperamento igual. Este, consiste em desviar um pouco a afinação de todas as notas, para que nenhum acorde soe agreste. 
Porém, o temperamento, na época de Bach, consistia em aplicar ajustes de afinação, para que os acordes soassem melhor numa dada peça, com uma dada tonalidade, havendo portanto que mudar a afinação ao longo do ciclo dos 24 prelúdios e fugas. 
A manutenção da mesma afinação, ao longo de várias horas de execução, é apanágio do piano, sobretudo quando este passou a ser construído com moldura de ferro e cordas metálicas, no século XIX e nos séculos seguintes. 
Por contraste, durante um recital de cravo ou de outros instrumentos de corda, é perfeitamente comum o executante gastar algum tempo, entre peças, para afinar o instrumento. 
Era e é possível fazer variar a afinação do instrumento ao longo do recital, de forma a adequar a sonoridade do instrumento às características de cada peça. Um executante com sensibilidade e ciência do seu instrumento, sabe ajustar a afinação deste, em função da tonalidade da peça. 
Note-se que - nesta época - cada tonalidade tinha um carácter próprio. A escolha do compositor em relação à tonalidade não era indiferente. Uma dada tonalidade seria a mais adequada para veicular certas ideias e sentimentos ... 
Estamos, afinal, perante um problema de interpretação musical e não meramente técnico, para executar a música da época, no «teclado bem temperado»!

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(1) Ler notas acompanhando o disco vinil, por Louis van der Paal

domingo, 6 de setembro de 2020

BACH / VIVALDI - concertos para instrumentos de tecla

                 BACH / VIVALDI - concertos para órgão ou cravo

r/ArtHistory - A recently discovered painting believed to be a portrait of composer J.S. Bach as a young man                                      2

1- Retrato recém descoberto, do jovem Bach/ 2- retrato de Vivaldi, gravura da época.      

 Bach mostra aqui o seu génio, pese embora o seu papel de transcritor/ adaptador dos concertos de Vivaldi, outro génio de igual estatura e possuidor de uma gramática musical sui generis, o que permite identificar como «vivaldiana» uma peça, por qualquer apreciador do «pretre rosso».

A antologia seleccionada começa com concertos de Vivaldi, transcritos para cravo solo (Luciano Sgrizzi) . Bach demonstra um enorme bom gosto, não apenas na escolha das composições (a maioria para violino e orquestra) do Mestre Veneziano, como também sabendo aligeirar a textura e «condimentar» a melodia. De tal maneira que temos a sensação de ouvir peças escritas genuinamente para o cravo.

Seguem-se 12 concertos para órgão, transcritos de concertos de Vivaldi (Elena Barshai). Apesar do título do disco, uma das obras é transcrição dum concerto para violino do Duque Johann Ernst de Saxe-Weimar, músico talentoso e aluno de Bach: as transcrições de concertos de Vivaldi, datadas da época em que Bach trabalhou em Weimar, devem-se provavelmente a solicitação do jovem duque ou foram usadas para a educação musical de Johann Ernst.

Os concertos com órgão «obligato» (Roberto Lorefgian ao órgão e «L'Arte del'Arco» sob direcção de Federico Guglielmo), introduzem um Vivaldi pouco conhecido do grande público. Estes concertos incluem algumas obras de qualidade superior, ao nível das melhores de Vivaldi. No que toca ao estilo: na composição com órgão solista, observa-se a completa e total ausência de escrita contrapontística, o que lhe confere um carácter moderno para a época (primeira metade do século XVIII). Com efeito, é somente no período seguinte - no classicismo - que surgem concertos (nomeadamente, concertos para órgão de J. Haydn, de M. Haydn e de Albrechtberger) com órgão solista, onde este desenha linhas melódicas caprichosas e brilhantes.

Por contraste, os concertos para cravo/s solista/s de Bach, embora apresentem vários exemplos de «escrita galante», ao gosto do final da época barroca, são típicos de Bach, pelo seu apego em manter alguma escrita contrapontística, não obstante a escrita melódica ser dominante. Note-se que o célebre concerto para quatro violinos de Vivaldi, foi o modelo para o concerto a quatro cravos. No entanto, a mestria de Bach fez com que as diversas vozes atribuídas aos cravos, soassem naturalmente, ou seja, como se fossem destinadas a instrumento de tecla e não a instrumento de arco.

Embora Vivaldi seja sobretudo celebrado pelas obras para o violino, deixou uma profusão de partituras para orquestra, com todos os instrumentos solistas imagináveis e também o cravoL'Arte dell'Arco» com Nicola Reniero ao cravo e Federico Guglielmo na direcção).

Porém, as pessoas apreciadoras de música dessa época, não tinham ao seu dispor orquestras ou conjuntos de câmara para usufruir de música (só havia orquestras nas cortes dos duques, príncipes e reis, ou de papas e altos membros do clero). Por este motivo, as transcrições para cravo, ou outros instrumentos de tecla, eram comuns. O livro de Ann Dawson de transcrições para cravo (Enrico Baiano, ao cravo) de concertos de Vivaldi, mostra como era popular a música do Veneziano, mesmo depois de sua morte em Viena, em 1741 (na miséria!).

É extraordinário, o efeito da convergência de escrita musical dos dois génios, com temperamentos muito diversos, como foram João Sebastião Bach e António Vivaldi.

Uma das minhas peças preferidas do reportório de Bach, é - sem dúvida - o Concerto Italiano (Scott Ross): Bach escolheu esta peça para o IIº tomo do «Clavier Übung» com intuitos pedagógicos mas, também, consciente de dar à estampa uma obra plenamente digna do seu génio inventivo. Gosto de imaginar que também estava a prestar homenagem a Itália e à sua música sensual, que descobriu na juventude e, nomeadamente, a música de Vivaldi.

sábado, 30 de novembro de 2019

«CHOROS» DE ERNESTO NAZARETH E ZEQUINHA DE ABREU

Continuo a aprofundar o meu contacto e conhecimento da música latino-americana, em particular, brasileira. 
Aqui, dois nomes essenciais, que inspiraram gerações de músicos, Ernesto Nazareth e Zequinha de Abreu: do primeiro, o choro-tango «Odeon» interpretado no cravo por Rosana Lanzelotte (*) e o segundo, o celebérrimo «Tico-tico no Fubá» ao piano, por João Tavares Filho.

  




[...]
Nazareth e Chiquinha Gonzaga criaram as primeiras composições que firmaram o choro como género musical com características próprias, além de formar a primeira geração de “pianeiros” cuja obra resistiu ao tempo e ajudou a constituir o que se conhece hoje como “piano brasileiro”.
A partir da década de 30, impulsionado pelo rádio e pelo investimento das gravadoras de disco, o choro torna-se sucesso nacional. Uma nova geração de chorões organizou-se em conjuntos chamados regionais e introduziu a percussão nas composições. Nos anos seguintes, surgiram vários músicos, como Canhoto, Altamiro Carrilho, Jacó do Bandolim, Valdir Azevedo, Nelson Cavaquinho e Pixinguinha, entre outros (a data de nascimento de Pixinguinha, 23 de Abril, é assinalada como o Dia Nacional do Choro). No piano, os grandes nomes da época foram o pianeiro e compositor carioca Sinhô e Zequinha de Abreu, autor de “Tico-Tico no Fubá” e “Sururu na Cidade”.
O choro, carinhosamente chamado de chorinho, teve seus elementos musicais característicos explorados por inúmeros compositores, como Villa-Lobos, Francisco Mignone, Osvaldo Lacerda e Camargo Guarnieri, para citar alguns. Entre os nomes mais recentes que se dedicaram ao gênero estão Radamés Gnattali, Cyro Pereira, Edmundo Villani Cortes e o pianista Hercules Gomes, grande divulgador do estilo atualmente.

(*) Aprecia esta versão de Baden Powell:
https://www.youtube.com/watch?v=GsieDkg2vPE


domingo, 21 de abril de 2019

MESSE À L'USAGE DES PAROISSES, FRANÇOIS COUPERIN

                                   https://www.youtube.com/watch?v=P0-5e8qNzYk&t=2073s

Na riquíssima produção de música para tecla, há um pequeno número de obras que se têm mantido, ao longo do tempo, como exemplos duma época, duma estética e, mesmo, de referência para o público amante de música antiga. 
Entre este número limitado de obras, figuram as duas missas para órgão:  A missa para as paróquias  (que ouvimos aqui, interpretada por Michel Chapuis no órgão histórico de Saint Maximin, de 1772) e a missa para os conventosAmbas foram editadas num livro de órgão, em 1690, tinha então François Couperin 22 anos, apenas. 

François Couperin pertenceu a uma família de distintos músicos, dos quais seu tio Louis Couperin, cravista e organista, foi o mais célebre; também ele terá sido importante na formação de François, o futuro cravista titular da orquestra de câmara real de Luis XIV.
A influência do seu estilo exerceu-se nos contemporâneos a vários níveis. Para além da popularidade das «ordres» ou suites recolhidas nas «Pièces de Clavecin», destaca-se a importante obra pedagógica «L'Art de Toucher le Clavecin»: ensina como tanger de maneira graciosa, com os ornamentos adequados, o cravo. Este instrumento era o mais comum, nas casas aristocráticas ou burguesas, da época. 
Penso que a cristalização dum barroco tipicamente francês se deu com François Couperin, embora vários outros músicos franceses  da época, tenham produzido obras notáveis.

A sua música de órgão, embora se limite à recolha de 1690, tem uma qualidade excepcional. Esta pode ser considerada uma obra prima, apesar da juventude do seu compositor. 
Com efeito, o conjunto das duas missas para órgão, constitui uma síntese dos traços fundamentais da escola de órgão francesa do século XVII. 
Estas missas para órgão de François Couperin podem ser a porta de entrada para descobrirmos a enorme riqueza da escola francesa de órgão. 

quarta-feira, 17 de abril de 2019

PRELÚDIO E FUGA BWV 847 POR ANDRÁS SCHIFF (piano)


                                         https://www.youtube.com/watch?v=eAAXAckjLko

Nesta gravação do Prelúdio e Fuga em Dó menor BWV 847, do 1º livro do Cravo Bem Temperado, ouvimos uma interpretação, que eu considero muito «clássica», por András Schiff.
O que me agrada mais nesta interpretação é que «não tem pressa de chegar ao fim».
Fizeram desta peça uma espécie de teste de velocidade, de corrida desenfreada... Apesar da expressividade, tão evidente em Bach, ficar perdida na correria!
No tempo de Bach (e mesmo depois), a humanidade não podia ter uma experiência sensorial de deslocar-se a maior velocidade que a do cavalo a galope. Este, porém, nunca podia dar sua máxima velocidade durante longo tempo, estando limitado pela sua biologia. 
Assim, as pessoas podiam desenvolver uma técnica de dedos permitindo-lhes correr no teclado a grande velocidade, mas tal não significa que as composições tivessem de ser interpretadas na velocidade máxima possível. Com efeito, as interpretações ultra-rápidas parecem mecânicas, sem calor humano, vazias.

No presente, tenho verificado que a rapidez de execução é tomada como coisa excelente, quando deveria antes ser a escolha do andamento certo e apropriado para uma dada peça. 

terça-feira, 9 de abril de 2019

MÚSICA PARA TECLA - PORTUGAL E BRASIL, SÉC. XVIII-XIX


A qualidade da interpretação de Marcelo Fagerlande, numa espineta conservada no museu imperial de Petropólis, é das mais elevadas e corresponde aos critérios estilísticos e musicológicos adequados para esta música.
Por sinal, esta música é muito sensual e penetra muito facilmente no ouvido, pelo que as jovens gerações poderão praticá-la - no cravo ou no pianoforte - com imenso prazer e proveito, em paralelo com obras de J.S. Bach ou  Rameau... 
O estilo galante, que se ouve nesta gravação, era mais adequado ao temperamento meridional e tropical de portugueses e brasileiros, do que a austera ciência contrapontística do norte europeu.

Oiçam o delicioso Minueto em fá menor e digam-me se não soa muito como fado? A mim soa-me como tal, por mais que eu saiba que isto é um anacronismo, visto que só terá havido «fado» propriamente dito, de meados do século XIX em diante, mais de cem anos depois de Carlos Seixas. Porém, os ingredientes estavam lá: nas formas eruditas e populares, no sentimento da plebe e da aristocracia e, sobretudo, na forma como exprimiam esses mesmos sentimentos.

Um álbum cheio de sonoridades surpreendentes...

Carlos Seixas (1704-1742) - Sonata nº 37 - Sonata nº 27 - Minueto em fá menor
Francisco Xavier Bachixa (?-1787) - Sonata em ré maior
José Maurício Nunes Garcia (1767-1830) - Fantasia nº 2, Lições nº 11 e 12
João de Souza Carvalho (1745-1798) - Toccata em sol menor
Luís Alvares Pinto (1719-1779) - Lições de Solfejos nº XXII, XXII e XXIV
Francisco Xavier Baptista (?-1797) - Sonata II em sol maior