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segunda-feira, 29 de maio de 2023

GÖBEKLI TEPE: IMPORTANTES NOVAS DESCOBERTAS

 


Os arqueólogos profissionais e os académicos são os que têm mais reticências em integrar as descobertas  do Sul da Turquia, na sua visão do final do paleolítico e do início do neolítico.
Graham Hancock explicava este grande monumento de 12 mil anos, como resultando de um povo sobrevivente da grande catástrofe, que fez desaparecer «Atlantis», devido a colisão de asteroide(s) no período chamado "Younger Dryas". Os sobreviventes de «Atlantis» teriam transmitido tecnologias avançadas aos caçadores-recolectores: A existência duma sofisticada civilização com monumentos de pedra, no Levante e Médio-Oriente não se coaduna com a «cronologia convencional» da passagem do paleolítico para o neolítico.
Este vídeo baseia-se na evidência, mas não é senão uma explicação plausível. Mas penso que tem o mérito de não fazer hipóteses fantasistas; fica sempre dentro do verosímil e do que sabemos sobre os humanos dessa época. A hipótese que coloca é testável cientificamente, ou seja, está sujeita a ser invalidada (ou confirmada) por novas descobertas, nas campanhas em curso nesta zona do Sul da Turquia. 

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NB: Outros artigos sobre o tema de Göbekli Tepe:


domingo, 5 de fevereiro de 2023

INDIVÍDUO / COLETIVO

O título apela a uma oposição, a qualquer coisa irredutível, na essência. Porém, se este é o modo de pensar e de filosofar de muitos, não é o meu! Embora aceite que eu possa ser influenciado por uma sociedade e um discurso dominantes, que se caracterizam por um pensamento dicotómico, simplificador. Porém, as propriedades imensamente complexas do social e do histórico entrelaçam-se para produzir algo totalmente inédito, em termos de evolução biológica.
 
O que os humanos têm feito ao longo da sua breve existência (como espécie, uns meros 300 mil anos), mas imenso tempo, em termos de memória humana (as primeiras civilizações surgem apenas há pouco mais de uns 10 mil anos), não tem sido senão depredação do seu ambiente. A «revolução agrária», iniciada há mais de 10 mil anos, implicou uma radical transformação, não apenas do modo de produzir e consumir alimentos, passando da caça-recoleta, para uma produção agrária, mas também a destruição de ecossistemas naturais, sobretudo na orla do mar Mediterrâneo, onde apenas restam alguns vestígios do que foi a floresta mediterrânea primitiva, vasta zona produtiva natural, que tinha uma diversidade notável, em termos de flora e fauna, zona temperada e de clima não demasiado seco. Veja-se que vastas áreas, como a Anatólia (Turquia), Síria e Levante, assim como Norte de África, não eram formadas por desertos ou semidesertos, como hoje. Eram zonas muito propícias para a caça e coleta e para a agricultura. Porém, a construção de impérios diversos na antiguidade extinguiu estes ecossistemas frágeis. Por exemplo, havia, até aos tempos históricos, leões nessas zonas; muitos documentos escritos e pictóricos atestam-no. Mas, estes superpredadores precisam de uma fauna de herbívoros, como gazelas, etc. Por sua vez, os herbívoros que aí viviam precisavam de condições mínimas para sobreviver; precisavam de alguma humidade, de fontes de alimento abundantes ao longo do ano, etc. Portanto, temos uma ideia muito clara de como eram os habitats naturais, no início da «revolução agrária» e sabemos que permitiam uma diversidade biológica muito maior do que as zonas áridas e desérticas, que constituem uma boa parte do entorno do Mediterrâneo, nos nossos dias. A transformação de vastas áreas em desertos ou semidesertos, terá tido contribuição humana, com a sua destruição dos ecossistemas, usando a caça muito para além das suas necessidades. A destruição dos habitats naturais pelo fogo, foi realizada pelos primeiros agricultores, para aí fazer crescer plantas agrícolas. Este comportamento humano foi causador de catástrofes ambientais, desde as civilizações mais antigas conhecidas.

O sucesso da linhagem humana (pelo menos, o género Homo), enquanto tal, mede-se, sobretudo, pela sua expansão para lá dos limites geográficos que foram as suas zonas geográficas iniciais de África e depois também a orla do Mediterrâneo. Mas, essa expansão ocorreu repetidas vezes, houve várias saídas para fora de África. Ocorreram mesmo com espécies anteriores aos humanos modernos, há mais de um milhão de anos, como no caso dos Homo erectus, que se disseminaram na Ásia. Porém, não devemos ter uma imagem idílica destes períodos, pois os efetivos totais da Humanidade, em qualquer momento deste período muito longo, não devia exceder uns parcos milhares.

Algumas pessoas têm uma visão pessimista (Malthusiana) da espécie humana e da dinâmica populacional no nosso planeta, porém esta visão enferma de um grande simplismo. Primeiro, há sinais de diminuição clara da natalidade, acompanhada de envelhecimento geral, nas sociedades mais afluentes, quer sejam europeias, americanas ou asiáticas. Segundo, as restantes zonas do globo experimentam evolução demográfica semelhante à da Europa, desde a revolução industrial, com uma expansão demográfica muito elevada no início, até se chegar aos dias de hoje, com taxas de reprodução inferiores às de reposição da população (cerca de 2,1 bebés por mulher fértil). Os países ditos do «Terceiro Mundo», que saíram do marasmo do subdesenvolvimento, tiveram um decréscimo natural dos nascimentos. Na verdade, o que os demógrafos temem não é a «bomba populacional», no sentido dos que profetizam - como Malthus - um crescimento populacional indefinido e superior à capacidade de sustentação da Terra, enquanto ecossistema global. Mas, uma catástrofe demográfica no sentido contrário, ou seja, uma diminuição da fertilidade, em paralelo com o aumento da longevidade, o que vai tornar difícil de perpetuar e de gerir uma sociedade como a que conhecemos, com os benefícios sociais que muitos dão como adquiridos, mas que pressupõem um sistema económico capaz de sustentar um certo modelo social.

Aquilo que se chama «condição humana» ou ainda «natureza humana», não é algo fixo, estático. Embora a nossa história biológica passada deixe as suas marcas nos corpos presentes e mesmo nos modos de organização presentes das sociedades humanas, nada deve ser dado como definitivo.

A espécie no seu todo e cada uma das populações humanas que a constituem, estão em permanente evolução. Podemos dar muitos exemplos de frequências de versões de genes (alelos de genes) que foram aumentando, ou diminuindo, nas populações ao longo dos tempos históricos: São mesmo muitas, as modificações sensíveis e com efeitos notórios no modo de vida dos contemporâneos. Os genes estão sempre a sofrer mutações; aqueles que são transmitidos à descendência, ao longo de gerações sucessivas, costumam conferir um coeficiente de sobrevivência positivo e serão conservados. Porém, certos genes podem ser deletérios num determinado contexto e serem benéficos, noutro. Mas, ao nível da população, a variedade genética é essencial. Temos uma diversificada capacidade de resistência inata aos agentes infeciosos. Esta resistência à doença por um certo agente infecioso, é - em geral - muito elevada quando, durante longos períodos, a população foi confrontada com esse agente, um efeito de seleção darwiniana típico.

A tecnologia das sociedades humanas cria situações novas, às quais as populações e os indivíduos respondem. Há aquisição cultural de muitos comportamentos, mas há também a extinção de outros. Esta evolução cultural é muito mais rápida que a evolução biológica. Tipicamente, deve-se contar com um lapso de tempo da ordem da dezena de milhares de anos, para uma população sofrer uma variação significativa (diminuição ou aumento) da frequência de genes, em consequência de mudanças ambientais. Isto é válido para a espécie humana e para as outras espécies estudadas.

Mas, a alteração do comportamento, que pode inclusive implicar a mudança radical no modo de vida da população, pode verificar-se no espaço de uma geração, ou até de menos. Por exemplo, os nativos da Amazónia, mais próximos de comunidades vindas de ambientes urbanos, adotaram um novo estilo de vida, abandonaram o modo de vida de caça e coleta. Poderia argumentar-se que houve uma intervenção, por vezes violenta, para coagir estes povos. Mas, isto aconteceu - também - quando as populações indígenas não foram sujeitas a tal coação. Escolheram adotar um outro modo de vida; mas elas seriam deixadas viver como os ancestrais, se assim o desejassem.
O mesmo padrão ocorre noutros casos, em populações ainda não integradas no modo de vida industrial, tais como as populações nómadas, etc. Em todos os casos estudados, a «aculturação», seja com ou sem aspetos de coação sobre a população, tende a ser muito rápida. A mudança de um modo de vida para outro, corta a população de certos saberes, separa os indivíduos e as comunidades de certas tradições: Pode-se lamentar isso, mas não se pode impedir que os povos escolham a forma de vida mais conforme com as suas aspirações.
No polo oposto, no seio de sociedades industrializadas, assiste-se à profusão de «subculturas». Estas, por vezes, duram somente uma geração (ou menos) mas, noutros casos, evoluem de forma autónoma e fixam-se como subconjunto estável. O processo de fracionamento nas sociedades industriais «maduras» é tal, que acaba por funcionar como contrapeso à tendência homogeneizadora nas mesmas sociedades.

Portanto, «a natureza eterna e imutável da humanidade», é apenas um efeito de ótica, de se observar uma estreita faixa da humanidade, no tempo e no espaço.

É o preconceito que nos leva a imaginar um psiquismo semelhante ao nosso, quer em civilizações ou culturas muito anteriores, quer nas contemporâneas, mas que estejam mais distantes culturalmente da nossa. Temos um modelo implícito, assumimos que tal modelo é generalizado, para além da nossa vivência singular, enquanto indivíduos participantes numa dada sociedade.

Não somos uma espécie individualista típica, como é o caso de algumas espécies animais que evitam a «mistura» com outros de sua espécie, excetuando no acasalamento: os felinos selvagens têm esse comportamento, na maioria das espécies.
Em muitas espécies, a participação do macho para a descendência é o mínimo que se possa imaginar. Quanto à fêmea, esta acasala, dá à luz e depois cria os filhotes, essencialmente sozinha. No polo oposto, temos diversas espécies de símios, incluindo símios antropoides, símios sem cauda incluindo o gorila, o chimpanzé, o bonobo e outras. São animais sociais, constituem bandos, têm uma hierarquia que não é rígida, pois está sempre a ser contestada, têm um comportamento de grupo no dia-a-dia. São animais que se poderia chamar de «naturalmente coletivistas». Nós somos oriundos da grande família dos símios antropoides, mas não somos tão rigidamente determinados no comportamento coletivista, como estes.

Assim, a contradição entre individualismo e coletivismo deve ser equacionada no tempo mais longo, no da evolução biológica. A adaptabilidade intrínseca da espécie humana é considerada, por muitos, ser resultado da evolução por neotenia*. A adaptabilidade permite que a nossa resposta seja mais individualista ou mais coletivista, consoante as circunstâncias. Não podemos - porém - esquecer que somos uma espécie essencialmente social.

Note-se que o criador de Robinson Crusoe percebeu perfeitamente isso. Ele dá como adquirido que o herói, embora consiga adaptar-se a uma vida solitária, está sempre ansiando por retomar o contacto com outros humanos e quando consegue encontrar um humano («Sexta-feira», em inglês Friday), fica muito feliz ; trata-o como companheiro, não como criado ou escravo. Daniel Defoe exprime uma constante da psique humana, que ele bem conhecia, ou seja, que somos feitos para ter um relacionamento social. Sem isso, somos incompletos.

A insistência em ideologias «individualistas» ou «coletivistas» corresponde, de facto, a fracas abordagens da complexidade dos indivíduos e das sociedades.

Não se concebe uma sociedade sem seres humanos individuais e capazes de se auto-determinarem. A sociedade de «robots» é  uma distopia (utopia negativa), não me parece ser um futuro possível. Mas, uma sociedade de indivíduos todos eles separados e isolados uns dos outros, por mais nobres que sejam seus sentimentos e valores, também não é uma sociedade saudável, onde se deseje viver. Esta seria, ao fim e ao cabo, como uma «sociedade» de felinos selvagens, como atrás referi. Mas, não somos felinos, estamos próximos das espécies mais sociais entre os mamíferos, os símios antropoides.

A evolução biológica é muito complexa. Uma característica dela, é que baliza a evolução posterior, nunca ao contrário: Não há verdadeira evolução «regressiva». Não podemos voltar atrás e modificar os antepassados dos humanos, mesmo admitindo que estes por cá andassem ainda, ou que tivéssemos um processo de engenharia genética de os fazer reviver, não só como indivíduos, mas enquanto comunidades.

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Neotenia, a propriedade de haver maturação de órgãos reprodutores e  reprodução efetiva, num estádio larvar. Segundo a «hipótese neoténica» os humanos seriam símios neoténicos, o que explicaria a sua capacidade de aprendizagem ao longo da vida e a sua flexibilidade comportamental, além de traços «fetais» como a escassez de pêlo, a fragilidade muito grande dos recém-nascidos e durante os primeiros anos de vida. A nossa cabeça, mais de acordo com as proporções de um feto de símio do que de um símio adulto,  está no limite do crescimento, face às dimensões da pélvis da mulher, dificultando o parto. O falecido biólogo Stephen Jay Gould foi um dos mais conhecidos defensores da hipótese neoténica para a espécie humana.

sábado, 25 de setembro de 2021

A ARTE RUPESTRE DO PALEOLÍTICO QUESTIONA O HOMEM CONTEMPORÂNEO*

                 

Gostava de levantar alguns pontos de reflexão no que toca à arte parietal do paleolítico, as representações ou as figuras abstratas, que revelam algumas grutas e alguns locais a céu aberto. 

- Conta-se que dizia Picasso, ao sair da gruta de Lascaux, recém-descoberta: «nós não inventámos nada! Eles já sabiam tudo!». Com efeito, eles tinham um olhar atento e agudo, a mestria da forma e do movimento, a ciência dos pigmentos, sabiam jogar com o relevo e com sombra e luz …

O que me toca mais - e isto é uma reflexão inteiramente subjetiva - é a estranha sensação que tenho quando olho, observo estes testemunhos dos caçadores-recolectores de há dezenas, senão centenas de milhares de anos: é a sensação de que estas figuras me estão próximas, que estou vendo algo muito antigo, mas em simultâneo algo feito por pessoas como eu, como nós, com as mesmas características.

Quando digo pessoas como eu, como nós, refiro-me aos aspetos anatómicos. Se um desses humanos voltasse à vida e fosse arranjado e vestido como os contemporâneos, seria impossível de distingui-lo de nós, apenas talvez notáveis por uma complexão vigorosa, pelo corpo fortemente musculado. Mas, também me refiro aos aspetos mais sociais, psicológicos. Acredito que tivessem uma forte ligação ao seu grupo, que tivessem perpetuado desde incontáveis gerações narrativas semi-históricas, semi-fantásticas, que narravam e transmitiam, à luz da fogueira. Não podem ter sido senão excelentes observadores do mundo natural, pois as figuras de animais representadas têm um vigor e precisão anatómica que implicam uma visão muito apurada e um sentido mesmo do movimento dos referidos animais. A sua utilização dos volumes das paredes rochosas, a disposição e a forma como delineavam precisamente certas partes do contorno enquanto outras apenas eram esboçadas, ou até suprimidas, não podem ter sido fruto do acaso. São resultantes de um saber-fazer, duma técnica, dum conhecimento de como determinada imagem iria vibrar à luz das tochas, visto que muitas destas imagens parietais estão presentes em salas recuadas dos complexos cavernícolas, apenas podiam ser vistas à luz artificial, de tochas ou lamparinas. 

Não creio que seja por acaso que não se encontrem, ou sejam tão raras, representações humanas, anteriores ao neolítico, nesta arte parietal. É um facto que existem raras figuras humanas ou humanoides,  corpo de homem, com cabeça de cervo, ou com cabeça de leão das cavernas, porém estes exemplos, além de raros, estão sobretudo presentes em pequenas estatuetas de marfim ou de osso, que poderiam ser transportadas como amuletos. Porém, são menos raras as representações estilizadas do órgão sexual feminino, a vulva. Os órgãos masculinos nunca, que eu saiba, estão representados em separado. Conhece-se uma figura masculina, aparentemente tombada, com o pénis em ereção. Parece-me correto dizer-se, pelo menos à luz das descobertas feitas até hoje, que a figura humana está quase ausente do conjunto de arte parietal paleolítica. 

A este propósito, não deixa de ser intrigante que, em muitos exemplos de arte neolítica, nos primeiros povos praticando agricultura e pastorícia, as representações humanas, em monumentos, nos objetos de adorno, etc. são muito mais frequentes. 

Muita tinta deve ter corrido para «explicar» a visão do mundo dos homens paleolíticos. Muito do que se tem especulado, tem mais a ver com a projeção da mentalidade e preconceitos  dos seus autores, sobre o que seja o homem paleolítico, a evolução biológica humana, etc. do que uma tentativa séria, mesmo que especulativa, para ir ao encontro de um mistério, para perceber a realidade essencialmente interior dos humanos, que produziram aquelas expressões do psiquismo, que nós consideramos «arte». Eu tenho lembrança dos escritos de André Leroi-Gouhan, que foram tão importantes para minha formação pessoal, no início dos anos 70 (Le Geste et la Parole; La Mémoire et les Rythmes; Techniques et Langage...) 

                               
                        https://www.youtube.com/watch?v=UT3sN3Df2j4

Leroi-Gourhan e outros, podem estar datados, as conclusões a que chegaram devem ter sido profundamente revistas, algumas foram rejeitadas, mas a ciência é feita assim. Com a emissão de hipóteses, que num dado momento estão em conformidade com o conjunto de dados disponíveis sobre um assunto determinado, porém sempre a serem revistas, reelaboradas, rejeitadas e substituídas por outras hipóteses. O facto de que uma hipótese formulada cientificamente foi derrotada por um novo conjunto de dados, por descobertas que obrigam a modificar substancialmente e a impor-se um novo paradigma, não significa que essa hipótese anterior tenha sido em vão. Pelo contrário, é como o patamar, indispensável para se alcançar o andar acima.

Para além das teorias e as especulações mais ou menos imbuídas de elementos ideológicos, acho que podemos abordar as imagens, as representações deixadas pelo homem paleolítico, com respeito. Com o respeito decorrente de estarmos perante culturas, cuja trama mental e  universo simbólico, não nos poderão ser revelados jamais, mas cujos produtos estão inegavelmente presentes, brutalmente contemporâneos de nós todos. 

A arte é intemporal /A arte é fruto de uma época, de uma mentalidade, de uma cosmovisão

Este paradoxo é aparente, apenas, pois nada de essencialmente contraditório se encontra nas afirmações acima.

Confesso que tive um choque ao descobrir as gravuras rupestres do Foz-Côa, há mais de uma dúzia de anos. Deixaram-me uma impressão tão memorável como outros momentos cruciais da minha vida de 67 primaveras. O olhar que pousamos sobre a arte paleolítica é sobretudo sobre nós próprios: Assim como tu olhas para esta forma da expressão humana, assim eu sei em que cultura tu te encontras mergulhado, sei qual o substrato ideológico sobre o qual constróis os teus juízos estéticos. A história do modo como as diversas sociedades encararam o «homem primitivo», diz-nos muito mais sobre elas, do que sobre o dito homem. 

Darwin, na segunda metade do século XIX, tinha a modéstia de reconhecer que dispunha de pouquíssimos dados paleontológicos sobre os antecedentes da humanidade. Porém, escreveu dois volumes sobre a origem do homem, baseado numa biologia comparativa, essencialmente, resultando de observações, quer sobre o homem atual, quer sobre outras espécies de mamíferos. 

A descoberta, contemporânea de Darwin, do Homem de Neandertal, foi a primeira revelação concreta duma forma anterior ao Homo sapiens. Esta espécie é bastante recente, de facto, coexistiu com nossa espécie, por um período muito extenso de história comum. Foi, na época da sua descoberta, objeto da projeção de tudo o que - em finais do século XIX, princípio do século XX - se considerava como «primitivo, bruto»... Os que seguiram imediatamente Darwin não tinham mais que uma mão-cheia de achados, muito mal estudados. Alguns dos locais destes achados foram irremediavelmente destruídos. Porém, foram muito arrojados em avançar com teorias, caducas hoje em dia, que apenas têm interesse para a História das Ciências,  para se perceber como a antropologia está eivada de preconceitos, que se espalham em determinadas épocas e sociedades. 

Isto não significa que não se possa abordar a expressão estética no homem paleolítico. Significa antes, que se tem de abordar sob um prisma objetivista (como Leroi-Gourhan defendia), o que passa por um agudo sentido de autocrítica, uma modéstia e uma abertura enorme às opiniões alheias. Ao fim e ao cabo, isto remete para algo de muito filosófico, adequado a uma reflexão aprofundada sobre a humanidade.

A natureza humana, será imutável? Será ela resultante, mais ou menos direta, das condições de vida?  Fará sentido falar-se de «natureza humana», para além da óbvia continuidade biológica da sucessão de gerações, no tempo e da não menos óbvia continuidade de caraterísticas comuns, ao longo do espaço geográfico da distribuição da espécie?

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*NB 

O título pode parecer invertido, mas não: A verdade é que devemos questionar-nos aonde foi parar a humanidade do homem, este é o sentido primário da frase « A ARTE RUPESTRE DO PALEOLÍTICO QUESTIONA O HOMEM CONTEMPORÂNEO ». É, afinal de contas,  esta reflexão que irá desencadear outra, ou seja, qual a realidade do que chamam «progresso» ou «civilização»!

sábado, 5 de outubro de 2019

ROTEIRO PARA ESCAPAR DA MATRIX/LABIRINTO [parte III]





Nas espécies animais mais próximas da espécie humana do ponto de vista evolutivo, os grandes símios antropóides, a existência de comunidades estruturadas de modo muito idêntico, de geração em geração, reforça a noção de que existe uma determinação genética nos seus modos de se relacionarem e de se estruturarem em sociedade. 

Nos gorilas, a estrutura social é diferente da sociedade dos chimpanzés, e nestes difere grandemente da dos seus «primos», os bonobos. Porém, a distância genética entre eles não é muito elevada. 
Estão todos muito dependentes do grupo para a criação e integração dos infantes e dos jovens. A sociedade está estruturada de modo hierárquico e familiar nos gorilas, hierárquico e supra-familiar ou de família alargada nos chimpanzés, e não-hierárquico,  sexualmente promíscuo, nos bonobos.

A estruturação dos grupos pré-humanos - ou homininos - pode ser inferida pelos vestígios quer da anatomia, quer de restos arqueológicos, permitindo inferir a estrutura dos bandos, a partir de uma série de parâmetros. 
Mas, só podemos ter a certeza sobre os detalhes dos modos de organização social, na nossa espécie - o Homo sapiens - a qual terá cerca de 300 mil anos, segundo as descobertas mais recentes.
A estrutura familiar foi - em muitos casos-  o único nível de complexidade que muitos humanos das épocas mais remotas conheceram. 
Isto não invalida a existência de agrupamentos supra-familiares, como os clãs ou as tribos, mesmo nas etapas anteriores ao «homem anatomicamente moderno». 
Porém, a estruturação das sociedades em conjuntos maiores é típica das épocas pós-paleolíticas: neolítico, calcolítico, bronze, ferro..
Nas sociedades agrárias e pastoris iniciais, já existia uma hierarquia dos géneros, das idades, do poder e da riqueza. 
As relações eram - no entanto - quase «cara a cara», havia um conhecimento directo dos chefes pelos súbditos e vice-versa. A complexidade crescente e o tamanho dos conjuntos humanos, veio trazer uma distância cada vez maior entre os dominantes e seus subordinados. 
Nas sociedades do paleolítico e do início do neolítico, aquele que se impunha pessoalmente como chefe do bando, do clã ou da tribo, seria quase sempre um homem forte e respeitado pela sua coragem e argúcia. 
Nas sociedades agrárias mais tardias, como no Egipto, a casta de sacerdotes dominava o poder, pondo e dispondo de monarcas divinizados. 
Irrompe, nas sociedades humanas, a partir de há cerca de oito mil anos, a religião organizada e de estado, um elemento decisivo de organização da sociedade. Nesta, o exercício do poder estava integrado na ordem cosmológica havendo, portanto, uma vinculação comum a esse poder, como emanado directamente da ordem divina. 
Só num período muito curto e recente a humanidade não esteve submetida a um poder patriarcal, autoritário, fortemente apoiado na religião. 
O restante, foi o período das sociedades pré-históricas (cerca de 300 mil anos), mais o  longuíssimo período superior a 5 milhões de anos, em que os homininos se foram afastando do ancestral comum a estes e aos grandes símios. 
Claramente, isto mostra-nos que os comportamentos sociais têm uma profunda raiz na nossa história propriamente biológica. 
Também as formas de organização das sociedades humanas, ao longo da História e que antecederam a nossa civilização contemporânea, mantiveram, de alguma forma, relação com este fundo comum da espécie.

Para inúmeras gerações, a questão central da vida não era a liberdade do individuo, mas a subsistência. O conseguir alimento suficiente para si e para os filhos, era a preocupação quase exclusiva de inúmeras gerações de homens e mulheres.  
A questão da submissão ao grupo ou gregarismo nasce dessa situação. 
Nunca foi fácil o ser humano ou hominino sobreviver. Nos primeiros milhões de anos, os homininos tinham de contentar-se com o que os grandes carnívoros deixavam das carcaças das prezas mortas por eles. 
Existem muitas indicações de que a humanidade (e as formas que a antecedem) vivia na carência ou no limiar desta, além de que eram muito mais frequentemente presas do que predadores: não faltam evidências disso, desde marcas de dentes de grandes carnívoros nos ossos fossilizados de homininos, até às composições isotópicas dos dentes, que nos dão uma ideia da composição da sua dieta. 
As estimativas da densidade populacional, correlacionadas com a  abundância ou escassez de alimento, mostram uma humanidade no limiar da fome em vastos períodos históricos. 
Tem de compreender-se então o gregarismo como uma tendência forte, no ramo da evolução animal ao qual pertencemos. Forte, no sentido de ter havido muitas forças no entorno dos indivíduos, que favoreceram este comportamento, que até o reforçaram com dispositivos sociais (as castas, as classes, as ordens...) e com uma super-estrutura ideológica (as crenças, os mitos, as religiões, as ideologias...). 
Mas, as coisas são muito mais complexas, pois em simultâneo, surgem forças que se exercem no sentido contrário. Estou a referir-me à  plasticidade do comportamento humano, que alguns assimilam ao «livre arbítrio» mas que - afinal - se pode resumir à capacidade de auto-determinação do indivíduo, em relação ao grupo no qual está inserido. Esta liberdade face ao grupo, obviamente, tem mais oportunidade de se exprimir e desenvolver numa sociedade onde exista uma certa abundância, ou onde os indivíduos não estejam tão constrangidos, tão dependentes do entorno social, para a sua simples subsistência. 

Os ideólogos do individualismo colocaram as liberdades e garantias individuais como direitos inerentes e inalienáveis de todos os humanos, claramente acima de quaisquer direitos de grupos. 

Os direitos humanos foram assim entendidos como coisa absoluta, independente das sociedades. Nalguns filósofos, foram tidos como independentes da contribuição dos indivíduos para as mesmas sociedades.

Porém, pouco tempo depois, desenvolveram-se regimes totalitários, como o nazismo e o bolchevismo, em que o indivíduo era subordinado ao Estado todo-poderoso.  

As guerras e enormes destruições ocorridas conduziram ao Direito Internacional, aos princípios da ONU, à sua Carta e Convenções, aos organismos supra-nacionais. Infelizmente, todo o edifício está fortemente posto em causa pela própria utilização abusiva dos poderes dominantes, que violam impunemente esta legalidade internacional. 

O gregarismo é um mecanismo biológico e não adianta muito contrariá-lo. Mas, deve-se compreender que a manipulação deste gregarismo, que está na nossa biologia, é um dos ingredientes da propaganda ou das «relações públicas». Esta manipulação está integrada no âmago das nossas sociedades, condicionando de forma inevitável praticamente todas as pessoas. 
Através de mecanismos psicológicos infundem a ilusão nas pessoas de uma liberdade no consumo, na política, na religião, etc. Isto consiste, claro, num processo hábil de neutralizar as salvaguardas racionais e a verdadeira autonomia dos indivíduos, sem que estes tomem consciência disso. 
A questão da propaganda (ou «public relations») na sociedade contemporânea será tratada, em pormenor, noutra parte.   



quinta-feira, 1 de novembro de 2018

DO NEOLÍTICO À IDADE DO BRONZE (PARTE IV *)

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                 Carro da idade do bronze, com c. 4000 anos

Se a sequenciação completa do genoma humano trouxe uma série de surpresas (mas isto seria tema para outro artigo) a descoberta de ADN antigo de várias proveniências e o seu relacionamento com o ADN das pessoas contemporâneas tem um papel igualmente desestabilizador relativamente às «certezas» das origens deste ou daquele povo. 
Hoje, iremos ver como é que um povo - os yamnaya - oriundo de uma zona entre as montanhas do Cáucaso e o Mar Negro, chamada o Ponto, se expandiu há cerca de 4500 anos atrás, espalhando os seus genes - como comprovado pelo ADN antigo - mas também a sua língua, o proto-indo-europeu, de onde derivaram quase todos os idiomas actuais da Europa e também do Próximo-Oriente, da Pérsia e do Norte da Índia.
Com efeito, contrariamente ao que se pensava, o modelo de transformação de uma cultura noutra por influências, «continuísta», não é o mais adequado, sendo antes a ruptura decorrente de invasão e conquista, uma modalidade de transformação que se afirma cada vez com maior nitidez, à medida que o ADN antigo vai sendo mais utilizado nos estudos.
Segundo os estudos com ADN antigo, os haplotipos autóctones (presentes no cromossoma Y) são substituídos, há cerca de 4500 anos atrás, seguidos de transformações em muitos aspectos tecnológicos, como as cerâmicas cordiformes, sepulturas de novo tipo, formando pequenas colinas artificiais e rituais diferentes de sepultamento, sepulturas individuais em vez de colectivas. Tudo o que se conhece nesta transição, indicia uma mudança de uma sociedade relativamente igualitária, para uma fortemente hierarquizada. 
Esta modificação teria mesmo sido acompanhada pelo desaparecimento completo dos autóctones do sexo masculino na Península Ibérica, como refere David Reich (1).

A domesticação do cavalo (2) e a utilização da roda radiante (ao contrário da roda de madeira sólida) tornando mais leves e ágeis os carros de guerra, terão sido os meios que permitiram a rápida conquista dos Yamnaya. 
Eles invadiram em ondas sucessivas, ultrapassando as grandes estepes e planícies a leste do Danúbio e do Elba, até ao Oeste do continente europeu, até o Atlântico. A data da conquista de Península Ibérica terá sido um pouco mais tardia, mas nem por isso foi menos avassaladora, ou mesmo, brutal.  
As hostes eram compostas essencialmente por homens; as mulheres não seriam mais do que um décimo da população em migração. Sabemos isso, pelo rasto do ADN antigo de haplotipos de  mulheres yamnaya, em populações europeias ocidentais após a invasão.
Houve portanto formação de descendentes híbridos entre homens yamnaya e mulheres autóctones. 

Note-se que ocorreu outra substituição de haplotipos típicos de uma população masculina autóctone de caçadores-recolectores, com aparecimento de novos haplotipos, oriundos de populações que já praticavam agricultura, muitos milénios antes (cerca de 10 mil anos antes do presente), aquando da transição do Paleolítico tardio para o Neolítico. Na Península Ibérica, o processo terá ocorrido há cerca de 8000 anos, bastante mais tarde que em relação ao centro da Europa. 
As migrações que espalharam as culturas do Neolítico na Europa deixaram rasto nos ADN dos cromossomas Y: verifica-se uma substituição não a 100%, mas da ordem de 80%. 
Por contraste, nas invasões do fim da idade do cobre (Calcolítico), início da idade do bronze, observa-se uma substituição total dos haplotipos anteriores (masculinos). Os especialistas em dinâmica populacional (3) da antiguidade colocam portanto a hipótese de que existiu uma guerra de extermínio e escravização dos sobreviventes, com tomada das mulheres dos povos submetidos pelos guerreiros invasores.

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Não sou a pessoa indicada para escrever em detalhe sobre as mutações (4) que sofreu o continente europeu, ao longo dos milénios do que se convencionou chamar a pré-história. 
Apenas gostava de chamar a atenção para o facto de haver muitas culturas esquecidas do grande público, do imaginário colectivo, apenas estudadas pelos eruditos. Mesmo as várias narrativas da antiguidade, que referem povos como os «filisteus» (Bíblia), ou os «troianos» (Ilíada), têm contribuído para uma visão parcial dos mesmos; só agora, com a arqueologia contemporânea, podem ser plenamente reavaliados. 



(1) A genetic analysis has revealed that, about 4500 years ago, part of southern Europe was conquered from the east. In what is now Spain and Portugal, the local male line vanished almost overnight, and males from outside became the only ones to leave descendants.
David Reich of Harvard Medical School in Boston, Massachusetts presented the results on Saturday at New Scientist Live in London, UK.
https://reich.hms.harvard.edu/

sábado, 27 de outubro de 2018

DO NEOLÍTICO À IDADE DO BRONZE (parte III)

[Ver parte I - aqui;  parte II - aqui]

                                         Image result for Gobekli Tepe

Aves estilizadas, baixo relevo num pilar em Gobekli Tepe

Neste episódio, damos um grande passo atrás, para examinar as origens do período neolítico. Muitos milénios nos separam dos primórdios da história, da existência da escrita.

Se há um achado arqueológico que tenha influência decisiva no modo como vemos este longo período, que corresponde à maior revolução de todos os tempos, esse é Goblekli Tepe. 
                 
Este local era conhecido desde os anos 1960, mas erradamente foi datado como cemitério bizantino, do século XIV da nossa era. Uma vez correctamente avaliado, as datações do mesmo ficaram claras e inequívocas. Com efeito, os monumentos tinham sido cuidadosamente soterrados debaixo de espessas camadas de terra, o que proporcionou a sua datação rigorosa com carbono 14. De outro modo, isto seria impossível, pois a pedra - em si mesma - não fornece uma datação com este isótopo. 
Estima-se que o complexo de Gobleki Tepe tenha mais de 12 mil anos. Ele foi - portanto - erguido na transição do Mesolítico para o Neolítico. 

O planalto da Anatólia, onde se situa este monumento megalítico, pertence ao chamado «Crescente Fértil». 
Na altura em que Gobekli Tepe foi erigido, a natureza era generosa: havia abundância e diversidade de espécies, em resultado da temperatura mais amena e de maior quantidade de água disponível, após a última glaciação. 
A densidade de caça, de cereais e de frutos selvagens, tornavam a vida particularmente fácil para os humanos que ocupavam a região. Corriam cervos e gazelas pelos campos onde gramíneas selvagens, com sementes nutritivas, eram fáceis de colher. A selecção das gramíneas autóctones selvagens nesta região e a sua transformação em cereais cultivados, foram o feito decisivo destes povos, o que corresponde à adopção de um modo de vida baseado na agricultura. Enquanto estivessem na planície com esta fonte de alimento quotidiano, fácil de colher, não haveria escassez. Mas, se tivessem que se deslocar para outras paragens, menos propícias, uma porção de cereal podia ser alimento ou semente de cultivo. 





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                         Círculos de pedras erguidas em Gobekli Tepe


As ossadas descobertas em Gobleki Tepe são de animais selvagens, como cervos e javalis; mas não se encontraram ossadas humanas. Não foi portanto necrópole, nem aldeia. 
Gobleki Tepe teria sido um complexo litúrgico, um templo a céu aberto, construído respeitando alinhamentos com determinadas constelações. 
Mesmo não sendo local de habitação permanente, foi - sem dúvida- da maior importância para seus construtores. O tempo e o esforço dedicados à sua edificação foram, com certeza, enormes. Foram precisas centenas de pessoas para escavar, transportar e esculpir as enormes pedras, com dezenas de toneladas. Umas poucas centenas de indivíduos, nessa época, corresponderiam a toda a população adulta duma tribo, ou a uma confederação de clãs.  
Os pilares com animais extraordinariamente bem esculpidos (seriam as suas ferramentas de pedra?) poderiam representar os animais-totem de tribos ou clãs confederados. 
Quanto à religião que unia estes povos... nada sabemos, na verdade: porém, deve ter sido um elo muito forte para conseguir manter a coesão dos grupos, trabalhando durante períodos longos, em tarefas penosas e especializadas, tais como o transporte e a talha de pedras com várias toneladas.  
O mistério adensa-se pelo facto de que a extensa área sagrada [50 vezes maior e 6 mil anos mais antiga que Stonehenge] foi cuidadosamente enterrada no 8º milénio depois de ter servido em contínuo durante 3 milénios, como centro de culto. 
De facto, o sítio de Gobleki Tepe não está numa região onde se tenham encontrado abundantes vestígios de culturas anteriores, que pudessem indiciar uma transição paulatina do paleolítico recente para o neolítico. 
O grau de perfeição arquitectural e técnico do conjunto é muito surpreendente, tal como a escala grandiosa do monumento. 
A hipótese de Graham Hancock é de que terá havido uma transferência de tecnologia dos sobreviventes dum povo «ante-diluviano», para os habitantes da Anatólia e do Crescente Fértil. 
Assim, Hancock considera que o aparecimento deste grande monumento de pedra, no local e na altura precisa em que principia a agricultura, ficaria explicado. A transferência dos saberes terá ocorrido após uma grande catástrofe, ocorrida há cerca de 12 500 anos atrás, que dados geológicos recentes indicam ter sido à escala global, um embate dum asteróide que afectou gravemente o planeta, com grandes subidas dos níveis dos oceanos, alterações climáticas brutais e o desaparecimento de avançadas civilizações.

Penso que o mundo, saído do período glaciar, estava modificado o suficiente e os humanos dessa época (mesmo sem tal migração dos «sobreviventes de Atlândida») podiam ser sido forçados a desenvolver aceleradamente novos meios técnicos à medida dos desafios, tanto do ambiente natural, como social. 
Com efeito, as condições extraordinariamente favoráveis para o homem (e para muitas outras espécies) na zona, terão provocado um crescimento acentuado das populações de caçadores-recolectores. Estes, até então, devido à fraca densidade e à necessidade de acompanhar as migrações da caça, teriam muito poucas ocasiões de se cruzarem com outros grupos, pacifica ou menos pacificamente. 
Mas quando a densidade populacional aumentou de modo significativo, a estrutura social dos clãs poderia ter ficado em risco, caso estes caçadores-recolectores não tivessem elaborado um sistema de símbolos e de cultos, com um potente efeito unificador e pacificador: a realização de um grande trabalho colectivo para edificação de um local de culto, a manutenção do mesmo, a realização periódica de festivais associando os vários clãs, reforçavam a coesão social destes grupos. 
Este local seria o ponto de troca de informações dos vários grupos semi-nómadas: neste santuário, em determinadas épocas do ano, teriam oportunidade de trocar presentes, de efectuar alianças e noivados, de contar histórias e perpetuar a memória colectiva...
Não me custa acreditar na sofisticação das culturas dos caçadores-recolectores, pois o homem paleolítico deixou, em grutas e noutros locais, numerosos exemplos do seu extraordinário vigor criativo e indícios claros duma religião animista. 

              
          Gravura rupestre no Vale do Côa, Portugal datada de 15-12 mil anos (1)

As culturas materiais podem até ser relativamente pobres e não reflectirem o grau de sofisticação da psique, em povos ditos «primitivos». Hoje, graças a estudos de antropólogos, sabemos que os índios da Amazónia ou os aborígenes australianos, por exemplo, possuem complexos e elaborados ciclos de  narrativas mitológicas!
Seja como for,  existe este desafio  de reavaliar toda a informação, os sítios arqueológicos desta época (do fim do paleolítico, do mesolítico, do início do neolítico), em várias regiões do mundo. 

quinta-feira, 25 de outubro de 2018

DO NEOLÍTICO À IDADE DO BRONZE (Parte II)