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quinta-feira, 15 de setembro de 2022

TOTALITARISMOS

 Manifestação no primeiro de Janeiro de 2022, em Kiev, de partidos «nacionalistas» ucranianos. São herdeiros diretos e enaltecem os traidores, que na segunda guerra mundial, alinharam com as SS alemãs e cometeram massacres contra civis judeus, polacos ou ucranianos da resistência. O ódio contra tudo o que seja russo é que os motiva (foto de  https://www.timesofisrael.com/hundreds-of-ukrainian-nationalists-march-in-in-honor-of-nazi-collaborator/ )
 

Muito se tem falado e escrito ultimamente sobre a nova deriva totalitária, a propósito da censura (sobretudo nas redes sociais) e de coação sobre as pessoas impondo uma controversa «vacina», que dá mais resultados em termos de lucros para as grandes empresas farmacêuticas, em vez dum real benefício na saúde das populações. 

Mas, apesar de todos os esforços bem intencionados,  o totalitarismo tem sido principalmente equacionado como fenómeno da psicologia de massas, não como fenómeno político. No entanto, ao nível da teoria e filosofia política, a existência do totalitarismo foi desde cedo equacionada enquanto fenómeno político, com componentes psicológicas, como todos os fenómenos do domínio social. Foi, porém, essencialmente pensado como assunto político. O estudo da teoria política tenta compreender as formas como as sociedades se organizam, ou como delegam sua governação em políticos eleitos ou não, resultantes de processos ditos democráticos, ou em resultado de golpe, da tomada pela força das alavancas do governo (*).  

A sociedade e a sua dinâmica podem ser pensadas segundo o paradigma da luta de classes, o que não se limita às várias tendências do marxismo, pois inclui correntes não- autoritárias e libertárias. Ora, nestas correntes, o totalitarismo surge sempre como a forma extrema de domínio de classe. Não há espaço, num regime totalitário, para a pluralidade de ideias e posições políticas. Tudo tem de se conformar à linha do partido, quer o partido/regime se denomine «nacional-socialista», «união-nacional», «falange», «fascista», «comunista», «revolucionário», etc. 

O que caracteriza o totalitarismo é a imposição brutal de uma visão única, abrangente e totalizante (daí a designação de «totalitarismo»). Que essa visão tenha como discurso a «emancipação do proletariado» ou a «defesa da família, do catolicismo e do Estado» é secundário. O principal, é que um grupo se assenhoreou do poder e o monopolizou, reprimindo duramente tudo o que possa questionar seus dogmas. 

Ora, após mais de 200 anos de democracia liberal, estamos num ponto em que a fronteira entre o Estado de direito e o totalitário, se esbate cada vez mais. Ela esbate-se, ao ponto de nos remeter para vivências - mais ou menos esquecidas - de há um século atrás. No contexto de há cerca de um século, depois da enorme hecatombe e destruição física, social e cultural, da sociedade europeia, que foi a Iª Guerra Mundial, vários Estados no mundo e - em particular - na Europa, entraram numa espiral de gastos excessivos, incapazes de estabilizar a economia básica e onde os especuladores, os tubarões financeiros e toda a parasitagem, ficaram  «à vontade». As pessoas que trabalhavam duramente e viviam pobremente, não tinham hipóteses de melhorar a sua condição. 

Não querendo aqui retraçar a história que pode (deve) ser aprofundada por todos nós,  faço notar que as condições económicas ou materiais são determinantes no posicionamento dos indivíduos. A grande maioria não irá deixar-se fanatizar ("hipnotizar") por discursos e promessas demagógicas, se usufruir dum conforto mínimo ou, pelo menos, se tiver esperança razoável de melhorar suas condições de vida. 

Como é sabido, a História não se repete nunca, mas frequentemente «rima». É preciso perceber que as elites que nos dominam estão a reproduzir - no essencial - o comportamento das oligarquias que empurraram os Estados para situações de rutura: Estão a fazê-lo, para os Estados concederem mais privilégios àqueles que já são ultra- privilegiados, algumas vezes acompanhados por «esmolas» ou «remendos», somente para adiar o colapso.  As razões que essas elites invocam e que os corruptos governantes adotam, como se fossem verdades inquestionáveis, são meras falácias, destinadas a esconder a realidade de que a classe trabalhadora tem sido sacrificada, de que ela tem sido a principal vítima e ela não pode esperar que justiça seja feita, a não ser que tome as coisas em suas mãos.  

Como esta verdade se torna mais aguda, à medida que a crise se desenrola, um maior número de pessoas alcança o patamar de consciência suficiente para perceber como têm sido enganadas e as tornar imunes à narrativa do poder. Nesta fase, intensifica-se a repressão da dissidência, a eliminação de canais de expressão independentes do poder corporativo, etc. A eliminação da liberdade de expressão é a grande tentação da elite. Além disso, se ela se sentir com capacidade para «dar o golpe», quer seja golpe de Estado palaciano ou sangrento, não hesitará. Que fique claro, para quaisquer pessoas com sincero apego à liberdade e direitos humanos: Se os opressores (grande burguesia industrial, financeira, agrária, etc.), virem seu domínio posto em causa, pela crescente agitação social e difusão de ideias revolucionárias, não hesitarão, nem por um instante: Deixando de lado suas divergências ideológicas, irão unir as suas fações, para eliminar a democracia representativa, pois esta já não os serve. 

O modo como o fazem varia, mas o resultado é sempre um regime que oprime e persegue os opositores. Quanto mais amedrontada estiver a oligarquia, mais se vai apoiar na brutalidade da repressão policial (e militar, se necessário), para eliminar fisicamente um certo número de opositores e aterrorizar os restantes, de tal modo que seu poder seja incontestado. 

Um Estado totalitário não é imposto a partir do nada e logo de uma vez. É preciso compreender que as elites são sobretudo movidas pelo desejo de subirem e de se manterem no poder. Querem o poder, sem partilha e sem possibilidade de contestação. Para tal, contribui o tipo de dialética que se instaurou com a chamada democracia representativa, ou seja, com o regime em que os partidos se digladiam para chegar ao poder e para guardarem a maior fatia possível desse poder. Isto não é qualitativamente diferente do que se passa nas organizações totalitárias. 

A vocação de um qualquer partido político é exercer o poder e congregar todos os meios possíveis para isso. Note-se que, embora possam ter declarações de princípio e programas muito democráticos, todos os partidos se constituem para exercer o poder. Por isso, o totalitarismo não pode ser visto como «monstro caído do céu»; é efetivamente monstruoso, mas ele sai das próprias contradições dos regimes burgueses, que legitimam uma luta desenfreada pelo poder. Eles, antes de se atingir o estádio totalitário, têm sido vistos, por todos nós, a esmagar os direitos humanos mais básicos, hipocritamente, em «defesa» do direito, da paz social, dos pobres, etc.

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(*) Pode consultar um vídeo pedagógico sobre o pensamento de Hannah Arendt, em particular, sobre o fenómeno do totalitarismo: "Hannah Arendt on Political Life"

domingo, 6 de fevereiro de 2022

[Valérie Bugault] A IMPOSTURA TEM DE ACABAR


Segundo Valérie Bugault, as políticas parlamentares e as eleições não mudam absolutamente nada das reais forças em presença, dos que possuem o poder «por detrás dos cortinados», a grande finança.

Estamos em risco de perder o fundamental da nossa humanidade. É «graças» à revolução digital e ao controlo pelas grandes empresas tecnológicas, que se vai instalando o «Great Reset». Este, não é apenas do domínio económico, embora tenha ao comando os detentores do domínio económico.

Acima, apenas apresentei dois aspetos que me interessaram particularmente, mas a entrevista é muito rica de ideias: veja e oiça, tem muito interesse!

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PS: Ver outros vídeos de entrevistas com Valérie Bugault 



 

sexta-feira, 15 de outubro de 2021

A NATO ESPECIALIZA-SE EM «GUERRA COGNITIVA»

Um documento causando calafrios, mostra como questões militares contemporâneas atingiram o estádio de pesadelo distópico, um cenário que outrora costumávamos atribuir à ficção científica.

                    


Uma importante notícia produzida pelo site GrayZone , por Ben Norton, explica o que significa esta guerra contra os nossos cérebros, pela posse totalitária das nossas mentes. Se algumas pessoas ainda julgam que, no «Ocidente», há direitos humanos, respeito pelo indivíduo, elas que se informem melhor, rapidamente.

Com efeito, estes esforços não são assim tão marginais, nem tão secretos. Há toda uma hierarquia e toda uma cadeia de comando envolvidas. Além disso, os decisores políticos, governos e os vários grupos de deputados (a componente «política» da NATO) estão ao corrente e, provavelmente, de acordo. Se não fazem ondas é porque concordam, ou porque são demasiado cobardes para levantar a voz. 

Mais uma vez, quanto aos «nossos representantes» estamos conversados. 

Como a reportagem é em inglês, assaz longa e possui várias fotos e vídeos fundamentais para se compreender o todo, deixo aqui o link:

«A NATO está por detrás da guerra cognitiva»

Traduzi esta passagem, que me pareceu muito esclarecedora :

“A natureza da ação militar mudou" sublinha o relatório. “A maioria dos conflitos em curso permanece abaixo do limiar tradicionalmente aceite como definindo operações de guerra, mas as novas formas de beligerância emergiram, tais como a Guerra Cognitiva (GC), sendo a mente humana agora considerada um novo domínio da guerra."

Para a NATO, a investigação sobre guerra cognitiva não é apenas defensiva, é igualmente ofensiva.

“O desenvolvimento de meios que afetem as capacidades cognitivas dos oponentes vai ser uma necessidade,” menciona claramente ao relatório de Du Cluzel. “Por outras palavras, a NATO vai precisar de ter meios para salvaguardar o seu processo de tomada de decisão e de sabotar o do adversário.”

Qualquer um pode ser o alvo destas operações de guerra cognitiva: “Qualquer utilizador das modernas tecnologias de informação é um alvo potencial. Isto tem como campo de aplicação a totalidade do capital humano de uma nação.”  acrescenta o relatório, de forma descarada.

“Tal como a potencial execução duma guerra cognitiva poderá complementar um conflito militar, pode também ser conduzida por si só, sem qualquer conexão com envolvimento de forças armadas,” avança o estudo. “Além disto, a guerra cognitiva, potencialmente, não tem fim, visto que não pode haver tratado de paz ou de rendição para este tipo de conflito.”

Assim como este novo modo de combate não tem limites geográficos, também não tem limites temporais: “Este campo de batalha é global e ocorre na Internet. Sem princípio nem fim, a sua ofensiva não conhece pausas, sendo pontuada pelas notificações dos nossos telemóveis, em qualquer lado, 24 horas por dia, 7 dias na semana»

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Comentário de MB:

Este documento é de importância capital, pois revela o estado de espírito, a mentalidade "globo-cap" (expressão de CJ Hopkins), a sua húbris também, enfim tudo o que há de mais contrário a uma civilização pacífica, respeitadora dos direitos humanos, desejosa de preservar os valores democráticos. 

Depois da leitura de tais documentos e de reveladas muitas das operações encobertas efetuadas pelas organizações de âmbito militar e/ou de inteligência (espionagem) dos países integrando a NATO,  é impossível dar qualquer crédito a partidos atlantistas, por mais «democráticos» que se (auto) apregoem. Também é impossível ignorar a conivência de partidos ditos «esquerdistas», «comunistas», ou «verdes», que se calam, para continuar a fazer o seu jogo; o de distrair as massas com questões perfeitamente inócuas, ocultado o essencial, que é o avanço do totalitarismo.

Oiça! Listen!


terça-feira, 14 de janeiro de 2020

ANARCO-CAPITALISMO?

Para se abordar este assunto sem demagogia, num ou noutro sentido, temos de nos despir de todos os preconceitos. Isto é normalmente muito difícil, se não impossível, para o comum dos mortais. 

Porém, os conceitos relativos ao anarquismo ou ao socialismo libertário são fundamentais e ajudam a esclarecer o fundo da questão. E este, resume-se à resposta simultânea às duas questões: «será o anarquismo viável?»; «será o anarquismo desejável?».

Para compreender as propostas dos que defendem um «anarco-capitalismo», temos de cavar um bocado na História e perceber como evoluiu este complexo de ideias, teorias, organizações e movimentos sociais. 
Sobretudo, devemos compreender que na origem (pelo menos enquanto teoria política e social), o anarquismo é visto como uma modalidade do socialismo. E o socialismo, por sua vez, é a utopia que mobiliza os sectores despojados pelo desenvolvimento capitalista dos séculos XVIII-XIX. No início, não se distinguia, nem em termos de projeto, nem em termos de teoria​,​ do comunismo. A palavra comunismo vem de comuna, que é o equivalente à nossa «freguesia»​. O comunismo foi, inicialmente​, um projeto de auto-gestão e auto-apoderamento​,​ ​n​um​ espaço territorial definido, que se pode considerar gerível e controlável pelo povo da comuna. 
Portanto, teria mais a ver com a gestão horizontal dos recursos, nos espaços geográficos ​duma área que ​podia ser atravessada de lés a lés, numa única jornada​,​ a cavalo. 
Porém, a luta de classes, na primeira metade do século XIX, nos países europeus, esteve imiscuída ​n​a luta pela libertação nacional contra o domínio das​ diversas monarquias e impérios. 
Es​t​es impérios, para usar uma expressão​​ conhecida, eram «a prisão dos povos». A eclosão de um movimento insurrecional em 1848, foi a primeira «prova de fogo»​:​ não apenas dos que ainda estavam imbuídos do ideário liberal, na sua versão genuína e original de liberdade de opinião, de associação e não somente liberdade de comércio, mas também dos proletários​,​ que entravam, pela primeira vez com a sua agenda própria, contra as monarquias instaladas. Havia a ilusão de que a república, o sufrágio universal, a liberdade, o direito de organização de sindicatos e a consagração do direito à greve, seriam a etapa necessária para a «república social», no confronto geral com a burguesia e ​restantes classes​ opressoras.​ Infelizmente, tal esperança não se concretizou​,​ pois os regimes constitucionais monárquicos ou republicanos - ​instalados entre a ​2ª​ metade do século XIX e início​s​ do século XX​ -​ logo se viraram contra a classe ​operária, ​que os pusera no poder, com repressão e com restrições de toda a ordem, p​ara «desarmar» o perigo de revolução. Quando se falava de revolução, era - naturalmente - a​ revolução​ que apregoavam os socialistas, comunistas e anarquistas​ ​e suas respectivas organizações e órgãos de propaganda.
Porém, a vertente não insurrecional do movimento operário e socialista (no sentido lato do termo) esteve sempre presente, desde os grandes movimentos Cartistas para conseguir uma lei (Charter) consagrando a existência legal de  sindicatos,  ​«trade-unions» nas ilhas britânicas. 
Outra vertente não insurrecional, era formada pelo nascente movimento​ ​de cooperativas operárias, implicados em produzir mercadorias e serviços de maneira autónoma​,​ gerindo​ ​suas empresas cooperativas de modo democrático e horizontal. 
Um grande apologista desta​ ​abordagem evolucionista​,​ em direcção a um socialismo futuro, ​foi​ Pierre-Joseph Proudhon, ele próprio um operário. A sua crítica radical do capitalismo inspirou o jovem Marx e​ ​outros socialistas​ e ​comunistas​. Devido a uma polémica azeda entre Marx e Proudhon, eles divergiram e detestaram-se. 
Porém​,​ é um facto que, na Iª Internacional, ​a corrente proudhoniana era nitidamente mais importante que ​o marxismo ou que outras, como a corrente de Bakunin.
A corrente prouhoniana, apesar de derrotada e expulsa da IIª Internacional, juntamente com os que seguiam Bakunin, acabou por ser o esteio sobre o qual se ​re​construiu o movimento sindical ​no final do século XIX, princípio d​o século XX. Com o acordo entre socialistas marxistas e sindicalistas ​libertários, estabeleceu-se ​como regra, nas «organizações de classe» (os sindicatos), terem estas autonomia em relação a todos os partidos e correntes políticas, sendo então os sindicatos capazes de unir os trabalhadores com base nas suas reivindicações e não com base na​s​ suas ideologia​s​.
No seu desenvolvimento histórico, o anarquismo é tudo menos uma teoria monolítica, pelo que excluir​ de antemão e sem análise o «anarco-capitalismo», ou todas as ideias​ análogas​ que se apresentam, é contraditório com o espírito aberto e tolerante, que também faz parte da herança multissecular das correntes libertárias. Ser intolerante, ser sectário,​ é a negação dos princípios anarquistas​; as pessoas que assim se comportam, em vez de revolucionárias, estão (sem o saberem?) a preparar a «cama» para uma aventura autoritária.

Vou, por isso, tentar esclarecer o que compreendi da leitura de autores anarco-acapitalistas contemporâneos. 
O que noto​ -​ desde logo​ -​ é que o movimento dito «libertariano» ou «anarco-capitalista», es​tá ​ancorado na sociedade ​norte-​americana e é parte de uma franja descontente com os partidos do establishment. 
Mas​,​ ​n​a abordagem prática da ação política, têm decidido, ou formar uma ala no seio do partido republicano, ou intervir com candidatos próprios (apoiados pelo partido libertariano) nas eleições ao nível estadual (ou a níveis inferiores) para conquistar uma parte do eleitorado do partido republicano (​a origem de​ muitos deles). Compreende-se que isto tudo tenha pouco​ ou nada​ que ver com o verdadeiro anarquismo, como organização horizontal, com a rejeição d​e​ eleições, vistas como um logro​​ que permite perpetuar​ ​a opressão​ do Estado e da classe dominante​, sob o pretexto (falso) de uma igualdade política, etc. 
A generalidade dos anarco-capitalistas aceita como ideal a constituição​ dos EUA, redigida e aprovada pelos revolucionários americanos: revolucionários... em relação à sede  da colónia (a Grã​-Bretanha), mas - eles próprios - grandes proprietários, muitos dos quais (​incluindo​ Washington ​e​ Jackson) proprietários de escravos negros. Os «libertarianos» pensam que o Estado deveria retornar à «pureza» da constituição aprovada pelos «pais fundadores»​ nos finais do século XVIII​. Neste ponto fundamental, divergem dos anarquistas, pois não preconizam (mesmo a longo prazo) a abolição do Estado, mas somente a sua reforma profunda.
No p​lano​ económico​,​ defendem a desregulamentação total, o que se traduziria por uma extrema força de coação económica dos detentores dos meios de produção e do capital​,​ sobre os que não possuem outra escolha senão vender sua força de trabalho​,​ para seu sustento e da sua família. 
A favor desta tese extremada​,​ argumentam que o Estado é essencialmente parasitário e que o mercado «libertado de entraves» será originador de tal multiplicação de riqueza, de oportunidades, que todos poderão construir o seu negócio, que todos beneficiarão. Esta projecção, n​o​ futuro, do «paraíso capitalista" faz-nos sorrir, porque ouvimos - no passado - o mesmo estribilho, mas ​aplicado ao​ «paraíso comunista​»​
O anarco-capitalismo é a ideologia ​à qual se agarram algumas pessoas da pequena e média burguesia, ao verem suas vidas devastadas pelas sucessivas crises do capitalismo, mas ​sem terem​ (ainda?) equaciona​do​ que pudesse existir algo melhor do que este sistema. 
Convenceram-se que o capitalismo presente é um capitalismo degenerado​ (crony capitalism)​, que a restauração da «pureza» do mercado - divinizado, como um «Deus ex machina» - iria repor a sociedade e as instituições do Estado n​o​ caminho d​o​ progresso, ​com ​um bem-estar generalizado e em plena ​liberdade.
Eu caracterizaria as várias vertentes do movimento libertariano ou anarco-capitalista, como um agregado de nostálgicos do capitalismo passado, porventura de um capitalismo que nunca existiu, realmente. Só diferem concretamente uns dos outros, na forma como analisam alguns fenómenos e na ênfase que colocam nas suas críticas (parciais) ao Estado.
No entanto, pode-se encontrar argumentos muito pertinentes nos autores desta corrente, sobre o processo pelo qual o Estado passou a controlar cada vez mais as vidas das pessoas, a suprimir as liberdades fundamentais e a arregimentá-la​s​ para a guerra. 
Pode-se encontrar ​neles ​uma crítica do «crony-capitalism», ou seja, da forma como ​o​ capitalismo de hoje está dominado por monopólios, por grupos tão poderosos, que a concorrência ​real ​não existe. Não havendo mais mercado digno desse nome​, ​em múltiplos sectores da economia​, caminha-se para um totalitarismo corporativo. 
Também verberam contra o capitalismo financeiro e contra a gestão dos movimentos financeiros e monetários, pelos bancos centrais para benefício da finança e desastrosa​​ para os pequenos, sejam eles trabalhadores ou pequenos patrões.

Porém, nem as metas globais que apontam, nem as formas concretas adoptadas (partidos, eleições), para se organizarem e fazer valer as suas ideias... nos permitem reconhecer os princípios fundamentais dos libertários ou anarquistas. Estão longe de quaisquer das formas em que estas tradições se afirmaram, desde o século XIX e séculos seguintes, até hoje. 
​Penso que estão relacionados antes com uma vertente extremada do liberalismo. Na origem, o liberalismo lutou também pelas liberdades individuais e não apenas pela liberdade de comerciar, confrontando-se com os poderes estatais. O liberalismo foi a ideologia adoptada pela burguesia ascendente. ​
Quem conhece a história do movimento operário nos EUA, sabe que houve uma intervenção vigorosa dos sindicalistas de ideologia anarquista​,​ ou de inspiração libertária. Destacam-se os​ sindicatos da confederação​ Industrial Workers of the World (IWW ou wo​o​blies), que permanecem activos hoje, em certos sectores da sociedade dos EUA, apesar da repressão feroz​,​ tanto do Estado, como do patronato. 
Existem muitas organizações e pensadores, ao longo da História dos EUA,​ que se filiam na corrente libertária​. Muitas pessoas conhecem os nomes de Emma Goldman, ou de Noam Chomsky, mas existem muitos mais com contribuições práticas e teóricas notáveis.  
Existe, no presente, um grande movimento de simpatia pelo socialismo, onde predominam correntes de socialismo anti-autoritário, não-hierárquico. Este, embora não sendo​ sempre​ explicitamente anarquista no seu enunciado​, fez suas várias teses​ e adoptou métodos de organização do movimento anarquista.
Nesta situação de agudização da crise​,​ há um fosso crescente entre classes sócio-económicas, com o divórcio da classe trabalhadora em relação à ideologia dominante, apesar das catadupas de mentiras e deturpações que os media - vendidos aos poderes do dinheiro - despejam diariamente, sobre o soci​alismo

Creio que muitas pessoas vão compreender ​pela prática  social, ​que o movimento dito «libertariano» ou ​«​anarco-capitalista​»​ não oferece resposta para ultrapassar o sistema concreto em ​que ​nos encontramos. 
Destas pessoas, algumas poderão vir a reforçar os movimentos anti-autoritários e anti-capitalistas, que se têm multiplicado nos últimos decénios.​

quarta-feira, 17 de julho de 2019

QUEM DETÉM VERDADEIRAMENTE O PODER?

Pode-se argumentar que o poder nas sociedades actuais, que se conforma com o modelo de democracia liberal, está patente, havendo uma hierarquia que vai desde a existência de um corpo eleitoral soberano detentor do poder de eleger os seus representantes em órgãos dos Estados, parlamento, presidência da república, câmaras municipais... até aos membros destes diversos corpos eleitos e as delegações de poder: o governo é formado por votação do parlamento, nalguns casos, ou por escolha do presidente da república, noutros. 
As coisas parecem obedecer a uma ordem política e jurídica perfeitamente clara, não apresentando quaisquer ambiguidades do ponto de vista formal.
Mas, como a política não é uma coisa meramente formal mas substancial, o que acontece é que as entidades que  detêm o controlo são muito diversas das que se apresentam a chefiar ou como representantes, ao nível dos Estados e dos seus órgãos. 

Tipicamente, os lugares políticos são preenchidos por eleição e essa eleição ocorre numa contenda entre membros de partidos políticos. Ora, os membros desses partidos e a estrutura interna destes, não sendo escrutinada, nem sendo transparente para o cidadão-eleitor, é frequente que - no seu interior - se criem os fenómenos seguintes:
- nepotismo, a colocação de familiares ou amigos em postos-chave;
- tráfico de influências em relação a cargos, uma forma de corrupção que consiste em comprar certos membros dos partidos com sua colocação numa lista de candidatos, em posição elegível. 
- a corrupção passiva ocorre, em grande escala, na fase anterior às campanhas eleitorais, sejam elas legislativas, ou autárquicas. Com efeito, as legislações permitem que cidadãos individuais (em certos países, também empresas) doem a partidos somas até certos montantes. Estas somas - de dezenas ou centenas de milhares de dólares - correspondem a uma forma de corrupção legalizada, pois se sabe que os doadores, não apenas estão a fornecer meios para realizar as campanhas mas, sobretudo, a  assegurar que, caso esse tal partido obtenha o poder, possam tirar vantagens de toda a ordem do seu «investimento». Em muitos casos, existem somas ocultas, não contabilizadas nos relatórios financeiros dos partidos, que têm  - com certeza - um grande peso nas decisões futuras dos eleitos. 

Por muito que este sistema partidário esteja corrompido e dependente de grandes doadores, financiadores das acções políticas, eleitorais e outras, há um nível ainda mais elevado de corrupção no Estado, no qual poucas pessoas pensam, em termos de anulação da autonomia do mesmo e dos seus dirigentes:
- Refiro-me ao sistema dos empréstimos, ao endividamento, que se tornou crónico e perante o qual quaisquer governos - de direita ou de esquerda, que governem de acordo com as leis existentes - têm de se submeter. 
A necessidade de contrair empréstimos, muitas vezes para conseguir pagar juros de empréstimos anteriores, é um peso para os Estados e seus orçamentos. Pode considerar-se causador de um sério défice de crescimento. Esta necessidade - criada tanto pelos financiadores dos Estados, como pelos políticos - impede que vastas somas sejam mobilizadas para programas geradores de riqueza, ou de bem-estar social. Obriga a que o nível de impostos seja bem mais alto, o que vai subtrair capitais à economia produtiva e diminuir a capacidade aquisitiva das pessoas. 
O nível de impostos tem subido, em termos reais, em todos os países «Ocidentais», sem que haja um concreto e visível progresso nas funções sociais dos Estados, ou mesmo nas infraestruturas: Isto, só pode ser fruto do sobre-endividamento, que se tornou norma ao longo da última década. Actualmente, ele é acima de 100% do PIB, para muitos Estados. Para todos eles, houve incomportável crescimento da dívida.
Os Estados precisam de fazer constantes emissões de obrigações do tesouro, para cobrir as suas dívidas, em leilões internacionais onde os que emprestam são grandes actores, como fundos especulativos (hedge funds), grandes bancos comerciais  ou bancos centrais de outros países.
O velho ditado segundo o qual «quem paga, ordena» aplica-se neste caso, perfeitamente. Os Estados não podem fazer nada que desagrade aos grandes emprestadores, não podem fazer coisas que baixem o «rating», ou classificação fornecida por apenas três agências (Moody's, Fichte, Standards & Poor, todas elas americanas). 
Um Estado, em si mesmo e para além dos governos, dos partidos políticos que - supostamente - estão no poder, mais não é do que um joguete destas entidades discretas, mas omnipresentes e omnipotentes.

Estamos, desde já, perante um grau indirecto de governo mundial. Ele existe, na realidade. Apenas não é exercido de forma ostensiva. Isto tem sido, ao longo do tempo, o modo preferido de intervir dos globalistas. 
Os governos têm de se debater com problemas diversos, como a dissidência social («coletes amarelos»), por vezes até, têm de enfrentar situações onde já não podem manter a encenação e se torna necessário, para eles, adoptar um autoritarismo sem máscara. 
Os poderes reais, que estão a controlar os governos e os próprios Estados, não têm a sua sobrevivência posta em causa. Apenas têm de decidir, se vão continuar a apoiar um determinado governo, ou se «o vão deixar cair na lama».



terça-feira, 22 de janeiro de 2019

QUE SURPRESA! TODOS OS PARTIDOS SÃO CLIENTELARES...

Na sequência de mais um escândalo, desta vez envolvendo a autarquia de Loures dirigida por comunistas, e um genro do secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa, verifica-se de novo aquilo que já era evidente (pelo menos) desde que se «consolidou» a democracia parlamentar neste país, por volta de finais dos anos 70: O poder dum partido está na proporção directa da percepção que o público tenha de que possa influenciar nos assuntos de Estado e nos negócios. 
Aderem muitos, na medida em que tal ou tal partido possa ser influência decisiva para arrancar um contrato ao nível autárquico, uma autorização para edificar em zona protegida, etc, etc... Sobretudo, através dos partidos muitos esperam obter emprego na máquina do Estado, algo que também foi notório durante a primeira República e ditadura. No fundo, nunca deixou de ser um forte «motivador» para as pessoas se inscreverem em partidos (durante a ditadura, a inscrição na Legião Portuguesa ou na União Nacional, era condição para aceder a muitos cargos de funcionários, mesmo os mais ínfimos, sem quaisquer funções decisórias).
O que me espanta é a aparente inocência (digo bem, aparente) dos escrevinhadores dos media, que se «escandalizam» com tais práticas, das quais eles próprios são participantes ou, no mínimo, testemunhas quotidianamente. 
Dirão que a democracia não é perfeita, mas que é o regime que permite um máximo de participação popular nos assuntos do Estado. Permitam-me discordar. 
A democracia, tal como é entendida no presente e nos nossos países europeus, é antes um processo para arredar os cidadãos da coisa pública. Quando cidadãos desencantados se erguem e clamam por mudanças, como acontece agora em França, com a revolta dos coletes amarelos, os partidos daqui calam-se, assobiam para o lado, enquanto a media é rápida a difundir imagens de comportamentos menos correctos, omitindo a imensa maioria de situações em que os coletes amarelos se comportam com a maior responsabilidade. 
Sobretudo, os media deste país não se atrevem a explicar ao povo português quais são as verdadeiras razões da revolta!

RAZÃO Nº1: Existe um défice profundo de democracia e de respeito pela cidadania: Os países da Europa foram metidos num colete de forças chamado tratado de Lisboa, que é afinal uma constituição anti-democrática, que nem sequer tem a coragem de dizer o seu nome. A razão de se mascarar assim, sob forma de tratado, aquilo de que, de facto, é uma constituição, tem tudo a ver com a rejeição em 2005 do tratado constitucional pelo povo francês e holandês, em referendos democráticos, que foram ignorados e espezinhados pelos respectivos dirigentes.

RAZÃO Nº2: Há uma perda de capacidade económica por parte de um número crescente de famílias trabalhadoras. Em face da perda progressiva da competitividade da economia, a reacção dos poderes dos diversos países, quaisquer que sejam as colorações políticas, foi de aumentar o endividamento dos Estados. Por este motivo, está-se numa situação de crise de dívida permanente, apenas disfarçada pela artimanha do BCE de comprar a dívida (quase toda) dos países do Euro do sul europeu. Mas este mecanismo está a partir de agora, oficialmente fechado.
Para fazer face a um aumento dos juros da dívida, perante um decréscimo de actividade industrial e uma fuga de capital para paraísos fiscais (que eles não querem verdadeiramente estancar pois são beneficiários) o único recurso que resta aos Estados é subir impostos. Como os impostos directos são proporcionais ao rendimento das pessoas, eles vão sobretudo abater-se sobre os impostos indirectos, as taxas sobre o gasóleo, o IVA, etc... 

A MANIPULAÇÃO: Aquilo que se quer fazer passar por retorno a visão de extrema direita, reaccionária, classificando os que contestam de forma pejorativa como soberanistas ou ainda populistas, nada mais é do que a reacção dos povos, fartos de serem espoliados por uma elite, seja ela de «esquerda» ou de «direita», que se arroga os comandos do Estado para favorecer - de todas as maneiras - a sua própria ascensão e manutenção ao estatuto de aristocracia. Nos tempos presentes, esta aristocracia é apenas a do dinheiro, sendo essa a medida de todas as coisas, no espírito e na letra do capitalismo financeiro e especulativo.

PROPOSTAS POLITICAS E ECONÓMICAS

As propostas dos coletes amarelos de reforma constitucional, permitindo um referendo de iniciativa cidadã, nada têm de democracia directa «radical», pois se baseiam nas formas muito tradicionais de democracia directa da República Helvética, cuja população vota, pelo menos, duas ou três vezes por ano em referendos nacionais e num número maior de referendos nos cantões ou municípios. 
Por outro lado, a diminuição da carga total das taxas ou impostos indirectos, substituíveis por um agravamento dos escalões superiores (imposto sobre fortunas) e sobre os lucros das firmas, não pode agradar ao 1%. Tem esta pequeníssima minoria ditado a campanha mediática para denegrir toda e qualquer iniciativa que venha das bases e pretenda reformar os aspectos mais «indecorosos» do sistema. 

Por ganância ou miopia, a reforma é tornada impossível pelos de «cima». São eles que criam as condições de uma revolução: claramente, ao inviabilizarem qualquer reforma dentro do sistema, estão a empurrar os de baixo a se radicalizarem a cada recusa de atenderem as suas reivindicações. No momento em que as massas vêem claramente que o poder apenas tem como objectivo a contenção e não a resolução dos problemas, dá-se uma explosão social, com perda completa da confiança dos governados nos respectivos governos


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domingo, 7 de janeiro de 2018

ESCREVENDO «SEM PANINHOS QUENTES» - A QUESTÃO POLÍTICA Nº1 DE PORTUGAL

                           

Contrariamente à opinião de António Barreto e de outros, que julgam haver possibilidade de reforma do sistema por dentro (mas acreditarão eles realmente, no seu íntimo, numa tal coisa???) penso que a questão política em Portugal se coloca de outro modo, não meramente por observação das «danças internas» dos partidos, mas sobretudo das realidades sociais, políticas, económicas, internacionais. 
A questão política nº1 de Portugal é saber... 
 - se este país se transforma definitivamente em país destino de férias para a classe média baixa da Europa, enquanto os seus próprios filhos e filhas, não têm outra escolha senão servir nos bares e restaurantes (três meses por ano) ou emigrar para outras paragens onde o seu valor seja mais justamente apreciado...
- ou se Portugal tem energia interna para sacudir os vários jugos (internos e externos) que o prendem como país neocolonial e enceta um caminho de libertação, original, sem dúvida, mas que terá de aprender algo com os outros países neocoloniais que estão tentando agora mesmo libertar-se das suas dependências. No mínimo, deverá tentar encetar o seu caminho sem cair nos erros, alguns fatais, em que caíram outros.
Ora, se a política é protagonizada por forças políticas e por opiniões públicas, creio que as duas hipóteses acima são assimétricas, no que toca às probabilidades de concretização dos respectivos cenários.
- No primeiro caso, estamos perante a realidade vivida; é o presente, a que assistimos. 
Para prova disto basta pensar-se no lamentável exemplo do desenvolvimento caótico do «alojamento local»* e nos impasses, nas falsas «soluções» que uns e outros avançam, na esperança vã de saída duma situação de intencional desregulação (a lei da selva capitalista), que foi provocada pelos que (des)governam o país e os seus principais centros urbanos.

- No segundo (encetar a caminhada libertadora), não existe massa crítica, porque a classe que poderia ter nisso um interesse real (e não meramente ideológico ou sentimental ou «nacionalista»), a classe média, é mantida anestesiada, drogada, pela ilusão persistente de que Portugal é um «Estado democrático».

Todos os «espertos», os «doutores da treta» espalhados pela media, mas também pelos partidos, incluindo os ditos de «esquerda», contribuem para a persistência desta visão e reforçam constantemente este complexo.

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*Algumas referências recentes para ajuizarmos o problema do alojamento local:

Alojamento local, legislação:


Deficiente fiscalização:


Guerra jurídica, causada por decisões conflituais:


Ilusão de rentabilidade:



Conflitualidade nos condomínios e projecto-lei:


Gentrificação e alojamento local:



Transformação do centro pelos sectores de luxo:











quarta-feira, 6 de dezembro de 2017

ESTATUTO NEO-COLONIAL DE PORTUGAL

                                   
                                     

estatuto de neocolónia * de Portugal é o verdadeiro impedimento a uma arrancada para o desenvolvimento, deste retângulo à beira Oceano plantado.

Tenho defendido, ao longo dos anos, esta visão e tenho dito a quem me quer ouvir que, se não se tivesse deixado enredar na malha das dependências neocoloniais, Portugal seria hoje uma espécie de «Suíça» do Atlântico.

Enquanto ponto de partida e de chegada natural para todo o comércio transatlântico, esse lugar é-lhe devido. 

Em termos estratégicos, controla a passagem do Atlântico Norte e Atlântico Sul e a rota atlântica em direção ao Mediterrâneo; Portugal foi e é ainda elemento geoestratégico de primeira importância.

A cobardia e a venalidade dos dirigentes deste país, ao longo das épocas históricas, é que tem feito com que o potencial enorme deste território e a coragem e tenacidade de suas gentes sejam desprezados e espoliados. 

Sem as circunstâncias especialíssimas do espaço português e da natureza flexível e determinada do seu povo, não seria possível os parasitas prosperarem, ao longo dos séculos. 

A forma de manter submissa uma pessoa é de a convencer de que ela é uma «coitadinha»,  que precisa da nossa «ajuda». Em relação a uma nação, não é muito diferente. 

É precisamente o que têm feito os gatos gordos da UE e dos EUA. Aproveitam-se dos gatinhos gordos de cá (que miam em consonância perfeita com os seus chefes), os espertos que por cá pululam, para continuarem o seu jogo, sem oposição à altura.

A forma de oposição do tipo frente de libertação anti-colonial, tipicamente uma estrutura inter-classista, parece-me ser a única viável, face ao nosso estado de neocolonialismo inconfessado, tanto devido às circunstâncias históricas, como à situação de hoje, em Portugal.

Porém, essa frente, só tem possibilidade de prosperar, caso os seus membros ponham acima dos seus interesses de grupo, o interesse nacional. Guardo esperança de que apareça um conjunto coeso e dinâmico de mulheres e de homens assim, cedo ou tarde, neste país.   

O chamado pai da democracia, Mário Soares, em múltiplas ocasiões, falou sobre a importância da tolerância para a democracia. Quando falava disso, quase ninguém compreendia o que ele tinha em mente. Poucos compreendiam que ele falava das inúmeras discussões, terrivelmente desgastantes, que qualquer democrata português teria de aguentar com outros, que, embora dizendo-se democratas, o que procuravam, antes de mais, era dominar. 

Também eu experimentei, algumas vezes, tais esgotantes debates, sem fruto nem proveito, que por aí ocorrem. Em resultado disso, sou um «anti-político» num certo sentido, embora seja um observador atento da política. 

Para os meus amigos /amigas (quer estejam envolvidos/as em projectos políticos ou não), apenas digo o seguinte: vejam o que as pessoas fazem, não apenas o que dizem ou proclamam. 

Enfim, vejam se alguém é sério e coerente com o que afirma, não pela análise discursiva, mas pela análise da coerência entre a prática, no mundo real, e as ideias que proclama.

Está claro, para mim, que além dos fatores económicos, existem fatores de cultura, civilizacionais, que justificam o estado em que se encontra qualquer país, qualquer agregado humano.

Por exemplo, no caso da China, o confucianismo domina nas mentes e permanece como pano de fundo cultural. 
No confucianismo, existe uma opção clara pela ordem, pela estabilidade, pelo respeito para com os ancestrais e para com os progenitores.  Este respeito e consideração são igualmente dados à família alargada, ao grupo étnico, à nação. 

Pelo contrário, em Portugal, reina um individualismo exacerbado, não existe solidariedade familiar verdadeira, muito menos existe verdadeira solidariedade de classe, ou de cultura, ou de nação. 

Quando digo que não existe, não nego que tudo isso, de facto, possa existir numa fração, numa parte da cidadania deste país; mas eu faço a «soma vetorial» das vontades e das ações, para compreender para onde vai a barca... 

A barca de Portugal é uma jangada, prestes a desconjuntar-se, sem leme nem liderança, onde se encontram formigas, ignorantes de que estão no meio do alto mar e que têm de se juntar e fazer causa comum, para salvamento da jangada. 

Mas as pessoas não são «formigas». 
Elas podem perceber o que é real e superar o que eu chamo de «complexo neocolonial». 
 Sobretudo, podem exercer ações eficazes para que não sejam escravizadas (mentalmente, como primeira etapa para a escravidão completa), para proveito dos senhores de terras longínquas, sejam da China ou do Ocidente, do Norte ou do Sul. 

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*Nota: tenho escrito sobre este assunto desde os «Cadernos Luta Social», no tempo em que Sócrates era primeiro-ministro: a minha análise mantém-se válida, na atualidade.

domingo, 3 de setembro de 2017

MUNICIPALISMO LIBERTÁRIO

Com a aproximação de uma campanha eleitoral para as autarquias (Municípios e Juntas de Freguesia) em Portugal, achei oportuno recordar algumas formas alternativas de se fazer política municipal. Não no sentido vago de algo que se mantém nas margens do sistema, sem no entanto o pôr em causa, mas justamente, aquelas experiências ricas de saber e prática. Aquelas experiências onde um sentido agudo dos objetivos estratégicos se alia com a noção realista e pragmática de quem intervém no seio das sociedades. 

Irei expor, em artigos seguintes, algumas experiências de auto-gestão generalizada, de participação democrática genuína da população, que estão em curso. 
Podem ser consideradas utopias realizadas, na medida em que as suas premissas teóricas estão próximas dum comunalismo/comunismo autêntico, ou seja, do comunismo anárquico que se desenvolveu ao longo dos séculos 19 e 20, tendo tido expressão em várias experiências históricas: 
- As grandes e trágicas experiências da Comuna de Paris, de 1871, dos sovietes russos, que foram domesticados e esvaziados pelo poder Bolchevique, da Revolução Espanhola de 1936-1939. Mas também a gesta menos conhecida e estudada da Revolução da Macnovichina, em distritos rurais da Ucrânia, entre 1917 e 1923, que fez frente sucessivamente a exércitos Czaristas, Alemães, Nacionalistas Ucranianos e Bolcheviques e a gesta ainda menos conhecida dos anarquistas do extremo-oriente, sobretudo Coreanos exilados na Manchúria entre 1929-31, que constituíram comunas libertárias e lutaram contra exércitos inimigos (do Japão imperial, mas também do partido «comunista» Chinês) em território muito vasto, superior à superfície total da Bélgica e Holanda reunidas.

Nos finais do século XX, Murray Bookchin dava corpo teórico a uma forma de intervenção não burocrática, mas de democracia participativa, numa altura em que ainda não abundavam escritos e muito menos práticas de gestão territorial, seguindo os princípios libertários, em tempo «normal» e em grande  escala. 

Felizmente, a situação mudou, desde os anos noventa do século vinte: não têm faltado experiências às quais nos podemos referir, como inspiração, mais do que como modelo. Com efeito, os modelos são sempre coisas fossilizadas e tomando como idênticas as circunstâncias, as quais nunca são possíveis de transplantar, de um dado local geográfico e de um particular contexto sócio-histórico.

Irei escrever...
- sobre a rebelião Zapatista, no sul do México, em Chiapas, que trouxe formas vivas de auto-organização associadas com a resistência armada de um povo indígena, que não se quer deixar dominar pelo poder do dinheiro; 
- sobre a Rojava, no Curdistão Sírio, onde uma forma anti-autoritária de vida comunitária se constrói, ao mesmo tempo que as forças de auto-defesa combatem (desde há quase 4 anos, por vezes, praticamente sozinhas) a investida brutal e obscurantista do ISIS ou Estado Islâmico. 
- Também irei debruçar-me sobre experiências numa escala, não de regiões, mas de autarquias, de municípios e aldeias, como Marinaleda, na Andaluzia ou de comunidades autónomas no Sul Alentejano. 

«... A recuperação e desenvolvimento da política deve, afirmo, tomar como ponto de partida o cidadão/cidadã, no seu entorno imediato, para além das áreas familiares e privadas de sua vida. Não pode haver política sem comunidade. E por comunidade quero dizer uma associação municipal de pessoas reforçada pelo seu próprio poder económico, a sua própria institucionalização da democracia de base, com o apoio confederal de outras comunidades vizinhas, organizadas numa rede territorial à escala local e regional. Os partidos que não participem nesta forma de organização popular não são políticos, no sentido clássico do termo. De facto, são burocráticos e opostos às políticas participativas e à participação dos cidadãos. A autêntica unidade de participação na vida política é o município, quer seja na sua totalidade, se ele for à escala humana, ou nas suas diversas subdivisões, nomeadamente, na vizinhança, no bairro...»

. . . The recovery and development of politics must, I submit, take its point of departure from the citizen and his or her immediate environment beyond the familial and private arenas of life. There can be no politics without community. And by community I mean a municipal association of people reinforced by its own economic power, its own institutionalization of the grass roots, and the confederal support of nearby communities organized into a territorial network on a local and regional scale. Parties that do not intertwine with these grassroots forms of popular organization are not political in the classical sense of the term. In fact, they are bureaucratic and antithetical to the development of a participatory politics and participating citizens. The authentic unit of political life, in effect, is the municipality, whether as a whole, if it is humanly scaled, or in its various subdivisions, notably the neighborhood. . . .

Retirado de «Libertarian Municipalism: The New Municipal Agenda» por Murray Bookchin»