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quarta-feira, 17 de abril de 2024

COMO SITUAR O CONCEITO DE «REVOLUÇÃO», NA HISTÓRIA?

 A história que nos é ensinada nas escolas, desde há gerações, segue uma vulgata marxista, o mesmo é dizer, que é algo ideológico.

No cerne dos preconceitos que enformam as gerações de estudantes formados após o 25 de Abril de 74, sobressai o de «revolução». Nenhum conceito poderia ser ensinado de modo mais confuso e mais ideológico. Fala-se de revolução a torto e a direito, a propósito de golpes de Estado e outros derrubes mais ou menos violentos, em contradição com os sistemas políticos instituídos.

Mas, na verdade, não houve senão duas revoluções, no sentido marxista (sem ironia!): pois a teoria marxista acentua o facto de uma revolução implicar profundas modificações no modo de produção, por sua vez, transformando as relações sociais, em profundidade e de modo duradoiro. A partir da consolidação da nova ordem, muitos aspetos super estruturais das sociedades, ficam profundamente modificados.

Para se aderir a esta visão do que seja «a revolução», teremos necessariamente de excluir as «revoluções políticas», as mudanças políticas, mesmo que elas nos pareçam muito significativas. De facto, o que é apontado como revoluções não o foram, por certo; mas foram antes epifenómenos de algo que estava a agir em maior profundidade.

A «revolução francesa», por exemplo, foi o derrube de uma ordem monárquica mas, nem por isso foi a transformação radical da forma produtiva, nem sequer da dominância das classes. A transição da sociedade agrária para a sociedade industrial estava muito avançada quando, a 14 de Julho de 1798, um grupo de populares parisienses tomou a Bastilha. As relações de produção continuaram as mesmas, antes e depois da «revolução», não foi pelo facto de um certo número de cabeças rolarem, nem de propriedades, que antes pertenciam a aristocratas, passarem a pertencer a burgueses, que se modificou em profundidade a relação entre as classes e nem sequer ao nível do poder político. Note-se que os cargos políticos, já antes da chamada revolução, eram largamente ocupados por elementos da alta burguesia, os quais exerciam esses cargos no poder central e provincial do Estado, muitas vezes relacionados com funções legislativas e da justiça. Mesmo nos altos postos das forças armadas, um campo supostamente reservado à nobreza, as classes não nobres iam progressivamente tomando conta de mais e mais postos. Não devemos ficar iludidos pelo facto do monarca enobrecer um alto funcionário ou uma alta patente do exército: era uma forma, por um lado, de mostrar confiança nesse indivíduo e, por  outro, demonstrar que, servindo o reino, se podia ascender aos cargos e privilégios mais elevados, independentemente da origem social. Napoleão, auto- coroando-se de imperador dos franceses, apenas acentuou essa tendência, que já vinha de longe, criando uma nova  aristocracia, desde barões a príncipes.

Não se encontra, no domínio  da política, nenhum aspeto de fundo que tenha modificado realmente a estrutura das relações sociais. Alguns burgueses tiveram oportunidade de enriquecer, tomando as propriedades das ordens religiosas. Note-se que, eles já pertenciam aos extratos elevados da burguesia, quando compraram (por bem pouco!) os bens das ordens religiosas, postos à venda pelo Estado «revolucionário». 

Poderíamos facilmente mostrar que, ao longo do período napoleónico, contrariamente à mitologia, as classes populares (operários, artesãos, camponeses), não só ficaram subjugadas pelos mesmos ou por outros senhores, como se acentuou a proletarização brutal. Foram colocadas pessoas de ambos os sexos, de todas as idades e incluindo crianças, numa relação de dependência e precariedade, que se traduziu em miséria para as classes populares urbanas. As pessoas esquecem muitas vezes a enorme sangria que foram as guerras revolucionárias e napoleónicas: Durou cerca de 25 anos, em várias partes da Europa. Foi um rasto de destruição «a ferro e a fogo», desde Lisboa  até Moscovo. Estas guerras forçaram comunidades rurais inteiras a migrarem para as cidades, visto que as suas explorações agrícolas tinham sido devastadas ou tinham perdido sua viabilidade económica. 

Do ponto de vista estritamente político, após as guerras napoleónicas reconstituiu-se rapidamente a aliança entre a alta burguesia e a aristocracia. Os governos e monarquias constitucionais que se formaram em quase toda a Europa, são o resultado disso. De fora, ficaram apenas elementos mais radicais, como os republicanos, que continuaram a ser perseguidos: não houve «liberdade de imprensa», nem liberdade de qualquer espécie, durante largos períodos do século XIX, tanto nos países onde tinha havido forte apoio às ideias revolucionárias, como nos que não se deixaram seduzir por elas.  

Na verdade, o fenómeno político, as revoluções liberais, anti autoritárias, anti monárquicas, que houve ao longo do século XIX, são sobretudo o epifenómeno duma profunda transformação na estrutura produtiva. A revolução industrial, que se tinha desenvolvido bem antes, desde o século XVIII, pelo menos, estava a transformar as relações entre classes em profundidade, mas de uma forma silenciosa, não em consequência de qualquer proclamação de princípios revolucionários. O que houve de revolucionário (sem aspas) ao nível da produção, foram, entre outros, a primeira mecanização, a utilização de máquinas a vapor e a concentração de trabalhadores em grandes manufaturas. Estes, eram frescamente saídos dos campos, onde seu trabalho deixou de ter viabilidade económica. 

A concentração de proletários nos centros urbanos, por sua vez, obrigou à transformação das práticas agrícolas: a utilização de processos mecânicos, a generalização dos adubos, os tratamentos fitossanitários, a maior racionalidade no uso dos solos e das culturas, produziram aumentos significativos da produtividade agrícola. Assim se criaram os excedentes que permitiram alimentar a massa humana cada vez maior, nas cidades industriais, porém utilizando muito menos braços nas tarefas agrícolas.  

Portanto, a revolução industrial é o grande motor das transformações. Estas, não se limitaram ao século XIX:

Obviamente, a «grande revolução russa» correspondeu à transformação do país essencialmente agrário, numa potência industrial moderna. Que esta transformação se tenha operado a partir de 1917 sob um governo despótico, totalitário, não impede que tal transformação tenha sido o principal aspeto estrutural da «revolução russa». Os bolcheviques, para efetivação da sua tomada de poder, souberam aproveitar as simpatias de partes do campesinato e do proletariado citadino, por determinadas ideias sociais, o socialismo, o comunismo e o anarquismo. Estes foram instrumentalizados, por vezes esmagados, para a transformação desejada pela «elite» soviética. Não esqueçamos a famosa fórmula de Lenine: «o comunismo consiste nos sovietes, mais a eletrificação do país».

É estranho, mas os que se dizem marxistas não conseguem fazer leituras objetivas dos fenómenos sociais e políticos, quando neles estão envolvidos partidos e correntes «comunistas». A mesma incompreensão dos fenómenos leva certos «revolucionários auto-proclamados » a fazerem uma leitura totalmente errada do  maoismo e do processo de emancipação da China, da sua passagem de uma sociedade atrasada, com características feudais, para uma grande potência industrial e tecnológica. 

Nós - porém - não estamos bloqueados por preconceitos ideológicos. Temos acesso  a um manancial de factos registados, pelo menos desde o início do século XIX, até hoje: não precisamos de distorcer a realidade, ou de fabricar «narrativas convenientes», para convencer os outros de que temos razão, que estamos na linha justa, etc. 

É necessário compreender que a revolução industrial continua, que ela não parou: não é como um comboio que parte dum ponto, para chegar à estação de destino final. A revolução industrial tem vários episódios, continua a modificar a infraestrutura produtiva, a transformar as relações sociais, a condicionar a vida das nações e dos indivíduos e (como epifenómeno) segrega ideologias, as quais são uma espécie de «secreção» que o tecido social produz, enquanto este vai sofrendo inúmeras micro transformações.

A outra grande revolução na história da humanidade, é a revolução agrária. Ela dura desde há cerca de 10 mil anos. No presente, também continua e as suas transformações estão interligadas com as transformações da revolução industrial. Talvez, um dia escreva sobre a revolução agrária. De qualquer maneira, está tão ligada com as primeiras civilizações, que seria necessário compulsar um número impressionante de dados, só para darmos conta da origem e do desenvolvimento desta revolução agrária. É como fazer a história da humanidade, excetuando o longo período paleolítico.

Não poderei pretender mais, neste pequeno texto, do que delinear as questões teóricas em relação com o conceito de revolução e expressar estranheza, perante a «cegueira voluntária» dos que se assumem como sábios, como sabendo em profundidade as coisas, mas que cometem as mais grosseiras falhas de lógica, de bom-senso, para já não falar de método científico. Não poderei convencer tais  indivíduos de que estão errados. Estão numa esfera do tipo crença religiosa, dentro dos seus casulos mentais, sem nenhuma abertura para a realidade... 

Assim constatei, em vários, ao longo da minha vida. Felizmente, existem espíritos mais abertos, que conseguiram aperceber-se das falsidades que lhes andaram a contar durante boa parte da sua vida. 

Mas, aos outros, que não estejam vinculados às falsas religiões das ideologias, digo-lhes: - Vejam este escrito como chamada de atenção e um apelo ao vosso espírito crítico. Não é por algo ser crença de muita gente à vossa volta, que isso é «verdade», nem tão pouco, que seja a verdade a versão oficial, canónica da História, ensinada desde a escola primária, à universidade! 

Eu não pretendo ser detentor da verdade. Apenas tento equacionar os dados do problema ... claro que posso também me enganar. Porém, espero que o meu comportamento desinibido desencadeie nalguns o desejo de inquirir estes assuntos por eles próprios.

quarta-feira, 6 de setembro de 2023

O QUE É O ROMANTISMO?

Aqui, não vos irei falar sobre a infinidade de sentidos que é dada à expressão ou a forma como o público, em geral, avalia qualquer obra como sendo «romântica» ou não. Isso terá pouco interesse, se não se compreender previamente a existência de um movimento dentro da História, que é simultaneamente estético, político e filosófico.

É esse movimento romântico que me interessa: o que  foi assim designado por críticos contemporâneos ou posteriores, ao movimento sobre o qual escreveram.

Muito haveria a escrever sobre as componentes que o caracterizam - a estética, a política e a filosofia. Estão entrançadas de tal modo que, ao distingui-las, devemos ter em mente que isso se deve antes a conveniência na exposição, pois se misturarmos os aspetos, acabamos por não clarificar nada sobre as várias facetas do movimento.

A definição de romantismo poderia dá-la  sintetizando definições de dicionários; mas estou convicto que essas definições «congelam» ideias, causam a sua cristalização, tanto na mente de quem escreve como de que lê.

É inegável a ligação do romantismo com algumas ideias que «andavam no ar», nos finais do século XVIII: A ideologia liberal, na sua formulação primeira, a da Declaração de Independência dos Estados Unidos. A filosofia dialética de Hegel, a filosofia da Natureza de Goethe e de muitos mais. Nota-se a emancipação da Escolástica medieval. Embora o ser humano ainda seja colocado no centro da Criação, não é um «pedaço de argila moldado por Deus», antes o construtor de si próprio, da sua própria vida, do seu devir. Num tempo em que as estruturas do passado se desmoronam, a realeza absoluta, a Igreja da Inquisição, a família patriarcal, começo de emancipação da mulher (somente na aristocracia e na burguesia), tendência a acabar o regime de monopólio e privilégio das companhias de comércio, protegidas pelo poder real, levando à entrada de vários atores no mercado. Tudo isso, tinha relação com um dos pilares da nova visão do Homem enquanto indivíduo, um ser dotado de inteligência, sensibilidade e senso moral: ele não podia já ser tratado como mera criança, obrigado a aceitar como as únicas ideias «legítimas», as que lhe impunham os padres, os reis e os nobres. A descoberta doutros mundos, para além do Velho Mundo, da Europa, Ásia e África, implicava relativizar ou por francamente em causa «certezas» ensinadas e reproduzidas em austeros tratados, nas Universidades europeias. O saber deixou de estar limitado à elite universitária e eclesiástica, com a nova dimensão do saber técnico, o saber-fazer. Pense-se nos saberes associados à navegação: a geografia, a cartografia, as técnicas de construção de navios, a descoberta e descrição de novas espécies vegetais e animais, nos continentes explorados pelos europeus. Nos dois séculos anteriores ao século XIX, houve um constante alargar dos horizontes. Foi, propriamente, o início da revolução científica e técnica. Esta revolução não foi política, ou não teve como motivação substituir a ordem política vigente. Os reis e os poderosos encorajavam as expedições longínquas, acolhendo os novos dados científicos que delas resultavam, com a mesma abertura com que acolhiam novas trocas comerciais.

Foi assim nascendo a ideia do ser humano enquanto indivíduo. Não que dantes não existisse uma tal noção. Mas, de uma forma ou doutra, ela esteve subordinada ao coletivo: o povo, a pátria, a pertença ao reino, à zona geográfica, à profissão (as corporações de ofícios). O homem do século XVIII/XIX ainda continua conectado a essas realidades, que moldam o seu destino. Mas, aquilo que muda, é a ênfase: o essencial, já não é a proveniência do indivíduo, a sua classe de origem ou a sua pertença a tal ou tal reino.

Na música, no teatro, na pintura e escultura, as sociedades aceitam o cosmopolitismo dos artistas e até o encorajam. Por exemplo, a corte do rei D. João V de Portugal, que beneficiou das muitas riquezas das colónias, em particular do Brasil, estava repleta de estrangeiros, músicos, artistas plásticos, cientistas, etc. na sua maioria, italianos.

A ênfase tornou-se mais política, a partir da Revolução Francesa. O cidadão, era aquele individuo que aderia ao projeto revolucionário. Assim, houve deputados polacos, irlandeses e alemães à Convenção da França revolucionária. Eram homens que se tinham identificado com a causa revolucionária; eram legitimamente membros deste corpo representativo. Note-se que, mais tarde, esta noção política de cidadania foi instrumentalizada por Napoleão: Em todas as suas campanhas militares utilizou estrangeiros (regimentos de irlandeses, de polacos, de suíços, de alemães), completamente subordinados ao poder imperial. 

Na literatura, a grande revolução foi o dar-se primazia ao indivíduo, através da exposição dos sentimentos: Rousseau (Confessions), Goethe (Werther) etc. 
Na música, o cânon clássico representado por Haydn e outros músicos, foi destronado a favor do romantismo nascente, correspondente ao movimento literário «Sturm und Drang» (Tempestade e Ímpeto).  
A crítica foi muito negativa, na estreia da  3ª Sinfonia de Beethoven.  Porém, a nova estética acabou por triunfar. Os músicos românticos, após a morte de Beethoven, foram célebres: Mendelssohn, Schubert, Liszt, Chopin, Berlioz, etc. A estes, seguiu-se uma segunda e uma terceira vaga. Na época do romantismo ascendente não são produzidas peças «delico-doces», associadas pelo público à expressão música romântica. A ideia do romantismo como música «lamecha» e com falta de imaginação, tem origem na utilização de fórmulas, por pessoas sem talento, mas que se atreviam a compor.
A música e a poesia romântica vão de par com uma sensibilidade emancipatória, envolvendo as determinantes nacionais e sociais.
 
Os heróis românticos não dependiam senão do seu destino. O seu devir era moldado por suas características psicológicas; pela sua capacidade em amar, o seu sentido do dever, a sua determinação. Também existe a imagem estereotipada do herói/heroína que sucumbe ao destino trágico: Eles lutam até ao limite de suas forças. São vencidos, mas não resignados. 
Mesmo a vertente «negra» do romantismo (ver poema de Baudelaire, abaixo*),  não implica uma renúncia ao bem ou ao que há de saudável nos humanos e na sociedade. Se Baudelaire adota, nalguns poemas, uma pose «decadentista» ou mesmo «satânica», isso deve-se, sobretudo, à sua condição pessoal: ele sofre, mas não aceita esse sofrimento com resignação. A revolta é percetível, em muitos dos seus poemas.

                       Foto de Charles Baudelaire, por Nadar

*
Charles BAUDELAIRE
1821 - 1867

Épigraphe pour un livre condamné

Lecteur paisible et bucolique,
Sobre et naïf homme de bien,
Jette ce livre saturnien,
Orgiaque et mélancolique.

Si tu n'as fait ta rhétorique
Chez Satan, le rusé doyen,
Jette ! tu n'y comprendrais rien,
Ou tu me croirais hystérique.

Mais si, sans se laisser charmer,
Ton oeil sait plonger dans les gouffres,
Lis-moi, pour apprendre à m'aimer ;

Ame curieuse qui souffres
Et vas cherchant ton paradis,
Plains-moi !... sinon, je te maudis !

terça-feira, 11 de abril de 2023

O QUE SIGNIFICA «REVOLUÇÃO»?

 Revolução é uma das palavras mais ambíguas do vocabulário. Ela é usada a torto e a direito, desde políticos, propagandistas, ideólogos, até mesmo historiadores. Na realidade, eu penso que existe uma indefinição semântica que só permite manter a ambiguidade e é disso que vivem todos os oportunismos.

Como ninguém tem a propriedade da língua e ainda menos da sua utilização, o que posso eu criticar, afinal? Seria legítima esta  autocrítica, se eu ficasse por aqui. Porém, irei mais fundo, pois este tema é dos mais estimulantes. Creio que - para um pensamento crítico e com verdadeiro substrato filosófico - é preciso fazer um ponto prévio, já aqui feito noutros textos, de que a língua humana é capaz de preencher muitas funções, simultaneamente. Se não tivermos atenção ao contexto e a outros fatores, arriscamo-nos a cair como preza dum locutor pouco escrupuloso com as palavras que utiliza.  

A muitos, parecerá uma preocupação excessiva com as palavras e o seu significado. Mas, eu verifico que a propaganda, usada constantemente por Estados, governos, partidos e outras instâncias segregadoras de ideologias, tem o (mau) hábito de dar «nomes», que não correspondem à descrição clássica dos mesmos.  E não faz isso por acaso!

Estudando a História, verifico que -  em ocasiões de rutura de paradigma - aparecem muitas pessoas a reivindicar a qualidade de revolucionários.  Muitas pessoas são levadas a fazer tomadas de posição, de que se envergonham mais tarde, caso tenham um mínimo espírito autocrítico. 

Não deveríamos cair nas garras dos demagogos: Eles são tais como aqueles vendedores, que antes iam de porta em porta, agora estão no écran do «smartphone, ou tv ou doutro meio eletrónico. No caso dos comerciais, podemos acabar por comprar algo de que realmente não precisamos; mas, no caso dos demagogos de todas as cores e feitios, é muito pior: podem vender-te a guerra, como sendo o caminho para a «paz», a espoliação dos países e povos mais empobrecidos, como a sua «libertação» ou «emancipação» e por aí adiante! Reparem como o célebre romance 1984, de Orwell caracteriza o estado totalitário. Ele descreve a inversão e transformação radical da língua, a «novilíngua» e a erradicação do passado («quem domina o passado, domina o presente e quem domina o presente, domina o futuro»). Além disso, havia uma total ausência de propósito estratégico, nas sucessivas guerras que Oceânia e Eurásia se faziam, assim como na inversão das alianças, sem lógica compreensível. 

Não «ressoa» isto com situações* que se estão a passar, importantes e muito reais, mas que nós - desde os mais «bem» informados, aos que estão totalmente desfasados - não compreendemos? Todos, estamos na ignorância do que será o futuro. O futuro, querem-no definir alguns megalómanos, como Klaus Schwab, que - com certeza - estudou Lenine e Mao, entre outros. 

Na nossa ingenuidade, de forma implícita e explícita, estamos sempre a «dar crédito» (= a acreditar) aos indivíduos que pronunciam belas palavras e frases, que ressoam com os nossos sentimentos, convicções, ideologias... É assim que se consegue a adesão ou a simpatia de pessoas pouco ginasticadas na análise crítica, ou seja, que confundem a palavra com o ato: ora, esta distinção é fundamental para se perceber o mundo dos homens. No campo da política, são inúmeros os exemplos dos que se apresentam aos eleitores como defensores disto e daquilo, quando na verdade, o que querem é simplesmente arrebanhar votos e consciências, para levar a cabo suas ambições de poder. 

Os típicos demagogos, os políticos com maior ambição e portanto com mais probabilidade de alcançar lugares cimeiros são aqueles que dominam perfeitamente o código dos sentimentos humanos, das paixões. Isto porque como dizia  Robert A. Heinlein, um grande autor de Ficção Científica: «os humanos não são seres racionais; mas racionalizadores». Isto aplica-se a todas as atividades humanas. Em particular, à governação e a «conduzir as massas», a liderar as «revoluções». Trata-se da técnica de pôr as pessoas a fazerem exatamente o contrário do que seriam os seus interesses, os seus sentimentos genuínos. Mas de as levar a isso, convencidas de que estão a fazê-lo para o «bem», para «o interesse coletivo», etc.  

Não é preciso o leitor estar equipado em permanência com um dicionário enciclopédico, para conseguir descortinar a profusão de sentidos da palavra «revolução», quando está a ser pronunciada ou escrita por alguém. O «segredo» é simplesmente não dar atenção exclusiva ao que essa pessoa diz ou escreve, mas antes, qual é a coerência entre o seu discurso, a sua narrativa e os seus atos concretos, neste momento e no passado. 

Pense neste exemplo: Seria ridículo um ator de cinema, de teatro ou de ópera, ser tomado como alguém deveras convencido do que diz, ou representa. Assim, o talento de ator/atriz está em fazer-nos crer que ele/ela não está a representar. De outro modo, o seu desempenho soa a «falso». É o mesmo com o mundo da política, da ideologia, de «pensadores» e «fazedores de opinião». 

Não pretendo anunciar nada de novo. Basta lembrar o provérbio, que existe em várias versões, em várias línguas, mas dizendo o mesmo: «Não sejas como Frei TOMÁS, FAZ O QUE ELE DIZ E NÃO O QUE ELE FAZ!» 

Tome-se o provérbio acima como critério, é um bom instrumento para evitarmos ser enganados. Por exemplo, na vida real encontramo-nos com um sujeito; ele apresenta-se e fala connosco sobre diversos assuntos. Após algum tempo, descobrimos que esse sujeito estava a «fazer teatro»; na realidade, ele omitiu muitas coisas, inventou outras, provavelmente com o intuito de nos induzir a fazer qualquer coisa (no interesse dele, não no nosso!). É quase impossível não se ter encontrado um tipo de pessoa assim; pode-se ter encontrado, e não se ter percebido o que ele queria realmente. 

Quanto a mim, se alguém fala de revolução, eu quero saber desde logo:

- Para quê, para que fim, com que objetivo(s) de longo alcance

- Como, ou seja, que meios serão necessários para levar a cabo essa transformação

- E quais os protagonistas: Será um grupo de revolucionários treinados? Se diz que é uma «multidão», ou é pouco inteligente, ou pensa que nós somos pouco inteligentes...

No caso em que eu fique esclarecido dos três pontos acima, depois quero ver, na prática, como agem essas pessoas que se reclamam de um objetivo «revolucionário». Pois é infinitamente mais fácil traçar um programa revolucionário, do que levá-lo a cabo. E, mais fácil proclamar os princípios, do que fazer com que todos ajam de acordo com esses mesmos princípios. Não é por um certo número de indivíduos ter uma fixação obsessiva, uma «mística» revolucionária, que estes indivíduos são realmente revolucionários! 

Certamente, outras pessoas podem ter abordagens melhores que a minha. Gostava de ler as opiniões dos leitores. Se noutra língua, que não o português, podem ser escritas na língua original e traduzidas pelo app- tradutor, que se encontra no lado direito desta página. 

Muito obrigado!

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(*) Um exemplo claro de ocultação de responsabilidades, pelos media ocidentais, é o caso Nordstream, leia: 

https://www.unz.com/jcook/why-the-media-dont-want-to-know-the-truth-about-the-nord-stream-blasts/

sexta-feira, 2 de dezembro de 2022

[BYUNG CHUL-HAN] A REVOLUÇÃO IMPOSSÍVEL?


 A exposição animada resumindo o livro, feita por Claudio Alvarez Teran, talvez deixe de fora aspetos essenciais ou dê um enfoque demasiado subjetivo do mesmo. Não sei, porque não li (ainda) esta obra de Byung Chul-Han. 
Agora, aquilo  que posso dizer, se compreendi realmente a essência da obra, é que ela é uma aposta. No futuro próximo se verá. Eu temo que Byung Chul-Han tenha razão, no curto prazo: 
- Uma dominação cada vez mais aprofundada do neoliberalismo, entranhando-se nos nossos neurónios, como se fosse uma droga, não é uma ficção científica distópica. 
Basta olhar criticamente à nossa volta e vermos a quantidade de pessoas alheadas de qualquer coisa que saia um pouco fora dos seus interesses imediatos. 
Um entorno de pessoas egoístas, complacentes consigo próprias, mas intransigentes em relação aos outros, é o mais vulgar padrão de comportamento com que me tenho deparado, em múltiplas situações. 
As pessoas despertas para os outros, atentas, dispostas a ajudar, não por interesse mesquinho (esperando recompensa) mas  por genuína empatia ou solidariedade, pelo contrário, é o que eu encontro de mais raro. 
Assim a revolução que faz falta, não é a revolução contra o indivíduo da outra classe social, que supostamente nos oprime, pois este indivíduo foi instrumentalizado por forças poderosas que o moldaram e deformaram. 
Ele não  está menos alienado do que o operário, só que o está diferentemente. A alienação é geral, a alienação é o conceito-chave, quanto a mim. 

Vivemos num sistema que mata o humano, em que a própria palavra humanismo não é compreendida, pelo menos em sentido filosófico, mas é confundida com uma atitude de falsa compaixão, de falso amor pelo próximo. 

Para o sistema capitalista atual, não lhe chega dobrar os humanos ás exigências da produção e do lucro. Isso era o que o capitalismo industrial exigia das pessoas: Fora das horas de escravidão assalariada, o proletário podia ocupar-se do que quisesse, tal não entrava nas preocupações do capitalista. 

Hoje em dia, o proletário tem de estar inteiramente submetido através da internet, com disponibilidade para qualquer tarefa a que decidam submetê-lo, controlado via «smartphones», «tablets» ou «laptops». 

A sua escravidão já não é só física e limitada no tempo; também é uma prisão mental, emotiva e perpétua. Nesta barbárie civilizada, os grilhões que encadeiam todos não são visíveis. São mais poderosos que as sedas de que são feitas as teias de aranha. Estas últimas são fios muito finos, mas muito resistentes e elásticos. 

Quanto ao proletário moderno (não importa que seja «rico», ou «médio», ou «pobre») está enterrado no inextricável novelo de «teias de aranhas virtuais», ou seja, de sujeições das quais -mesmo que quisesse - não poderia escapar-se. 

O homem (ou mulher) rico/a (no sentido de possuindo plenitude) da nossa época, será aquele/a que tem liberdade de se mover, de se determinar, por si próprio/a; mas não em função desta teia invisível. Ele/a determina-se por outros parâmetros. 

Quanto à satisfação dos desejos, por si só, não é marca de verdadeira emancipação. A sociedade tentacular adora encerrar as pessoas através de seus desejos, para melhor as dominar. 

O ser livre está consciente da degradação da psique humana, do abaixamento dos padrões éticos e morais. Este ser, embora dificilmente, tenta encontrar as pontas dos novelos em que os outros estão enovelados, para lhes indicar a saída do labirinto, não para os acorrentar ainda mais. 

No fundo, o desejo de liberdade e de plenitude (chamemos pelo nome que quisermos: Amor, Deus ... etc.) não pode ser erradicado, está presente em todos os humanos. Eles - os que se especializaram em controlar a psique das pessoas - sabem isso; por isso temem, mais que tudo, aquilo que seja do âmbito espiritual. 

A sociedade contemporânea é caracterizada pelo seu materialismo, hedonismo e egoísmo generalizados. Nada disso obedece a uma procura de ideal, de elevação, de nobreza do coração.   

Se esta fase não desembocar na completa destruição dos humanos e do ecossistema global planetário, a época que virá será a do renovo da humanidade, a que podemos chamar de «comunismo». Um comunismo liberto da falsa e presunçosa gana de domínio, de poder sobre os outros. 

O verdadeiro comunismo está em embrião nas várias tradições dos povos (práticas comunitárias, cultos religiosos, formas de arte), mas ainda não alcançou o grau de consciência global necessário para que exista na realidade social.

segunda-feira, 22 de agosto de 2022

THE ANIMALS E OS ANOS 60

Os britânicos «The Animals» são um marco inesquecível dos anos 60. Em homenagem ao grupo e seus membros, deixo aqui 40 canções:


               https://www.youtube.com/playlist?list=PLUv1WgIwP9IORf7pGl2Et34u40666iOQs

Nestes anos, os jovens eram revolucionários:  Ocuparam fábricas e faculdades, puseram em cheque as políticas repressivas, não tiveram medo de enfrentar tanto a repressão policial, como a repressão burocrática. 

Nos anos 60 passaram-se muitas coisas que eu não imagino possíveis na atualidade. Pelo menos, nos países ditos «ocidentais».  

Era assim, nos anos 60, à beira da revolução que acabou por não acontecer no plano político, mas foi bem sucedida na sociedade civil:

LIBERTAÇÃO SEXUAL, LUTA AUTÓNOMA DAS MINORIAS OPRIMIDAS, LUTA ANTI-COLONIAL E ANTI-IMPERIALISTA, SOCIALISMO NÃO-BUROCRÁTICO.

https://www.youtube.com/playlist?list=PLUv1WgIwP9IORf7pGl2Et34u40666iOQs


sexta-feira, 26 de novembro de 2021

[Portugal 1974-75] COMO SE DESFAZ UMA REVOLUÇÃO

                                                                           Cartaz de Helena Vieira da Silva 

Como se desmonta uma revolução peça por peça 

Para a história do pós 25 de Abril

É talvez mais difícil do que parece, efetuar um trabalho de reflexão e análise sobre acontecimentos históricos, sociais e políticos, nos quais se participou. Isto é válido, tanto para os que participaram ao nível de atores principais, como para os figurantes: pela simples razão que a sua subjetividade está presente em todas as suas recordações (boas e más), associadas nas suas mentes, aos acontecimentos e à época que pretendem retratar. Por isso, irei abordar o assunto ao nível das generalidades e não me debruçarei explicitamente sobre episódios em que participei, de que fui testemunha ou de que tive conhecimento mais ou menos direto.
Mas estou convicto que ser verdadeiro é honrar devidamente o povo anónimo e as conhecidas figuras, que participaram nesta revolução. Isto tem o significado para mim, de fazer - tanto quanto possível - a correta avaliação das forças em presença, do que estava em jogo, do real, e não ficcionado, desenrolar dos acontecimentos, dos erros cometidos de parte a parte.
Infelizmente, muitos dos que escrevem sobre acontecimentos nos quais estiveram envolvidos, costumam omitir ou distorcer o seu papel pessoal, ou das forças nas quais estavam integrados. Por esse motivo, os seus testemunhos têm de ser vistos sempre criticamente, mesmo se tiverem a nossa simpatia.
Os movimentos revolucionários emancipatórios que se desenrolaram nos vários países e continentes, nas várias épocas que nos é dado estudar através da História, têm - a meu ver - a característica de enormes fracassos: ou porque falharam e resultaram em banhos de sangue, ou porque, aparentemente triunfantes, degeneraram em regimes cuja prática está no polo oposto daquilo que os revolucionários da primeira hora defendiam. A revolução bolchevique foi um fracasso, a revolução maoista, idem. Nestas, como em muitas outras, a edificação do poder decorrente, veio colocar uma chapa suplementar «em nome do povo», sobre as opressões multiseculares que estes povos sofriam.
Portanto, as «revoluções triunfantes» têm sido, quase sempre, triunfantes pela burocracia e sobre os desapossados, os desclassificados. O facto de institucionalizarem um ritual, uma doutrina, uma verdade de Estado sobre os acontecimentos históricos, sobre os seus desenvolvimentos e significados, é uma mordaça suplementar, que colocam a eventuais críticos que possam surgir nas suas fileiras. Estão assim a designá-los – a priori - como contrarrevolucionários, ou como traidores à causa do povo.
Diria que é uma tragédia mais, a adicionar à tragédia concreta destes eventos históricos designados por «revolução», o facto de que nem os protagonistas, nem as gerações seguintes, aprendem algo de substancial com eles. Isso é assim, em grande parte, porque tais acontecimentos foram usados como argumento, como «demonstração», pelas várias correntes, sejam elas revolucionárias, ou antirrevolucionárias. Os relatos históricos nunca são neutros, sabemo-lo bem mas, no caso destes episódios, carregados de significado ideológico, dá-se a sua transformação precoce em narrativas míticas. É quase inevitável que assim seja. Sobretudo, se nos limitarmos às narrativas da história oficial, ou oficiosa. A estas, aplica-se a expressão de que «a história é escrita pelos vencedores». Porém, não chega haver uma «contra-história», produzida, cultivada e difundida em círculos reduzidos, para que a situação possa inverter-se.
Perante esta situação, qual será a atitude possível, tanto do ponto de vista da ética, como duma prática de mudança?
- Os que se assumiram do lado da revolução, deveriam perguntar a si próprios porque falharam. Mas, a sério: Não tentando aliviar culpas, não procurando atenuantes, embora sem fazer disso um exercício de autoflagelação. Isto não é simples de se fazer, mas é possível, no entanto. É um caminho que implica o pôr-se em causa as certezas e preconceitos. Mas, sobretudo, implica aceitar-se que as premissas que levaram os protagonistas a agir de tal ou tal maneira, estavam erradas.
É frequente as pessoas que estiveram envolvidas nos acontecimentos do 25 de Abril e posteriores, reconhecerem que existiu sectarismo. É tempo de se despirem desse sectarismo. Só o podem fazer, se aceitarem que estavam imbuídas de preconceitos: o preconceito do vanguardismo, a convicção da verdade «infalível» e «científica» da teoria marxista-leninista; a ideia de que tudo o que não estivesse de acordo com seus pontos de vista, era «reacionário», «contrarrevolucionário»; a ideia da inevitabilidade e da irreversibilidade do «caminho para o socialismo».
Enfim, existiram tantos erros fundamentais, que o resultado prático foi os «revolucionários» comportarem-se de um modo irrealista, reflexo de um pensamento totalmente alienado. Uma tal situação só podia dar naquilo que deu. Só podia resultar no triunfo das forças moderadas e antirrevolucionárias. Porque o povo, a maioria não arregimentada no ideário marxista, percebia que o estavam a levar para um beco ou para uma catástrofe.
As pessoas realmente revolucionárias devem reconhecer que estiveram erradas. Pois, se não percebem o erro, a sua natureza, sua extensão e gravidade, vão persistir nele. Os intoxicados com a sua própria ideologia são como drogados: Estes julgam estar perfeitamente capazes de dominar, de «controlar» a droga, quando é exatamente o contrário. As pessoas imbuídas de ideologias também se julgam muito sábias, muito capazes de compreender o mundo, graças à ideologia que lhes daria a chave de tudo. Como indica o próprio nome «ideologia», é um sistema de ideias que se sobrepõe ao real. As ideologias são sempre ilusórias; não são a realidade, não são a ciência. São apenas discurso de ideias.
É preciso colocar as coisas no devido pé: A ideologia é uma inversão da realidade. É uma miragem, uma ilusão de ótica, que mantém os indivíduos enganados. É costume pensar-se que as pessoas são impelidas a agir por causa de suas ideias, ou que atuam sob influência de certas ideias. Porém, não são «as ideias que os guiam para a ação», é antes o oposto. O resultado da ação é que exerce um papel significativo, transformativo, nas ideias e sentimentos das pessoas envolvidas em determinados acontecimentos.
A única possibilidade de se teorizar, seja no que for, é sempre a posteriori: Primeiro vem o fenómeno, depois vem a teoria. Os que se dizem marxistas, muitas vezes põem a teoria à frente, a «guiar» a práxis. Eu penso que alguém mergulhado na ciência, se colocará antes na postura inversa, de testar a teoria: perante a práxis e seus resultados, muda-se o que se deve mudar, na teoria.
Os revolucionários, tal como os estrategas militares, que estudam as táticas e estratégias da última guerra, costumam estudar a(s) revolução/ões passada(s). Isto não lhes dá nenhum guião sobre como conduzir-se na revolução seguinte. Mas, ao menos, o seu estudo inteligente poderá impedi-los de cair exatamente nos mesmos erros, ou parecidos. Isto já é alguma coisa.
A crítica e autocrítica não deveria ser vista como exercício para determinar qual ou quais seguem a linha justa ou quais «são oportunistas e revisionistas» (os «inimigos» interiores). Esta paranoia é uma doença crónica que tem servido para esfacelar organizações revolucionárias.
Enfim, um espírito aberto, o mais amplo possível, é necessário. Não se pode ter certezas definitivas nenhumas. Há pessoas que invocam a torto e a direito a «ciência», sem saberem que a ciência nunca prova nada, apenas fornece hipóteses. Estas hipóteses são consideradas válidas como aproximações da realidade, até vir um facto, ou conjunto de factos, que as invalida. Portanto, a modéstia e a humildade deveriam proibir os revolucionários de chamar a suas teses de «científicas» e, muito menos, de «cientificamente provadas».
Eu baseio-me neste princípio, tanto nas ciências naturais, como nas ciências humanas, na história e na sociologia. Se determinado evento correu desta maneira, e não como nós desejávamos ou esperávamos, é porque a análise feita na altura estava equivocada, a um ou outro nível. A modéstia e inteligência consistem em ver os nossos erros, não atirando culpas para a maldade do inimigo, a traição de aliados ou a imaturidade do povo, tudo argumentos que tenho me cansado de ouvir, até em bocas ilustres. Tais falsos argumentos são apenas autoilusão, sacudir água do capote.
O período do «PREC» («Processo Revolucionário em Curso»), foi marcado pelo florescimento da liberdade e pela aprendizagem da política mas, igualmente, por radicalismos e visões marcadamente ideologizadas da sociedade portuguesa. Só quem esteve por dentro do torvelinho nesse período,  compreenderá como ele pôde, em breve sucessão, suscitar uma enorme vaga de esperança e uma profunda deceção.
Penso que não sou o primeiro a considerar que o 25 de Abril foi a última revolução leninista na Europa, ou no «Ocidente». É verdade que uma parte dos jovens, fossem eles trabalhadores, estudantes ou soldados, estavam influenciados pela ideologia marxista-leninista, não só veiculada pelo PCP, como por grupos esquerdistas que, também em Portugal, apesar da repressão, se tinham desenvolvido após o Maio de 68. Esta «sacudidela revolucionária», cujo epicentro foi em França, teve repercussão internacional e desencadeou, por sua vez, movimentações em muitos outros países.
A guerra colonial arrastava-se, sem outra perspetiva que a humilhante derrota à vista. Isto era a convicção, não apenas dos «capitães de Abril», como de todas as pessoas que refletiam. Este facto, conjugado com o congelamento das «reformas» de Marcelo Caetano (o sucessor de Salazar), assim como a crise social e industrial, que empurrava cada vez maior número de jovens para a emigração, eram causas de descontentamento e de radicalização específicas da situação portuguesa.
Precisamos de ouvir historiadores sérios, quaisquer que sejam os seus pontos de vista, que se debrucem em profundidade sobre o período entre o 25 de Abril de 74 e o 25 de Novembro de 75 (o «PREC»). Precisamos de confrontar os vários pontos de vista. Devemos ponderar as análises, face a dados objetiváveis, de que possamos dispor.
Não creio que este tão rico momento da História de Portugal esteja suficientemente estudado. Sobretudo, falta debater serenamente, não «a favor ou contra» as correntes políticas intervenientes, mas antes a génese e dinâmica do processo. 
É uma lacuna que se deveria colmatar agora, que se aproximam os 50 anos do 25 de Abril de 74 e estando vivos muitos protagonistas dessa época, que podem dar o seu testemunho. Não creio que as jovens gerações, que não viveram esse período, possam compreender o Portugal contemporâneo, se os mantêm na ignorância, disfarçada por alguns clichés, sobre o pós 25 de Abril, sobretudo o período dito revolucionário. Porém, é certamente uma chave necessária para se compreender a evolução da sociedade portuguesa, de 1974 até à atualidade.


sexta-feira, 25 de outubro de 2019

OLHANDO O MUNDO DA MINHA JANELA (IV)

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Ver parte I aqui / parte II aqui / parte III aqui

ESTAMOS NUM MOMENTO DE VIRAGEM, NO DOMÍNIO MUNDIAL.

A possibilidade técnica do Império ganhar uma guerra, seja com «botas no terreno» (Síria) seja através de seus mercenários (Afeganistão) ou guerras por procuração (Arábia Saudita no Iémene) está completamente posta em causa.

A existência de um aparato militar pesado, que consome uma parte enorme do orçamento americano e dos seus aliados, torna impossível a tarefa aos EUA e aliados, de manterem a hegemonia, que implica aguentarem o esforço constante de renovação do armamento e de equipamentos diversos, face a competidores capazes de produzir armas de grande precisão e superiores às do Império. Além disso, esses países estão em expansão económica, enquanto os países na órbita do Império, estão em estagnação ou em recessão. Isto é um facto, mesmo que seja negado pelas estatísticas falsificadas e pela media mercenária.

Do ponto de vista económico, os bancos centrais ocidentais têm levado a cabo uma série de medidas, não apenas «pouco ortodoxas», mas que resultam em fracasso completo, com um crescimento económico «a fingir», com repercussões no muito curto prazo, além de terem produzido montantes de dívida monstruosos, não digeríveis, nem pelas actuais gerações, nem pelas próximas.

A falência do modelo neo-keynesiano pode medir-se pela constante erosão das garantias de que os menos afortunados têm beneficiado, mesmo no próprio coração do Império. Países como os EUA, o Reino Unido, a França, a Alemanha, etc., considerados países ricos, proporcionavam às suas populações níveis elevados de bem-estar (Welfare State). São estes, agora, os pontos do globo onde se nota maior crescimento da miséria, dos sem abrigo, do alcoolismo, de suicídios; tudo isto, em paralelo com a constante perda dos direitos sociais nas últimas três décadas e uma ausência de futuro para as jovens gerações.

A oligarquia, no momento presente, já percebeu que tem de inventar qualquer coisa para ir aguentando, para manter - a todo o custo - a ilusão de que «não há alternativa». Porém, o contraste com outras paragens constitui uma permanente e humilhante negação das suas falaciosas «verdades»: Falo da construção da poderosa e diversificada rede de comércio internacional (OBOR =«One Belt, One Road»), que eles tentaram em vão inviabilizar, para depois - também em vão - dissuadirem de aderir, os países sujeitos ao domínio neo-colonial .

Claro que ainda têm uma parte importante do mundo nas suas garras. Mas, mesmo estas zonas escapam ao seu controlo; ultimamente, eclodiram revoltas no Chile e no Equador. Quanto ao processo de paz em curso no Médio Oriente, os americanos ficaram relegados para um canto, sendo a Rússia de Putin a dar as cartas, como interlocutor capaz de aplanar caminhos para a resolução dos conflitos na Síria e no Iémene.

Quanto à União Europeia, os seus dirigentes deviam ser processados e condenados por tudo o que têm feito no Médio Oriente. Mas os dirigentes nunca fazem «mea culpa». Os povos é que têm de arcar com as consequências da falta de visão estratégica dos líderes.

Pelo menos, em França, isto já não se passa exactamente assim: A revolta dos «gilets jaunes» responde à arrogância do poder, não ainda com a mudança desejada, mas - pelo menos- com um movimento de amplitude suficiente para desmascarar quem fala em «consensos» na sociedade francesa.

O agravamento das condições económicas vai acelerar o processo de deslegitimação da oligarquia. Com a Alemanha a entrar em recessão, observam-se vagas de despedimentos aos milhares, nos sectores automóvel, da metalurgia e outros, que irão desencadear novas ondas. Muitas pequenas e médias empresas sub-contratantes estão ameaçadas. Se a Alemanha é o motor económico da UE, logicamente, vai haver um efeito em toda a zona, a própria economia mundial ficará profundamente afectada, devido ao lugar que nela desempenham a Alemanha e a UE.

A viragem para uma economia centrada no consumo interno, e já não tanto na exportação, prossegue na China, o que tem originado menor crescimento económico, fenómeno que pode ser transitório, ou não. Aos valores altíssimos de crescimento das economias na Europa ocidental, nos anos do imediato pós II Guerra Mundial, sucedeu a progressiva diminuição, até ao ponto de que hoje existe uma contracção do PIB real, em vários países.

Estando o crescimento do PIB, sem dúvida, ligado ao crescimento da população, as economias com saldo populacional positivo vão continuar a crescer, enquanto os países industrializados (Europa, América do Norte, Japão...) irão estagnar ou regredir. 
A China está agora a começar a sentir o efeito de duas décadas de política de filho único (1980-2000), com o envelhecimento e a impossibilidade de substituição das actuais gerações de activos.
Nos países ocidentais, o envelhecimento populacional e a não substituição das gerações, devido a uma natalidade demasiado fraca, já eram fenómenos perfeitamente previsíveis, há muitos anos. Porém, a visão curta e centrada no lucro, tem impedido, nestes países, as transformações económicas e sociais necessárias. Seria preciso uma total mudança de paradigma, quer em termos de trabalho (menos horas de trabalho, distribuição do trabalho pelas pessoas), quer de recursos sociais colectivos (a segurança social, as estruturas da saúde, da educação, etc...). Mas, nenhuma política séria foi até agora ensaiada, face a esta mutação demográfica.

Parafraseando Paul Valéry, digo que todos os impérios têm um fim, todos são mortais. Agora, é a vez do Império dos EUA.
Já vimos isto - na História - com a decadência, até ao estertor final, do Império Romano. Outros impérios sofreram processos análogos; todos eles nos podem dar exemplos semelhantes. A escala do Império dos EUA será mais vasta, mas as etapas fundamentais são as mesmas.
Por exemplo, também o Império Romano decadente produziu dinheiro que valia cada vez menos, por ter cada vez menor percentagem de prata. Hoje em dia, a impressão monetária desenfreada - levada a cabo por quase todos os grandes bancos centrais - faz o mesmo, só que na modalidade digital: o seu efeito prático é de diminuir o valor real da moeda, mantendo seu valor nominal.

Verificam-se agora - como então - a multiplicação de cultos estranhos e de seitas obscuras, a decadência total da moral, sobretudo na classe oligárquica, com suas práticas pedófilas e satânicas. O escândalo de Jeffrey Epstein foi convenientemente abafado, com o «suicídio» deste fornecedor de crianças para pedófilos bilionários e seus lacaios da política.

Efeito imprevisível, nos primeiros tempos da Internet: o potencial de indignação e de revolta das massas não foi multiplicado, pois a Internet, mais ainda que a TV (a «droga» da geração anterior) manipulada pelos interesses poderosos, adormece e desvia a atenção das pessoas para futilidades. Pode-se prever que as pessoas, privadas da sua droga, por motivo de uma rotura social, entrem em carência e sejam capazes de actos violentos, desesperados, por não poderem satisfazer a sua adição.

A fragilidade do sistema é tal, que me espanta não existirem mais situações de ruptura, além daquelas que nós já conhecemos.

A canalização das energias para falsos problemas como seja a emissão de CO2 pelas actividades humanas, tida como «a causa» de todas as perturbações do clima, sabendo-se que o clima é algo - por essência - mutável e que concorrem imensas causas para as suas variações, é um dos processos para manter as massas distraídas das questões realmente fulcrais. 

Nunca se toca, sequer ao de leve, na questão central da extrema assimetria na distribuição do poder e do dinheiro.

O modo de proceder da elite tem sido o de gerir, ao nível dos meios de comunicação destinados ao grande público, a percepção (efeito «matrix»).
As pessoas encontram-se enredadas numa série de mitos e falsos conceitos, mas julgam saber muito sobre os vários assuntos, quando - na verdade - não sabem quase nada. Muitas são incapazes de compreender conceitos elementares e não adoptam uma visão racional da natureza e da sociedade. Daí, o seu recurso à astrologia, às pseudo-ciências, às pseudo-medicinas, etc.
Não é por acaso que a educação se transformou num enorme fracasso para os indivíduos, uma fábrica de insucesso. Os poucos que são capazes de passar através do crivo, são condicionados no seu modo de pensar e agir: os «bons» alunos são insistente e constantemente sujeitos a doutrinação, que se confunde - erroneamente - com saber.

A complexidade dos desafios implica que muitas pessoas vão ser apanhas completamente desprevenidas. Estamos a entrar num período de conturbações económicas, onde serão inevitáveis graves perturbações nas sociedades. Haverá instabilidade social e política.

É dever de quem já abriu os olhos do entendimento, ajudar a abrir os olhos das restantes pessoas. Não só é muito positivo para estas, pois saberão melhor como se defender, como é positivo para as pessoas esclarecidas, porque estas não terão um entorno social hostil.
Em vez de «guias do povo», precisamos de pessoas sábias, serenas e esclarecidas, que sejam respeitadas e ouvidas pela maioria.

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

QUE SURPRESA! TODOS OS PARTIDOS SÃO CLIENTELARES...

Na sequência de mais um escândalo, desta vez envolvendo a autarquia de Loures dirigida por comunistas, e um genro do secretário-geral do PCP Jerónimo de Sousa, verifica-se de novo aquilo que já era evidente (pelo menos) desde que se «consolidou» a democracia parlamentar neste país, por volta de finais dos anos 70: O poder dum partido está na proporção directa da percepção que o público tenha de que possa influenciar nos assuntos de Estado e nos negócios. 
Aderem muitos, na medida em que tal ou tal partido possa ser influência decisiva para arrancar um contrato ao nível autárquico, uma autorização para edificar em zona protegida, etc, etc... Sobretudo, através dos partidos muitos esperam obter emprego na máquina do Estado, algo que também foi notório durante a primeira República e ditadura. No fundo, nunca deixou de ser um forte «motivador» para as pessoas se inscreverem em partidos (durante a ditadura, a inscrição na Legião Portuguesa ou na União Nacional, era condição para aceder a muitos cargos de funcionários, mesmo os mais ínfimos, sem quaisquer funções decisórias).
O que me espanta é a aparente inocência (digo bem, aparente) dos escrevinhadores dos media, que se «escandalizam» com tais práticas, das quais eles próprios são participantes ou, no mínimo, testemunhas quotidianamente. 
Dirão que a democracia não é perfeita, mas que é o regime que permite um máximo de participação popular nos assuntos do Estado. Permitam-me discordar. 
A democracia, tal como é entendida no presente e nos nossos países europeus, é antes um processo para arredar os cidadãos da coisa pública. Quando cidadãos desencantados se erguem e clamam por mudanças, como acontece agora em França, com a revolta dos coletes amarelos, os partidos daqui calam-se, assobiam para o lado, enquanto a media é rápida a difundir imagens de comportamentos menos correctos, omitindo a imensa maioria de situações em que os coletes amarelos se comportam com a maior responsabilidade. 
Sobretudo, os media deste país não se atrevem a explicar ao povo português quais são as verdadeiras razões da revolta!

RAZÃO Nº1: Existe um défice profundo de democracia e de respeito pela cidadania: Os países da Europa foram metidos num colete de forças chamado tratado de Lisboa, que é afinal uma constituição anti-democrática, que nem sequer tem a coragem de dizer o seu nome. A razão de se mascarar assim, sob forma de tratado, aquilo de que, de facto, é uma constituição, tem tudo a ver com a rejeição em 2005 do tratado constitucional pelo povo francês e holandês, em referendos democráticos, que foram ignorados e espezinhados pelos respectivos dirigentes.

RAZÃO Nº2: Há uma perda de capacidade económica por parte de um número crescente de famílias trabalhadoras. Em face da perda progressiva da competitividade da economia, a reacção dos poderes dos diversos países, quaisquer que sejam as colorações políticas, foi de aumentar o endividamento dos Estados. Por este motivo, está-se numa situação de crise de dívida permanente, apenas disfarçada pela artimanha do BCE de comprar a dívida (quase toda) dos países do Euro do sul europeu. Mas este mecanismo está a partir de agora, oficialmente fechado.
Para fazer face a um aumento dos juros da dívida, perante um decréscimo de actividade industrial e uma fuga de capital para paraísos fiscais (que eles não querem verdadeiramente estancar pois são beneficiários) o único recurso que resta aos Estados é subir impostos. Como os impostos directos são proporcionais ao rendimento das pessoas, eles vão sobretudo abater-se sobre os impostos indirectos, as taxas sobre o gasóleo, o IVA, etc... 

A MANIPULAÇÃO: Aquilo que se quer fazer passar por retorno a visão de extrema direita, reaccionária, classificando os que contestam de forma pejorativa como soberanistas ou ainda populistas, nada mais é do que a reacção dos povos, fartos de serem espoliados por uma elite, seja ela de «esquerda» ou de «direita», que se arroga os comandos do Estado para favorecer - de todas as maneiras - a sua própria ascensão e manutenção ao estatuto de aristocracia. Nos tempos presentes, esta aristocracia é apenas a do dinheiro, sendo essa a medida de todas as coisas, no espírito e na letra do capitalismo financeiro e especulativo.

PROPOSTAS POLITICAS E ECONÓMICAS

As propostas dos coletes amarelos de reforma constitucional, permitindo um referendo de iniciativa cidadã, nada têm de democracia directa «radical», pois se baseiam nas formas muito tradicionais de democracia directa da República Helvética, cuja população vota, pelo menos, duas ou três vezes por ano em referendos nacionais e num número maior de referendos nos cantões ou municípios. 
Por outro lado, a diminuição da carga total das taxas ou impostos indirectos, substituíveis por um agravamento dos escalões superiores (imposto sobre fortunas) e sobre os lucros das firmas, não pode agradar ao 1%. Tem esta pequeníssima minoria ditado a campanha mediática para denegrir toda e qualquer iniciativa que venha das bases e pretenda reformar os aspectos mais «indecorosos» do sistema. 

Por ganância ou miopia, a reforma é tornada impossível pelos de «cima». São eles que criam as condições de uma revolução: claramente, ao inviabilizarem qualquer reforma dentro do sistema, estão a empurrar os de baixo a se radicalizarem a cada recusa de atenderem as suas reivindicações. No momento em que as massas vêem claramente que o poder apenas tem como objectivo a contenção e não a resolução dos problemas, dá-se uma explosão social, com perda completa da confiança dos governados nos respectivos governos


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sábado, 8 de dezembro de 2018

COLETES AMARELOS: A OLIGARQUIA AMEAÇADA



Por uma vez, as pessoas comuns, do povo, podem afirmar a sua saturação de serem sistematicamente humilhadas, espremidas com taxas e impostos, para que uma classe rica e parasitária continue, mesmo nos momentos de «austeridade», a levar uma vida faustosa. 
Não será este um renovo da grande revolução francesa, de 1789 - 1793 cujos avanços permitiram o Estado moderno? Os valores em que se apoiam - hoje ainda - as constituições, não apenas da França, como em todos os Estados que se dizem democráticos? 
A esta distância histórica da Grande Revolução Francesa, acho que é mais que tempo que estes princípios comecem a ser postos em prática. 
É mais que tempo que a oligarquia que governa nos Estados europeus, ou no mundo inteiro, seja apeada, não para novos chefes emergirem, mas sim para uma nova forma de governo, sem chefes, o que seria afinal o sonho e a forma genuína de poder do povo.
Este movimento dura e aprofunda-se. Dura e alastra. Quem não é da oligarquia dos diversos países não tem nada a temer, antes deve regozijar-se e desejar que esta revolução pacífica alcance o máximo, não apenas em reivindicações materiais, como na verdadeira renovação do «contrato social».

            https://www.youtube.com/watch?v=Skcq-yDca80

sexta-feira, 23 de março de 2018

O FACEBOOK E O «DISCURSO DA SERVIDÃO VOLUNTÁRIA»

Mesmo não concordando com certos detalhes da narrativa desta «opinadora» (vê os russos por todo o lado...), tenho alguma concordância com o conteúdo deste seu artigo de opinião sobre o Facebook.
Infelizmente as pessoas estão sempre muito atrasadas em relação à realidade, em todos os tempos e, sem dúvida, nestes últimos tempos também. 
Eu estava plenamente informado, desde há muitos anos, sobre os aspectos menos luzidios das chamadas redes sociais, sobretudo devido às leituras de vários autores (de tendências diversas) que se podem designar como «pensamento alternativo».

                Mark Zuckerberg na capa da Wired de Março 2018

As redes sociais, o Facebook em particular, são um exemplo perfeito de «servidão voluntária», como a definiu, há mais de 5 séculos, Étienne de La Boétie (um amigo de Montaigne). 

                                                              
O poder do «príncipe» (ou seja, dos que detêm as rédeas do poder, sejam eles nobres ou plebeus, militares ou civis...) é assegurado pela submissão voluntária dos súbditos, visto que a sua revolta colectiva iria (num instante) destronar, reduzir a nada, o seu poder. É por causa dessa submissão, que se tornou como uma «segunda natureza» dos cidadãos, que o poder e os poderosos têm ainda uns belos dias pela frente.
Faço notar que não será um povo inculto e fanatizado que fará a revolução, pelo menos essa revolução que se deseja, que traga maior justiça, igualdade, distribuição horizontal do poder neste mundo.
Acredito profundamente que esta acontecerá, mas durará vários decénios, ou mesmo séculos, a chegar, pelo que os «revolucionários de meia tigela» irão ignorá-la, pois querem ter no imediato uma sensação, nem que seja um breve instante, dessa tal «revolução». 
Como a revolução sem aspas é um processo, longo do ponto de vista da história individual, mesmo que breve do ponto de vista da História, prefiro projectar meus anseios no futuro e reservar-me o mais possível em relação ao presente, aos «radicalismos de pacotilha», vendidos por «profissionais da política».

sexta-feira, 10 de fevereiro de 2017

CHAVES PARA COMPREENDER A ESQUERDA CONTEMPORÂNEA

Como é que a esquerda Europeia Ocidental e Norte-Americana se transformou de uma força muito poderosa, capaz de influenciar as políticas dos respectivos estados, num patético e heterogéneo desfile de vaidades e poses, sem qualquer efeito, a não ser a sua auto-deslegitimação?

A esquerda, a partir da viragem do século XIX para o século XX, passou a ter - em vários países dominantes - uma importante representação parlamentar. 
Foi a partir dessa investida nos parlamentos, que ela se pensou como agente de transformação social, política, económica e institucional a partir de cima, já não a  partir de baixo, pela revolução social, a última das revoluções. 
Esta transformação paulatina, progressiva, segundo os ideólogos da esquerda reformista, seria a melhor solução, evitando as destruições e os rios de sangue (muito do qual, de proletários), que, inevitavelmente, acompanhariam uma revolução violenta. 
O oportunismo dos reformistas cedo se fez sentir, com uma política de jogos tácticos, ora distanciando-se do poder apodado de conservador e incentivando movimentos reivindicativos, ora fazendo causa comum com esse mesmo poder, para obter benesses, partilha de lugares no aparelho de Estado e outras vantagens. 
O objectivo máximo, mesmo permanecendo nos textos dos programas partidários, tinha deixado de ser a abolição do regime do capital, mas passou a ser conquistar o poder e retribuir com lugares de prestígio, poder e dinheiro, as figuras do topo destes partidos.
No entanto, pela mesma altura, entre 1900 e 1914, o movimento operário cresceu em força, tendo-se organizado em sindicatos, os quais proclamavam a abolição da sociedade dividida em classes como objectivo último (Congresso de Amiens da CGT francesa) e definiam um campo, a luta de classes, como sendo unificador do proletariado, independentemente das preferências ideológicas, filosóficas, políticas. 
Assim, tornou-se possível construir um sindicalismo revolucionário, o qual tinha como instrumento supremo a greve geral revolucionária, como via para a transformação numa sociedade regida pelos princípios socialistas ou comunistas (quase sinónimos, nesta época). 
O grande recuo operou-se com o eclodir da 1ª Guerra Mundial. Nesta, os grupos parlamentares socialistas das várias potências, aceitaram votar a favor da mobilização geral e apoiar o «esforço de guerra», numa reviravolta completa e clara traição às suas posições da véspera e aos proclamados princípios. 
Ao sair da tragédia da 1ª guerra mundial, a classe trabalhadora dos países industrialmente avançados, sentindo-se traída pelos mesmos partidos socialistas reformistas que se arvoravam em condutores das massas, adoptou uma postura radical, mas maioritariamente autoritária e não libertária. 
Assim, floresceram os partidos epígonos dos bolcheviques da Rússia. Este partido tomou o poder na Rússia devido a condições muito específicas: nomeadamente, o estado de desespero dos proletários deste país face a uma guerra sem fim à vista. 
O partido bolchevique, uma dissidência do partido socialdemocrata, tinha sido influenciado pelas teorias de Blanqui, revolucionário francês que preconizava que um pequeno grupo decidido devia se organizar clandestinamente e derrubar o governo pelas armas, instalando uma ditadura «proletária». 
Foi isto exactamente que Lenine e seus seguidores fizeram na revolução de Outubro de 1917. 
No final da 1ª guerra mundial, eclodiram em Budapeste, Munique e Berlim, movimentos insurreccionais. Mas foram logo esmagados violentamente pelas forças da burguesia, mostrando aos seguidores de Lenine e Trotsky que uma revolução mundial não era para amanhã.
A onda de simpatia pela revolução de Outubro de 1917 permitiu, porém, construir a Internacional Comunista, havendo - a partir daí - uma apropriação do termo «comunista» pela tendência mais autoritária e golpista dentro do movimento operário internacional. 
O comunismo ou socialismo (não autoritários) tinham sido, desde a 1ª Internacional, o fundamento ideológico/teórico de organizações que se agrupavam sob a bandeira vermelha. Os libertários ou anarquistas que nela participavam, nos meados do século XIX, designavam-se socialistas ou comunistas libertários.
   
Seria muito longo e inadequado para um artigo de blog, descrever todo o trajecto das diversas forças de esquerda, quer das ditas reformistas, quer das revolucionárias, em todo o século vinte. 
Encorajo o leitor a fazê-lo por si próprio, para poder compreender o mundo de hoje, nestes cem anos passados sobre a Revolução de Outubro de 1917. O ideal será recorrer a uma grande diversidade de fontes de informação; destas, deverá preferir os documentos originais às interpretações escritas pelos autores, cujo ponto de vista influenciará a maneira como descrevem acontecimentos históricos, mesmo no melhor dos casos.

O que queria enfatizar é a relação umbilical da esquerda com a classe trabalhadora, com o operariado, com o sindicalismo de classe, na primeira metade do século XX. Isto é aplicável, quer às componentes autoritárias ou libertárias, quer defensoras de práticas reformistas ou revolucionárias. 

A partir do fim dos anos 60, o elo de classe começou a enfraquecer, até se tornar meramente histórico. 
Passou-se progressivamente para um tipo de política estruturada em torno de «causas» - ou seja - de questões de identidade. 
Estas questões não estavam ausentes dos debates e lutas da primeira metade do século XX; porém, eram vistas de maneira diferente. Consideravam-se relacionadas com o exercício do poder pela classe dominante, o qual impunha desigualdades, discriminações, para melhor exercer o seu domínio. Estas, iriam ser abolidas aquando do triunfo da sociedade igualitária, sem exploradores. 

Porém, a partir dos final dos anos 60 e sobretudo, nas últimas décadas do século XX, esta visão foi posta de lado, tendo sido aceite - no seio do povo de esquerda - que as pessoas oprimidas tinham o direito/dever de se auto-organizarem em grupos de afinidade para combater determinados aspectos das sociedades hierárquicas, opressivas. 
Quanto ao chamado «socialismo real», no bloco soviético/países de Leste (e mesmo descontando a monstruosidade do período estalinista), para a maioria da esquerda do Ocidente era visível que não teria proporcionado, nesses países, uma real evolução das mentalidades. 
Os regimes que se auto-definiam como «socialistas» não o eram na verdade, eram regimes com uma estrutura burocrática, capitalista de Estado. A não identificação das classes trabalhadoras desses países com o poder vigente, é que foi o factor decisivo da sua queda, embora haja provas de que houve, por parte de serviços e agências do Ocidente, um apoio ativo a movimentos de contestação e de dissidência, como não seria de espantar, no contexto da Guerra Fria.

As pessoas no Ocidente - dos anos 1990 até recentemente - têm vindo a esquecer o valor da ação coletiva, de fazer causa comum, tendo predominado frequentemente uma postura de extremo individualismo. 
O individualismo, em si mesmo, não será mau, na medida em que permite um distanciamento crítico da pessoa e portanto, embora não conduza a um comprometimento com lutas coletivas, pode - ainda assim - trazer um certo contributo crítico. 
Porém, o individualismo egoísta ou egolâtrico, esse não traz nada, pois se conforma com as coisas tal como elas são, conforma-se e satisfaz-se num hedonismo (satisfação imediata, sendo a única finalidade de viver), que lhe é apresentado como a coisa mais original, mas rebelde, etc, que possa o indíviduo atomizado realizar. 
O carneirismo não é incompatível com este individualismo. Pelo contrário, é o resultado da sociedade massificada por um lado, mas atomizada, por outro. 

O conceito de esquerda tem evoluído ao longo das épocas históricas, mas hoje em dia significa - em geral - uma tendência que preconiza a saída do capitalismo. O que difere entre correntes e faz com que - na prática - seja muito difícil de as conciliar é a enorme diversidade de pontos de vista sobre os caminhos para se alcançar a nova sociedade, não-capitalista. 

Estou convencido que a automatação cada vez mais intensa, mesmo em países de mão-de-obra barata como a India ou a China, vai obrigar a re-equacionar definitivamente os conceitos.
Tipicamente, os proletários são vistos somente como aqueles que são mantidos à margem e não podem usufruir dos efeitos das transformações tecnológicas, cujo trabalho só lhes permite sobreviver. 
Porém, uma enorme massa vive e trabalha em condições de servidão, alternando períodos de trabalho e de desemprego, com impossibilidade de sair desse regime... O «precariato», constitui cerca de 80% dos jovens de 30 ou menos anos, nos países do Ocidente. 
Estes servos têm, frequentemente, formação académica mais elevada do que a necessária para o trabalho que executam. Tipicamente, possuem um curso superior, quando apenas uma formação básica seria largamente suficiente para a natureza das tarefas que desempenham. 
Talvez seja esta a maior contradição, que tornará inevitável  uma explosão social, à qual as velhas receitas não se aplicam, obrigando por isso a uma mudança profunda. A contradição entre o saber e o fazer é uma contradição social, mas tem sido ocultada pela ideologia do «sucesso» e da «meritocracia». Segundo esta, as pessoas são as únicas responsáveis de seus sucessos, como dos seus fracassos. 

Tal como existe, a sociedade atual - seja nos países ditos «desenvolvidos», seja nos países em «desenvolvimento» - está a caminhar para um novo feudalismo. 
Este extremar da distribuição da riqueza e as assimetrias de poder que gera, fazem com que os muito ricos dominem, não só como detentores do capital, também graças a dispositivos tecnológicos que lhes permitem um controlo das mentes, que envolvem o sistema educativo, os mass media, a cultura de massas ... 
Porém, os excluídos desse poder material, podem aceder ao conhecimento e isso é uma base para outro poder, o qual poderá desembocar na formação de comunas livres, ou algo deste género, como tem sido repetidamente tentado, em pequena escala.

A transformação social vai acontecer, independentemente dos esquemas ideológicos de uns ou de outros. Pode-se ter um desejo de que esta transformação traga maior emancipação individual e colectiva, maior igualdade de oportunidades, maior fraternidade. Mas pode muito bem ser substancialmente diferente do que se deseja. Nada está escrito, nada está determinado.
Constato que a teoria, principalmente em relação aos movimentos sociais, só pode ser construída a posteriori, depois das transformações terem ocorrido. Porém, os ideólogos têm a pretensão de «saber qual o futuro e como se vai lá chegar»! 
Esta visão da sociedade terá de mudar. Esperemos que não haja tanta ingenuidade em relação aos «salvadores do mundo».