From Comment section in https://www.moonofalabama.org/2024/03/deterrence-by-savagery.html#more

A selvajaria é uma jogada perdedora. Ao jogá-la os EUA e Ocidente estão a destruir toda a sua legitimidade e influência ideológica, normativa e institucional. Eles não podem sequer vencer militarmente o Hamas, Ansarallah e o Hezbollah, pois estes sobrevivem e lançam suas estratégias de supressão do inimigo e de luta de guerrilha. O objetivos de Israel não se concretizaram e os EUA estão mais isolados e extremistas, do que jamais estiveram. Isto não será esquecido; existem alternativas agora ao seu domínio.
Mostrar mensagens com a etiqueta revolução digital. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta revolução digital. Mostrar todas as mensagens

quarta-feira, 21 de abril de 2021

ALAN WATTS (1915-1973): «TECNOLOGIA DO FUTURO»

Alan Watts, profundo e actual


                 «TODA A GENTE TERÁ UM APARELHO NA ALGIBEIRA, GARANTO-VOS»*

É importante, hoje mais do que nunca, conhecer Alan Watts: O filósofo e o homem, os seus ensinamentos e a coerência das suas escolhas de vida. Mas, além disso, foi um dos mais lúcidos espíritos e um brilhante comunicador. Os seus ensinamentos são muito actuais, passados 50 anos!

*NOTA: «ESP» = PERCEPÇÃO EXTRA-SENSORIAL 

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

QUAL É O VERDADEIRO CHOQUE DE CIVILIZAÇÕES?

Neste início de 2019, escrevo reflexões que podem - ou não - estar caducas, obsoletas, dentro de pouco tempo. Mas, de qualquer maneira, se escrevo «para a posteridade», é só para a posteridade de mim próprio, ou seja, para eu próprio saber me situar no futuro em relação ao presente, uma medida do caminho que o mundo percorreu e que eu acompanhei, ou não...

Em primeiro lugar, estamos perante uma viragem tectónica de civilização. De uma civilização mundializada sob um paradigma totalitário tecnológico, estamos a passar para um paradigma onde se podem afirmar uma multiplicidade de actores, de poderes, de produtores de saber e técnica. Neste aspecto sou optimista, pois este tipo de evolução - creio  - será mais benéfico para a humanidade e para a civilização, do que uma monstruosa centralização de poder, por cima de diferenças culturais e de desenvolvimento económico, como o globalismo mais desenfreado nos queria (e quer) impor. 

Em segundo lugar, confirma-se a tendência para a perda de hegemonia do dólar enquanto moeda principal das trocas comerciais e como moeda de reserva dos bancos centrais ao nível mundial. Assim, estou convencido de que os próprios EUA vão estar mais centrados em si próprios, mais interessados em desenvolverem o seu próprio potencial e menos interessados em projectarem o seu poderio em todas as direcções. 
O mundo vai sofrer uma crise económica de grande amplitude, esta vai ser um banco de ensaio para novas soluções ao nível monetário.
Consoante ganhe a visão totalitária tecnológica ou a visão multipolar soberanista, teremos um tipo de relacionamento diferente ao dinheiro e à forma como o encaramos: Como reserva de valor, ou como instrumento de submissão e chantagem; como fruto do trabalho, ou como produto de extorsão (mais-valia)...

As múltiplas facetas do dinheiro vão estar em jogo neste período de transição. Vai continuar a tentativa de digitalização absoluta e total, o que forneceria aos Estados e grandes corporações um meio de controlo totalitário dos cidadãos, até ao pormenor mais ínfimo das suas  vidas. Mas também se vão desenvolver criptomoedas completamente fora do controlo dos Estados, assim como esquemas de troca, de partilha, de construção de relações sociais não-mediadas pela visão capitalista de valor. 


A perda de centralidade do valor "trabalho" para a estruturação das sociedades e das vidas individuais das pessoas vai continuar a desenrolar-se e a causar muito sofrimento e disfunções: por muito que sofram desta disjunção as actuais gerações, a continuidade da sociedade, enquanto tal, deverá obrigar a um salto qualitativo dos valores que enformam a mesma: Vai haver outros meios para manter uma coesão social, para permitir um funcionamento colectivo do organismo social. 
Não posso adivinhar quais serão esses outros meios, nem sequer quanto tempo durará este processo de desagregação da sociedade baseada no valor trabalho. Mas, tenho a certeza que esta tendência se irá reforçando, pois ela se verifica, no mínimo, há três décadas; não é uma novidade.

O binómio capital-trabalho precisa de ambos os pólos para subsistir: se o pólo «trabalho» é inviabilizado, o pólo «capital» está imediatamente condenado, também. Por isso mesmo, embora tenha esperança na transição para uma sociedade pós-capitalista, não posso concebê-la como um tipo de capitalismo de Estado, vulgarmente designado como «socialismo» ou «comunismo», isso seria uma aberração. 
O Estado está para o capital, como o cofre está para o dinheiro ou as jóias que contenha. A função do Estado é preservar a estrutura da sociedade, onde se procura uma concentração de poder cada vez maior. O desígnio do Estado, enquanto tal, e de todos os seus actores políticos relevantes, ou seja, que disponham de alguma forma de poder, é de centralizar - cada vez mais - o referido poder sob todas as suas formas: político, jurídico, militar, policial, administrativo, económico, educacional e cultural... Por isso mesmo, qualquer partido é tendencialmente totalitário, mesmo que se auto-defina como «anti-totalitário», na sua ideologia. Com efeito, todos os partidos aspiram ao poder e, uma vez no poder, não desejam realmente partilhá-lo com os outros; se o fizerem, é porque não têm outra escolha. 

No sistema político dos países ditos «ocidentais», o poder dos aparelhos ideológicos e dos partidos, em particular, está fortemente limitado. Não é que as suas propostas tenham perdido actualidade, ou sejam menos adequadas ao mundo de hoje, do que o foram no momento do seu auge (talvez o auge, na sociedade portuguesa, tenha sido nos anos 70 -80 do século passado). 
A verdadeira razão da decadência do pensamento ideológico e partidário é que todos estão espartilhados por uma série de dependências económicas profundas, de conivências, cuja trama apenas é perceptível para os que observam o lado de dentro, do outro lado do palco, dos bastidores. 
O regime instaurado nas chamadas democracias liberais é um sistema intrinsecamente corrupto, independentemente da integridade pessoal do actor A ou B ou C. 
Isto, porque a capacidade de ganhar ou perder eleições está constantemente dependente de enormes máquinas de propaganda, que custam dinheiro, muito dinheiro mesmo. 
Todos os que querem ascender a presidentes ou primeiros-ministros, sabem que a  possibilidade de o serem depende - em primeiríssimo lugar  -da capacidade de veicular a sua mensagem, de «vender» a sua pessoa, ao eleitorado. 
Para tal, os conselheiros de imagem, que fazem o marketing eleitoral, são pagos a peso de ouro e dispõem de somas colossais para as suas campanhas de imagem. Sem isso, não haverá hipótese de qualquer candidato vencer. 
Por outro lado, os que fornecem os fundos são grandes capitalistas, empresas, entidades ou pessoas que têm algo a ganhar em termos muito pragmáticos, se o eleito for o candidato A e não B. As doações de tais entidades estão implícita ou explicitamente associadas a promessas e favores... 
O simples cidadão pode ter a ilusão de fazer uma escolha, mas esta, na realidade, não existe pois o jogo é determinado pelas forças do poder económico (incluindo potências estrangeiras e empresas multinacionais).

As pessoas só tomarão as vidas nas suas próprias mãos, quando descobrirem como têm sido desapossadas, menorizadas, como lhes tem sido extorquida a seiva vital. 
Todas as formas de autonomia, de cooperação, de entre-ajuda, de associativismo, que a humanidade já experimentou e experimenta, são bases perfeitamente adequadas para a construção duma sociedade política e económica do futuro: a única coisa que falta é lucidez e vontade de autonomia. 
As jovens gerações irão ser constantemente desviadas por ideologias e por consumismos, umas e outros com aparência de serem soluções «fáceis», imediatas, que vão ao encontro das aspirações confusas dos jovens. Acredito que algumas comunidades intencionais possam realizar - em parte - uma aproximação a esse novo paradigma social. 
Não acredito que uma revolução política possa trazer isso. 

As revoluções políticas que vimos ao longo do século XX trouxeram sofrimento, opressão, injustiças, por vezes ainda piores que as que vigoravam anteriormente. Os motivos profundos que levaram ao seu triunfo e manutenção têm a ver com o estádio de desenvolvimento das sociedades respectivas e da necessidade de consolidação dos Estados, como esteios do modo de produção capitalista. 
Pouco importa, se estes sistemas produziram capitalismos baseados na propriedade individual ou colectiva (capitalismo de Estado). O facto, é que em ambos os casos, oprimiram - tanto quanto o necessário - os seus povos. 
Não interessa reproduzir os erros do passado; por isso mesmo é muito importante estudá-lo atentamente, de forma a que se compreenda o que não fazer... 

É mais fácil agora imaginar sociedades funcionando segundo esquemas descentralizados, com as revoluções das comunicações e das energias renováveis. 
Uma e outra, que - aliás - estão muito estreitamente associadas, foram desviadas pelos senhores do capital para obterem um suplemento de centralização e de poder. Mas basta pensar um pouco, para vermos como podem ser instrumentos excelentes nas mãos de pessoas apostadas em fazer surgir núcleos económicos e sociais de autonomia, como «cogumelos» de nova forma de organizar a vida, a produção, o relacionamento de uns com os outros. 
Não é preciso, nem é conveniente, esperar pacientemente que venha uma hipotética «transformação cataclísmica». Podemos, em qualquer momento, pôr as mãos à obra e na nossa família, no nosso entorno social, na nossa comunidade, criar as bases para isso. 

Afinal, este será o verdadeiro «choque de civilizações»: o choque entre uma civilização caduca, esgotada e aquela que está nascendo debaixo dos nossos olhos (mas... é preciso abri-los, para a ver!)


quarta-feira, 28 de novembro de 2018

AS FORMAS DE GESTÃO DA ECONOMIA E SOCIEDADE NO SÉCULO XXI

As formas de gestão da economia e sociedade no século XXI têm, até agora, vivido de um prolongamento das formas herdadas do século 20. Isso não nos deve surpreender, mas devemos compreender as diferenças estruturais que existem entre a economia e sociedade digitalizadas de hoje e as de há 50 ou mesmo 20 anos atrás. Com efeito, a tendência maior durante o século 20 foi a da concentração, a ascensão de monopólios um pouco por todo o lado, em todos os países, em todos os sectores, só foi possível pela conivência ou mesmo instrumentalização do poder político. Além disso, havia uma forte procura de centralização de poderes administrativos, de concentração de poder nas mãos de uns poucos, quer se tratasse de «politburos» de países de capitalismo de Estado (ditos «comunistas»), quer de construções típicas do capitalismo do chamado «ocidente» como a União Europeia, com o seu colégio de comissários não-eleitos. A todos os níveis, desde o poder local ao internacional, observou-se uma concentração de poderes de facto, mesmo quando se procedia a «descentralizações», em boa verdade, formas de extensão e consolidação dos poderes dos grandes partidos e grupos de interesses que tinham capturado o Estado. 
Na realidade, a revolução digital veio tornar a tarefa de centralização do poder (aqui não distingo a economia e a política, pois estão intimamente ligadas) simultaneamente mais fácil e mais complicada. Mais fácil porque as redes digitais permitem abolir as distâncias físicas e comandar instantaneamente a partir de centros ou nódulos as diversas partes dos sistemas complexos que constituem as sociedades contemporâneas. Mas também uma dificuldade, na medida em que essa facilidade em estabelecer redes de toda a espécie também dá a possibilidade daquilo que é bastante insignificante hoje, «passando debaixo do radar» dos que controlam esta sociedade, possa ser amanhã forte concorrente ou mesmo desafiador do "status quo". Dificuldade também, porque a imposição da «verdade oficial» estará tendencialmente dificultada pelas inúmeras «entradas» no sistema, onde a multidão de anónimos pode simultaneamente fornecer e receber dados - toda a espécie de dados - sem ser através das entidades centralizadoras, controladoras. Para circunscrever tal perigo, para os poderes centralistas, erigiram-se em todas as grandes potências monstruosas estruturas colectoras de dados, como a NSA, que recolhe dados «em bruto» de todo o lado. A indiscriminada colheita é sucedida pela análise, realizada automaticamente, utilizando algoritmos sofisticados e permite a detecção de sinais, de frases significativas. As mensagens assim seleccionadas vão para uma análise mais fina. O processo ocorre em vários patamares até que, no topo, se recorre a peritagem humana. 
Porém, a crise económica, duplicada pela crise ambiental, está a sabotar este modelo centralizado. As probabilidades de uma grande crise estrutural do capital e do ambiente são muitas e só as pessoas ofuscadas, pela ideologia ou pela intoxicação de lixo informativo, não conseguem compreender a iminência dela. 
Por outras palavras, estamos em plena transição. Porém, as formas que podem tomar  as sociedades, as economias e as formas de controlo das mesmas, estão completamente mergulhadas  em espessa névoa. 
Os arautos do futuro, que periodicamente anunciam esta ou aquela transformação, em geral catastrófica, descredibilizam-se por errarem na maioria das suas previsões, mesmo num horizonte temporal bastante curto. 
Por outro lado, a crise das ideologias, nomeadamente, as que se convenciona chamar de «esquerda», resultam na apatia, na ausência de perspectivas, sobretudo das jovens gerações. Ao contrário das pessoas que foram jovens há 60, 50 ou 40 anos atrás, pois nessa época, as ideologias de cunho «revolucionário» tinham adesão garantida dos jovens, desejosos de uma transformação social, queriam ser protagonistas da mesma e procuravam aquilo que desejavam em termos de sociedade, o caminho para tal transformação. A decepção reiterada dessas esperanças devido a diversas circunstâncias, atirou a maior parte daquelas gerações para o cepticismo ou para o cinismo. 
O modelo de sociedade que sonharam afigurou-se não apenas ilusório, mas um logro completo, naqueles países que eram apontados como sendo realizações da nova sociedade, mesmo imperfeitas, com «arestas a limar». 
A impossibilidade de sustentação de um «capitalismo civilizado», onde houvesse uma certa protecção social, reconhecendo direitos económicos como parte integrante dos direitos humanos, foi a outra machadada nas suas ilusões: A social-democracia permaneceu (sobretudo na Europa ocidental) enquanto foi necessária para neutralizar o fascínio exercido pelo «bloco socialista», mesmo sabendo-se que neste vigoravam regimes totalitários. 
Mas, logo que o bloco soviético implodiu, foi tarefa bastante fácil das «elites» capitalistas, desmontarem peça por peça o Estado Social (Wellfare State), deixando apenas uma «carapaça vazia», uma série de «direitos» inscritos -mas letra morta - nas leis dos países. Nestes, a prática burocrática do Estado e das empresas, nega os referidos direitos, subordinando as funções sociais ao «mercado», ou seja, à lei do lucro. 
Mas esta transição está - ela própria - posta em causa, pela existência de uma crise do capitalismo, onde os episódios mais agudos de «crash» são apenas acentuações bruscas da sua perda global de operacionalidade. 
No meio desta «débacle», existem muitos tubarões que conseguem prosperar e edificar pequenos ou grandes impérios económicos. Porém, não se nota um crescimento vigoroso de um capitalismo empreendedor, como seria lógico esperar, se os arautos do neoliberalismo tivessem razão. 
Com efeito, eles constantemente afirmam que a economia tem estado «cativa» de forças «socialistas», ou seja, das protecções sociais para os mais pobres, os mais frágeis; que tem sido essa a causa dos fracos índices de crescimento da economia, do PIB, etc. 
Pois agora, que conseguiram um quase completo desmantelamento do Estado social, a produtividade global estagna e só não recua por causa de avanços na automatação, na informatização...Porém, apesar dessas aparências de «progresso», do ponto de vista social, como no entre as duas guerras mundiais do século vinte, constata-se que alarga o fosso entre os muito ricos e uma classe trabalhadora precarizada, sem protecção real na doença, no desemprego e na velhice.  
Agora, a rentabilidade do capital é inferior à da época em que os trabalhadores usufruíam de protecção e de capacidade para arrancarem melhores salários, contrabalançando, de certa forma, a parte do lucro nas empresas. 
Visto que as pessoas deixaram, numa percentagem crescente, de dispor de um excedente para poderem consumir, além do indispensável, esse acréscimo de consumo foi feito à custa de crédito. Este é efectivamente uma punção sobre o futuro. 
A mínima crise, com seu corolário de aumento dos despedimentos, dos aumentos de preços, de instabilidade nas vidas, precipita as pessoas na pobreza, quando deixam de conseguir pagar as prestações do carro, da casa, dos electrodomésticos, dos estudos universitários, etc.
A solução não está ao virar da esquina, mas tem de ser a duma estrutura muito mais descentralizada, em que redes, não controladas por gigantes, seja na produção, na distribuição ou nos serviços, terão de assegurar o funcionamento mínimo da economia e da sociedade em geral. 
Um tal modelo cooperativo não implica a «morte súbita» do capitalismo enquanto tal, mas que as pessoas descolem de uma dupla ilusão, castradora: 
(1) A de que podem esperar ter um modo de vida decente como assalariadas duma grande empresa, onde patronato ou classe empresarial, dirige e as restantes limitam-se a fazer o que lhes mandam. 
(2) A ilusão de que o Estado é uma espécie de «pai» ou de«mãe» severo/a mas, ainda assim, protector/a, que ouve e atende as pessoas em caso de necessidade, de problemas ... 
As pessoas que estão agora a entrar na vida activa vão descobrir, por elas próprias, que construir um negócio, uma empresa, serem capazes de gerar dinheiro pelos produtos ou serviços que elas próprias desenvolvem é real alternativa à vida de escravidão assalariada, ainda por cima, quando esta se reveste de grande precariedade. Apenas algumas terão coragem de se organizar em sociedades cooperativas, ou de outro tipo, imbuídas de uma visão completamente diferente do espírito empresarial corrente. Sendo de prever que elas irão ter dificuldades colocadas pelos concorrentes capitalistas tradicionais, penso que - no final - têm real possibilidade de triunfar, pois dispõem de maior flexibilidade. 

O pressuposto do que afirmo é de que o agravamento simultâneo da crise económica e da crise ecológica, vão ser os factores decisivos da transformação social. 
As situações sociais e económicas vão ser completamente transformadas pela amplidão, profundidade e duração desta crise. 
Ela poderá ser uma crise de marasmo, de degradação progressiva das condições gerais de funcionamento da sociedade. Não prevejo algo como uma crise revolucionária, embora esta não esteja completamente fora dos possíveis. 

As condições sociais vão ser tão rudes, que apenas pessoas capazes de trabalhar num espírito de entre-ajuda - e não no espírito capitalista «normal» do enriquecimento pessoal - conseguirão subsistir. Ao emergirem desse período de grandes provações, as sociedades irão auto-produzir algo novo.

Com que se poderá parecer tal nova sociedade? Não sou adepto de profecias ou futurologia, mas tenho desejos, esperanças de que as presentes e futuras gerações encontrem o seu caminho. Para que a espécie humana tenha futuro, julgo que as seguintes condições devem verificar-se: a  nova sociedade será mais localizada e menos baseada em mega-monopólios, com uma multiplicidade de regimes de propriedade, onde não haverá predomínio de formas estatais, embora o Estado continue a existir.  


segunda-feira, 14 de novembro de 2016

ALIENAÇÃO, NECESSIDADE DE REVISITAR O CONCEITO

Nos dias de um Freudo-Marxismo omnipresente no discurso dos «opinadores», algumas décadas atrás, falava-se de alienação, sobretudo para citar o desapossamento do operário em relação ao produto do seu trabalho e ao seu próprio trabalho. Em simultâneo, usava-se o termo para menosprezar os que se entretinham com «futilidades» e não se dedicavam à «luta revolucionária»; neste caso, o uso da palavra alienação era para verberar as pessoas que se satisfaziam com o que a sociedade de consumo lhes podia fornecer, alienando-se no consumismo, na ausência de consciência social. Essas formas de usar o termo, ambas carregadas de ideologia, foram tornando a palavra «antiquada» e logo a riqueza polissémica do conceito de alienação deixou de ser percebida. 
Porém, no momento presente, vale a pena que nos debrucemos melhor sobre este conceito. Com efeito, «alien», significa etimologicamente «estrangeiro», só depois veio a significar um louco: assim, um doente mental está alienado na medida em que perdeu a consciência dos seus próprios atos e do seu entorno. Não compreende já, minimamente, como se encontra inserido no ambiente natural e social, já não conseguindo adequar o seu comportamento a uma realidade exterior. 
Mas o mesmo termo pode ser usado e também significa que um indivíduo perdeu ou que nunca teve os direitos de «cidadão», pois o «estrangeiro» é, por definição, aquele que não possui cidadania. 
O estado de não participação na coisa pública em que a maior parte das pessoas se confina, mesmo as que ainda «se interessam por política», faz delas alienadas, num determinado sentido. 
Elas são alienadas no sentido de serem jogetes nesta economia de mercado, condicionadas a consumir, a produzir para consumir, consumir para terem a ilusão de viver, de serem «alguém». 
As pessoas consomem bens, mas também consomem «ideias» ou slogans, formas abastardadas e ultra-simplificadas de uma determinada teoria. 
Elas julgam conhecer os filósofos ou pensadores, quando apenas leram (superficialmente) algumas citações dos mesmos. Elas nem sequer lêem: têm a TV, a Internet, o Twitter, etc. para se informarem e comunicarem. 
Assim, a alienação tem progredido: basta estar-se atento ao facto das pessoas se julgarem cada uma delas o centro do mundo e atuando como tal.  
Não posso, neste breve artigo, analisar em profundicade as raízes e ramificações desta alienação. Evidentemente, um fenómeno complexo terá muitas causas, que se interpenetram, não haverá nunca uma explicação linear, que possa minimamente satisfazer. Em sociologia e em psicologia social, entre muitos conceitos que podem ajudar-nos, vale a pena recordar o conceito de alienação, contextualizando-o, usando-o com rigor. 
O conceito, assim renovado, permitirá compreender como as multidões são tão facilmente usáveis, manipuláveis pelos media, como é que estes conseguem desencadear o medo, sobretudo,  como forma de manipulação dos sentimentos das multidões, deixando de lado quaisquer laivos de verosimilhança, de rigor informativo. 
Com efeito, um espírito livre verá facilmente os truques de propaganda, disfarçados de informação, usados pelos media corporativos. Porém, essa manipulação, tão visivel, tão fácil de desmontar, tem capacidade de influenciar e mesmo moldar o comportamento de pessoas. Como é que muitas pessoas, mesmo as que têm um nível de instrução elevado, se deixam enredar num universo ficcional, que reproduz os estereótipos da propaganda disfarçada de «informação»? 
- Penso que nós estamos a viver o início de uma nova era de totalitarismo: existem demasiadas coisas que se parecem com os inícios dos Estados totalitários do século XX, das tomadas de poder quer de Estaline, quer de Hilter, assim como de outros poderes totalitários. Os regimes totalitários que então se instalaram, não se afirmaram de início como uma enorme chapa de chumbo por cima do povo que os aclamou. 
Eles foram conquistando todos os mecanismos de controlo da sociedade e não apenas do Estado, efetuando um trabalho de propaganda massiça, sem quaisquer contrapontos, pois estes foram impiedosamente esmagados, mas em segredo. Assim, a generalidade dos indivíduos não tinha a mínima noção da brutalidade exercida contra as dissidências, nem sabia a escala da supressão dessas dissidências. 
Agora, o «totalitarismo soft» não necessita da supressão física das dissiências. As poderosas cadeias de média, autênticas máquinas de propaganda ao serviço dos poderes apenas se limitam a «ignorar» algo. 
Podem «ignorar» um movimento, uma corrente, até ao momento em que esta realidade se torne demasiado incómoda. Assim, muitas pessoas caem na armadilha mediática e fazem coisas somente para atrair a atenção dos media... que lhes dão uns instantes da sua programação, para logo se dedicarem a encher os écrans com futilidades, mediocridades, desporto-espectáculo, etc. com aquilo que o «grande público» gosta...
Hoje em dia, a barbárie é chamada pelos próprios «defensores dos direitos humanos», que não se importam que «sua» candidata (por ser mulher?) possa afirmar-se como campeã do feminismo e simultaneamente, receber os milhões e fazer os favores correspondentes à Arábia Saudita, o reino mais misógino e brutal que existe à face da Terra! 
Existe muito boa gente muito preocupada com os refugiados das guerras do Médio-Oriente. Claro, estes refugiados devem ser tratados com todo o carinho que merecem, mas porque razão é que as pessoas não dirigem simultaneamente a sua firme desaprovação perante as pessoas e os poderes - os dirigentes duma NATO com intervenções militares criminosas - primeiramente responsáveis pela destruição de suas vidas, de seus haveres e de seus países inteiros? Como é isto possível sem uma operação muito bem concertada de lavagem ao cérebro? Como é isto possível sem que as pessoas se apercebam da óbvia incongruência? 
O conceito de alienação -na sua polissemia - parece-me adequado para analisar a sociedade de hoje: as pessoas estão «alheadas», «alienadas» da sua cidadania, estão «ignorantes» ou «alienadas» da realidade social, apenas concentradas num círculo imediato de «interesses», nas suas «micro-redes sociais» que apenas reforçam recíprocamente os seus preconceitos. 
Materialmente, também estão - sem dúvida - «alienadas», quando usam compulsivamente a parafrenália informática em todo o lado... o telemóvel, a tablet, o desktop... etc. 
Mas não usam, de forma nenhuma, ou só de forma muito deficiente, o seu «PC interno», ou seja, o cérebro, que poderia analisar e processar corretamente informação, se elas tivessem o cuidado de o utilizar de forma apropriada!!
Penso que, apesar de tudo e no longo prazo, haverá sempre pessoas capazes de usar de forma criativa os instrumentos da revolução digital. Nós vemos exemplo disso - felizmente - em muitos campos. 
Infelizmente, porém, em face de meia-dúzia de pessoas realmente criativas, que o seriam também na ausência da revolução digital,  vemos imensas que se deixam alienar e dominar pelos poderes: essa assimetria é assustadora. 
Não temos uma cidadania mais esclarecida porque melhor informada. Temos exatamente o contrário daquilo que foi esperado, com optimismo, nos anos 70 do século passado, pelos que olhavam  para a revolução da informática, então nascente.
Não tenho receita ou remédio para oferecer perante estes novos fenómenos de alienação e suas diversas vertentes, mas creio que a consciência de que existe um problema é um primeiro passo. Depois, caberá a cada um, em diálogo com os seus semelhantes,  encontrar a resposta adequada, na vida pessoal e social.