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quarta-feira, 11 de dezembro de 2019

«DEMOCRACIA»... PALAVRA VAZIA DE SENTIDO?

   Acontece com esta palavra, carregada de conteúdo político e ideológico, o mesmo que com muitas outras: liberdade, socialismo, justiça, igualdade... 
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As definições das palavras têm algo de arbitrário, num certo sentido, visto que resultam do costume de se utilizar uma dada palavra, num determinado sentido, numa dada sociedade e numa dada época. 

- Pertencer a tal ou tal «pátria», nem sempre significou pertencer a «uma nação, a um estado». 

O mesmo se pode dizer com muitos outros vocábulos: antes e nos primeiros decénios do século XX, a palavra comunismo teve muitos sentidos diferentes do que hoje em dia se classifica como tal (a versão marxista-leninista).

- Também, se eu pronunciar a palavra democracia, não se vai pensar que estou somente referindo o significado etimológico. Nem ninguém pensa que quero designar especificamente o sistema de governo praticado por gregos da antiguidade, a não ser que utilize uma expressão como «a democracia ateniense», ou algo equivalente...

A democracia moderna é resultante do século XIX, das diversas lutas pela emancipação dos povos em relação aos jugos imperiais ou monárquicos. Pesem embora as democracias europeias antigas e monárquicas, como a Grã-Bretanha, a Holanda ou a Suécia, o facto é que a democracia enquanto sistema de representação do povo, foi marcada pelos modelos republicanos da revolução americana e da revolução francesa. 

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Ora, no contexto dessas revoluções, tratava-se de derrubar o poder da aristocracia, que tinha como cabeça o monarca e legitimar um sistema onde os cidadãos, colectivamente, eram os detentores da soberania. Mas, essa tal soberania - desde o início - foi proclamada e exercida «em nome do povo», por representantes eleitos do mesmo. O modo de eleição variou nos mais de dois séculos e só a partir do século vinte existiu um verdadeiro sufrágio universal.
No entanto, poucos foram os casos em que se registaram formas de governo directo, ou «democracia directa»; essas formas foram muito transitórias, na maior parte dos casos. Das poucas excepções que se mantêm na actualidade, contam-se certos cantões da Confederação Helvética, em que as decisões são tomadas por voto de braço erguido, na praça pública, pelos cidadãos do respectivo cantão. 

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Hoje em dia, poucas pessoas defendem uma democracia directa como método generalizado de governo, por oposição a um governo eleito, directa ou indirectamente. 
Quem tem objecções a essa forma de organização da sociedade pensa, em geral, que essa democracia directa tem de ser feita com grandes assembleias, em que centenas de pessoas votam, de braço alevantado, as diversas resoluções.

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 Este tipo de assembleias acontece, em circunstâncias muito especiais: por exemplo, numa assembleia de grevistas (que podem ser várias centenas) onde são tomadas, por este método, muitas decisões relativas à organização da greve. Mas, no dia-a-dia, não existiria possibilidade de realizar frequentemente tais assembleias, reunindo todo o povo. 
Aparentemente, então, a democracia directa só poderia ser exercida em pequena escala ou, se numa escala maior, apenas em circunstâncias muito excepcionais. 

Porém, tal não é o caso. A democracia directa pode ser exercida de forma constante e permanente, desde que se tenha em conta as experiências passadas.
É certo que, historicamente, formas mais ou menos espontâneas de organização surgiram em contextos de luta acesa, de guerra civil, nalguns casos. Porém, isso não retira validade às mesmas. Nomeadamente, a experiência dos primeiros sovietes, durante a revolução russa de 1905 e o sindicalismo revolucionário, do início do século XX até aos anos 30 do mesmo século.
Os sovietes, erguidos pelo movimento operário e sindical no início da revolução de 1905, em São Petersburgo, Moscovo e noutros sítios, eram compostos de vários grupos participantes na insurreição. Neles, estavam presentes várias facções políticas e também os operários agrupados em sindicatos ou em assembleias de fábrica. 
Para garantir a continuidade e levar à prática as decisões tomadas nas sessões dos sovietes, eram mandatados delegados, que tinham um mandato preciso e imperativo. Eles eram eleitos para fazer determinada coisa, de determinada maneira. Os cargos eram - a qualquer momento - revogáveis pelas assembleias que os elegeram: ou seja, se houvesse alguém que - por qualquer motivo - não estava a desempenhar bem a tarefa incumbida, podia ser demitido e substituído por outro. 

Este modelo de tomada de decisão era corrente na época nas associações operárias dos finais do século XIX, inícios do século XX e foi assumido por muitos sindicatos regidos pelos princípios do sindicalismo revolucionário. 

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Os seus princípios foram consagrados na Carta de Amiens, no Congresso dos sindicatos da CGT francesa, em 1906. 
Esta poderosa corrente, em Portugal formou a CGT, em 1919, seguindo o mesmo princípio dos mandatos delimitados, imperativos e revogáveis como norma estatutária. Nenhum dirigente se podia arvorar em «ditador» dos restantes sindicalizados, visto que o controlo sobre a sua actuação repousava sempre nos seus camaradas, que o tinham eleito. Estes participavam realmente na vida interna do sindicato, a sua «associação de classe», na terminologia adoptada. A participação permanente dos associados na vida interna de uma estrutura é o que permite manter a sua democracia interna.

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As mesmas regras de funcionamento podem aplicar-se em muitas outras instâncias, com as necessárias adaptações. Tem sido aplicada em várias ocasiões e em várias latitudes, em associações culturais, em assembleias populares, em associações de vizinhos, etc. Em todos os casos, a democracia interna tem de ser garantida pela participação regular dum conjunto vasto de associados, nas reuniões. 

Quando se passa de um nível local, a um mais geral, haverá necessidade de órgãos coordenadores: para estes, as diversas assembleias mandatam (esta é a palavra-chave) alguém, ou um certo número de entre seus membros. Este mandato é, como referido acima, temporário, revogável a qualquer momento e deve incluir uma orientação concreta, da parte da assembleia que os elegeu, sobre qual o sentido do seu voto, ou a sua orientação. 
Esta forma de projectar a vontade das assembleias de base, através de delegados devidamente mandatados, chama-se federalismo. [Não tem nada que ver com as estruturas estatais que assim se denominam, ou designações dadas por medíocres analistas políticos.] 
Image result for fédéralisme proudhon oeuvreO verdadeiro federalismo corresponde à aplicação da democracia directa, em vários patamares, onde os patamares de base elegem e controlam o modo como os eleitos exercem seus mandatos.
As resoluções duma estrutura federal são, em princípio, o resultado da confluência dos elementos federados. Numa assembleia federal ou confederal pode haver e é natural que existam, uma maioria e uma minoria, mas não de forma permanente, constante, o que seria equivalente a partidos parlamentares. Pois, numa verdadeira federação, os elementos das bases podem estar em contradição entre si, mas isso será temporário e não incidirá sobre todas as questões. 
Num movimento democrático autêntico, não se evacuam ou reprimem as visões discordantes, elas são tidas em conta, sempre. Mas isso não implica nenhum consenso forçado. Alguns manipuladores têm recentemente tentado instaurar uma espécie de «religião do consenso», mas esta imposição do consenso é essencialmente estranha ao federalismo e à democracia directa. 
Na democracia directa, existe maior liberdade de opinião e mais facilidade em manifestá-la, por muito minoritária que seja. É, aliás, uma das «pedras de toque» de uma tal organização, o respeito pelas minorias: o permitir, sem coação, a expressão de qualquer ponto de vista.

Penso que a democracia directa está ainda na sua infância, embora seja a forma mais natural e mais real de participação na «coisa pública». 
Estou convencido que a questão da escala não é um problema insolúvel: a democracia directa pode ser exercida de forma articulada com o federalismo autêntico, onde assembleias de base definem os mandatos e controlam os portadores desses mesmos mandatos.
Os sistemas ditos de «democracia representativa», não são representativos, verdadeiramente, nem são, de facto, democráticos. Invariavelmente, têm segregado novas oligarquias: os «representantes», uma vez eleitos, quase sempre «esquecem» os compromissos assumidos perante os eleitores. 
Não nos pode surpreender que a democracia representativa esteja cada vez mais desacreditada. Perigosamente, tem desacreditado também a própria ideia de democracia, de participação política, de exercício da cidadania. 
Tem-se perpetuado tal estado de coisas, pela passividade dos cidadãos, pelo alheamento de muitos, pela desistência em participar. Isso é desejado e promovido pelas «elites» que nos governam, embora, hipocritamente, digam o contrário. Os poderes querem reduzir a democracia a uma escolha de «representantes», de tantos em tantos anos; essa é a «participação» desejada por eles, mas afastam e mesmo reprimem, qualquer tentativa de participação na resolução directa dos problemas pelas pessoas. 

Só uma retomada em mãos pelo povo, colectivamente, dos instrumentos de governação, poderá trazer maior democracia. 
Neste século, com o aumento da cultura e do esclarecimento das pessoas, com a exigência maior de transparência, a democracia terá de evoluir. 
Se, em vez de evoluir, a vida política se fossilizar ainda mais, a disjunção entre os princípios proclamados pelos Estados e as suas práticas, irá tornar-se muito patente, a governação será cada vez mais autoritária e isso irá catalisar transformações. 
A democracia directa será, duma ou doutra forma, cada vez mais adoptada: primeiro, em pequena escala e depois, de modo generalizado.

sexta-feira, 14 de outubro de 2016

TEXTOS SOBRE SINDICALISMO

«Enquanto houver uma crença alargada sobre a capacidade reformista de melhorar a situação dos trabalhadores, será impossível que as coisas mudem. Mas, nos dias de hoje, não há realmente nada que os reformistas possam oferecer aos trabalhadores. Apenas palavras e mais palavras. Os trabalhadores não podem esperar qualquer melhoria na sua condição, engajando-se nos becos sem saída que são as pseudo formas de luta conduzidas pelos reformistas; até mesmo quando se chamam a si próprios de “revolucionários”.
Eis a razão porque creio ser fundamental fazer uma crítica certeira das diversas lideranças reformistas, fazendo isto no seio de movimento dos trabalhadores, não em pequenos círculos auto-marginalizados.»(1) 



Traduzi recentemente um texto de um sindicalista anarquista do início do século XX,  Paul Delesalle «AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS»
para um amigo historiador. (2)

Acho que tem interesse, pois além de ser um documento importante para se perceber o contexto da intervenção do anarquismo na luta de classes no início do século XX e sua extrema importância, menorizada pelos historiadores de escolas marxistas ou liberais, convém lê-lo numa perspectiva mais longa da História, por nós, do século XXI : vemos que existe uma continuidade histórica de políticas, de estratégias e de práticas sociais inerentes a diversas correntes no seio da classe trabalhadora. 


(2) AÇÃO SINDICAL E OS ANARQUISTAS

Por Paul Delesalle
-“Les Temps Nouveaux” – 1901 –

Conferência realizada na Biblioteca de Educação Libertária de Belleville a 17 de Maio de 1900.
  

O quotidiano crescimento em importância dos Sindicatos operários obriga-nos a encarar e sobretudo estudar qual deva ser a conduta que devemos ter em relação a estes agrupamentos e até que ponto devemos participar no seu desenvolvimento, quer aí entrando como membros, quer favorecendo a sua criação.
Toda a formação social encerra em si própria os agentes da sua metamorfose; são as próprias leis do regime capitalista que desencadeiam a destruição deste regime, pelo antagonismo de classes criado pelo modo de produção capitalista.
O regime da indústria moderna, isto é, na sua forma económica atual, tem como corolário, nas relações sociais, a organização corporativa.
O sindicato operário é o agrupamento que melhor representa a classe explorada em luta contra a avidez da classe exploradora; não há portanto motivo para contrariar este movimento de agregação em unidades operárias. Devemos, pelo contrário, nos empenhar resolutamente e impedir que a sua direção caia nas mãos de ignorantes ou de ambiciosos que o fariam desviar da sua rota revolucionária.
Obrigados a resistir à ganância capitalista, que é cada dia maior, os operários, para colocar um freio à sua exploração, agruparam-se portanto por indústria. Daqui nasceu o sindicato operário: «Associação de operários de um mesmo ofício agrupando-se para defender seus interesses materiais e morais, criando entre seus aderentes relações de solidariedade com o fim de resistir à avidez dos detentores do capital».
Mas para nós, revolucionários, a sua ação não deve parar aí; assim, vemos no Sindicato dois movimentos:
1-   Um movimento reformista «para defender os seus interesses materiais e morais», tendo em vista a satisfação de interesses imediatos, tais como o melhoramento dos salários, a diminuição da jornada de trabalho e, em geral, todas as melhorias do bem-estar do operário.
2-   Um movimento económico da classe operária contra a classe capitalista, tendo como finalidade bem estabelecida a supressão desta última e do regime que ela representa.

Tais são, na nossa opinião, ambos pontos para os quais tendem os sindicatos operários. Um movimento reformista e um movimento revolucionário tendo por finalidade mudar a forma da sociedade: a testemunha-lo pode-se ler o cabeçalho de um apelo aos operários das indústrias metalúrgicas para os convencer a sindicalizarem-se: 
«O Comité declara que o fim que persegue é a supressão completa do patronato e do salariato»

A nossa atitude face a estas duas tendências do movimento sindical é simples: demonstrar a inanidade das reformas parciais e desenvolver nos sindicalizados o espírito revolucionário.

Através dum aumento salarial, por exemplo, é-nos fácil demonstrar que se - momentaneamente - este aumento nos favorece como compradores, chega um momento em que, todos os salários tendo aumentado, inevitavelmente os produtos aumentam nas proporções idênticas e este aumento não terá servido para nada, pois teríamos mais dinheiro, mas não haveria aumento da capacidade de consumo; é, julgo, aquilo que os advogados do socialismo científico chamam pomposamente «a lei inflexível dos salários».

Irei citar apenas um exemplo: nos Estados Unidos, não é raro ver um operário ganhar 3 ou 4 dólares por dia, o que corresponde a 15 ou 20 francos da nossa moeda; apesar disso, os operários americanos não são mais felizes do que nós, as formidáveis greves de que ouvimos falar, são disso testemunho.

A nossa propaganda nos sindicatos deve portanto ter como finalidade restringir o movimento que apenas tende às reformas parciais, demonstrando a inanidade disso aos nossos camaradas de associação, sempre que a ocasião se apresenta.

Isto não quer dizer que - quando os nossos camaradas reivindicam um aumento de salário - nós sejamos opostos a isso, mas que devemos demonstrar-lhes que isto dá somente uma vantagem passageira e que deveremos recomeçar após pouco tempo, se quisermos conservar essa vantagem e ao fazê-lo estamos a favorecer o movimento sindical enquanto movimento de luta contra a classe capitalista.

A nossa posição face a estes dois elementos constitutivos do movimento sindical está assim bem definida:
1-  Demonstrar a inanidade das reformas;
2-  Favorecer o movimento enquanto elemento revolucionário.

Como acabámos de ver, se existe um agrupamento que se coloca no terreno económico da luta de classes é, sem dúvida, o agrupamento sindical. Em parte nenhuma, fora dele, o antagonismo entre empregadores e assalariados se faz sentir com mais força. Quer se queira, quer não, os interesses dos operários estão em contradição com os dos patrões e vice-versa; existe luta contínua entre estes dois elementos e, melhor do que qualquer outro, o agrupamento sindical favorece esta luta, ou pelo menos, a evoca aos seus aderentes, pois é a sua suprema razão de existir. Basta-nos como prova a frequência das greves nos últimos anos, frequência que vai de par com o desenvolvimento dos sindicatos operários.

A luta neste terreno tem, além do mais, a vantagem superior de não deixar nenhum espaço para alianças e compromissos com a classe burguesa, ou com as classes intermediárias (pequenos burgueses, pequenos comerciantes, empregados superiores), cujos interesses imediatos estão em antagonismo com os dos operários. O contrário ocorre no movimento político, onde as alianças de interesses opostos não são raras, pelo contrário. Melhor ainda, existe um antagonismo entre o movimento corporativo e o movimento político; este último, apesar de todas as tentativas, nunca conseguiu absorver o primeiro.

Conhecer as características dos sindicatos, o grau de evolução destes agrupamentos são coisas que nos devem interessar no mais alto grau, pois há aí um campo de ação que se oferece a nós. Já em várias ocasiões o efeito da nossa propaganda se fez sentir. O congresso de Londres, ao qual uns tantos camaradas trouxeram as ideias e as tendências dos grupos corporativos, permitiu evidenciar as vantagens que daí podemos retirar. Também, a campanha antiparlamentar levada a cabo pelos delegados operários nos relatos feitos após o seu regresso de Londres, não teve pouca importância.

Na atualidade, o antagonismo entre políticos – para os quais a conquista do poder é a panaceia suprema – e os sindicalistas (como alguns os chamam, com desdém) defensores duma transformação da Sociedade, preconizando como meio a «greve geral» - que apenas é, na realidade, a nova forma da revolução, bem apropriada ao regime industrial moderno – mostra-nos que podemos extrair vantagem, para as nossas ideias, do movimento puramente operário dos sindicatos.

Ao contrário da luta eleitoral e política, que se acende apenas periodicamente, a luta contra a avidez patronal é de todos os dias, mantendo os indivíduos constantemente aguerridos e – ponto muito importante – não necessitando nem de chefes, nem de deputados para as tarefas em que todos são convidados a tomar parte ativa, enquanto na luta política eleitoral é, quanto muito, de quatro em quatro ou mais anos que o indivíduo é chamado a exercer a sua soberania, e nós sabemos que soberania é essa, afinal.

Estas são vantagens inegáveis do movimento económico em relação ao movimento político, o indivíduo toma parte ativa nele, sem necessitar de intermediários. Os nossos políticos profissionais tinham bem a noção disso, tal como Jaurès o queria fazer recentemente, pois tentam relegar a luta económica para segundo plano, quando – pelo contrário- a importância do movimento económico é tudo, e a do movimento político, nada.

As revoluções foram eficazes na medida em que foram económicas, as revoluções políticas apenas mudaram a forma de governo sem mudar de qualquer maneira as bases da Sociedade, e sem afetar de algum modo as condições de vida do operário.

À parte as reformas – as quais, como penso ter demonstrado atrás, servem quanto muito para enganar durante algum tempo aqueles em cujo nome elas são efetuadas, os quais não tardam a percebê-lo – o objetivo perseguido pelos sindicatos é – portanto- um objetivo revolucionário que não pode ser alcançado senão por meios revolucionários (greve geral ou outros), o fim último sendo a abolição da exploração do homem pelo homem, mas – é preciso confessá-lo – com uma tendência, por vezes, a um ‘Quarto Estado’ coletivizado (teoria coletivista).

Pois não deveríamos nos enganar a nós próprios, fingindo ou querendo convencer outros, de que todos têm em vista a abolição da sociedade capitalista, de que todos apenas esperam a sua emancipação através de uma sociedade comunista libertária. Muitos, apenas têm como ideal um comunismo autoritário ou coletivismo, convencidos, apesar de todos os fracassos, no papel do Estado Providência. Não irei aqui alongar-me sobre o Estado produtor e dispensador de toda a riqueza; se somos inimigos da centralização capitalista, não podemos sê-lo menos da centralização socialista; sermos governados por Jules Guesde ou P. Lafargue, não nos agrada mais do que sermos governados por Waldeck-Rousseau ou por Méline, pois nós não queremos, de modo nenhum, ser governados.

Esta tendência pela transformação da sociedade, que possuem os sindicatos, não deixa de ser uma tendência revolucionária. E, por outro lado, se a transformação da sociedade é possível através do agrupamento puramente económico, demonstra-se assim a perfeita inutilidade de uma direção puramente política.

Outra vantagem dos sindicatos, e não das menores, é que estreita os laços de solidariedade entre membros da classe operária e isto, não apenas no mesmo local de trabalho, na mesma cidade, no mesmo país, mesmo, por vezes, por cima das fronteiras.

Lembremos o que foi a Internacional, esta vasta associação de operários de todos os países tendo um fim comum: o derrube da burguesia capitalista. Era este o seu internacionalismo prático e os nossos adversários, os burgueses, compreenderam-no tão bem que se puseram de acordo, entre eles, para quebrar a internacional operária, tentando contrariar assim um futuro que esperamos próximo.

O sindicato tem ainda como vantagem o facto de, ao agrupar membros cujos interesses são comuns, não existirem antagonismos como os que se observam nos movimentos políticos, que estão sempre a dividir os operários em questões envolvendo pessoas ou tendências, como vemos agora no seio do Partido Socialista francês.

Ao mesmo tempo que a atividade no terreno económico demonstra a completa inutilidade do movimento político, prepara perfeitamente para o entendimento entre grupos de produtores, para o dia em que estes estiverem em condição de se tornarem donos dos seus instrumentos de trabalho. Que agrupamento afinal estará capaz de garantir a produção e de fazer face às necessidades do consumo no dia seguinte à revolução, senão o agrupamento corporativo?

Pois, quando falam de revolução, alguns parecem esquecer que é necessário garantir o consumo no dia seguinte ao seu triunfo. Se estiver agrupada corporativamente, será fácil à classe operária assegurar essa produção. É o que esperamos que ela faça. Esta evolução dos sindicatos operários será tanto mais rápida quanto nós a encorajarmos e favorecermos, pela nossa propaganda.

Não posso fazer melhor do que citar aqui o nosso camarada Pelloutier, secretário da Federação das Bolsas do Trabalho. Ele também está convicto de que os sindicatos serão embriões dos grupos de produtores do futuro.

«Entre a União corporativa que se constrói e a Sociedade comunista e libertária no seu período inicial, existe concordância.
Queremos que toda a função social tenda à satisfação das nossas necessidades; a união corporativa também o quer, é o seu objetivo, e cada vez mais, se emancipa da crença numa necessidade em haver governos. Nós queremos uma aliança livre dos homens; a união corporativa (ela está a perceber isso melhor a cada dia que passa) não pode existir senão com a condição de banir do seu seio qualquer hierarquia e constrangimento. Nós queremos que a emancipação do povo seja obra do próprio povo: como o quer a união corporativa. Cada vez mais se sente a necessidade de tratarmos nós próprios dos nossos interesses, o gosto da independência e desejo de revolta aí germinam; sonha-se aí de locais de trabalho livres onde a autoridade daria lugar ao sentimento pessoal do dever; emitem-se opiniões, com largueza de espírito, sobre o papel dos trabalhadores numa sociedade harmoniosa. Em resumo, os operários, depois de terem julgado que estavam condenados ao papel de meros instrumentos, querem ser inteligência para que possam ser ao mesmo tempo inventores e criadores das suas obras». (1)

Inicialmente construídos para o socorro mútuo em caso de doença ou de desemprego, aumentaram cedo as suas atribuições ao tomarem o papel de grupos de conciliação nos conflitos entre o capital e o trabalho. A burguesia patronal, ainda hoje, não desejaria ver neles outra coisa.

Agora entraram em pleno na luta. Os trabalhadores impõem a força da sua organização para resistir à avidez capitalista, que cresce diariamente, quer para recusarem diminuições de salários ou, pelo contrário, exigirem melhor remuneração, uma diminuição das horas de laboração ou todo o género de reivindicações que venham melhorar a sua condição. Além disso, sem ter perdido as suas características iniciais, os grupos corporativos, solidamente constituídos, encaram o futuro próximo, enquanto embriões dos grupos livres de produção vindouros. Tarefa que não pode ser mais ampla e na qual bem nos sentimos tentados em participar.

Certamente, ainda têm de evoluir, mas estamos convencidos de que é do movimento operário que sairá a próxima revolução, sob forma de Greve Geral, ao que parece. Somos nós, portanto, se não queremos que a revolução se transforme mais uma vez num vasto logro, que temos de fortemente impregnar, transformar mesmo, estes grupos corporativos de acordo com as nossas ideias.

__________________
(1) A Organização Corporativa e Anarquia, p.17-18

Temos, a todo o custo, que impedir que este movimento seja açambarcado pelos partidários do ‘Quarto Estado’, por esses falsos amigos, que são Jaurès, Millerand, Guesde, etc. os quais sonham expropriar e expulsar a burguesia, em nome de uma ditadura do proletariado, sendo eles os ditadores.


De mutualista, o movimento sindical transformou-se depressa num movimento de reivindicações imediatas ou movimento reformista (aumento dos salários, duração da jornada laboral, etc…) Ele tornou-se hoje em socialista e revolucionário; muitos camaradas nossos, que nele participaram, impregnaram-no, orientaram-no em direção às nossas ideias. Apliquemo-nos então a desembaraçá-lo completamente das fórmulas antigas, a torna-lo comunista e anarquista.

Apenas nos resta refutar as numerosas objeções que são feitas à nossa participação no movimento sindical. Não procurarei eludi-las, pelo contrário, tentarei responder antecipadamente às principais.

Muitos camaradas nos fazem, com alguma aparência de razão, o mesmo reparo que nós anarquistas fazemos em relação aos partidários da propaganda eleitoral e parlamentar. É de temer dizem, que – a exemplo do socialismo parlamentar – a agitação sindical perca de vista o fim de transformação da sociedade, que não seja mais que um movimento reformista.

O sindicato, dizem eles também, apenas tem sucesso na hora presente porque agrupa os trabalhadores com vista a obter benefícios imediatos. Ninguém me verá dissimular estes argumentos, os quais – reconheço - são tantas vezes, infelizmente, verdadeiros.

Em vez de objetar a estes argumentos, válidos em si mesmos, vejo que são afinal excelentes razões para nós entrarmos e criarmos um movimento anarquista no seio do movimento sindical. Ao repudiarmos o papel meramente de obtenção de vantagens imediatas e ao demonstrar a sua inanidade, estaremos a imprimir ao movimento um caráter mais conforme com as nossas próprias ideias.

Outra objeção que se pode fazer - a que não deixo de dar o devido valor – é de que não é preciso formar sindicatos para agrupar operários num plano revolucionário: pelo contrário, o agrupamento corporativo tem tendência a ocupar-se de interesses exclusivamente corporativos. Assim, muitos indivíduos na nossa sociedade têm sido rejeitados sistematicamente das profissões qualificadas devido ao desenvolvimento constante do maquinismo, formando assim um autêntico exército de reserva e não podem entrar em nenhum sindicato. São esses indivíduos que têm maior interesse imediato numa revolução e na transformação da sociedade capitalista. Nada impede de agrupar esses indivíduos no terreno revolucionário onde a nossa propaganda os poderá alcançar mais plenamente. Estivemos sempre empenhados nisso, embora -pessoalmente- tenhamos constatado, com mágoa, todas as dificuldades em agir nesse setor. Muitos outros camaradas também tentaram e regressaram amargurados. Todo este exército de desempregados, de vagabundos, de marginais, é - na realidade - muito difícil de alcançar. Gente que vai pedir esmola em instituições laicas ou religiosas e espero sinceramente que os camaradas que exercem o seu esforço nesse lado tenham mais sucesso do que eu próprio.
Digo isto, constatando que existe uma força real, a qual - num dado momento- é preciso saber integrar na luta.
O ideal seria, sem dúvida, um agrupamento exclusivamente revolucionário; os grupos que tentamos erguer são uma prova de que - enquanto anarquistas - não permanecemos inativos. Mas, dado que existem outros agrupamentos cujos indivíduos não vêm até nós. Não deveremos nós ir até eles? O nosso lugar não estará em todo o lado onde haja propaganda a fazer, indivíduos a trazer para o nosso lado, e não será – melhor que qualquer outro agrupamento- o sindicato um excelente terreno de propaganda? A pouco e pouco, ele evolui e emancipa-se, já não sendo, como tentei demonstrar, um agrupamento de interesses corporativos e de reivindicações imediatas; já vê mais além, até incluindo a visão duma sociedade melhor. Isto é também aquilo que desejamos todos.

                                            ---------------

Também graças aos sindicatos os operários de vários países aproximaram-se, aprenderam a conhecer-se, federações internacionais de profissões ou de indústrias foram criadas e vivem. Isto é internacionalismo prático. As relações por cima das fronteiras irão mostrar-lhes depressa que a exploração não tem limites e que é a mesma em todo o lado. Também a nossa propaganda tenta mostrar isso. É sobre estas aproximações, sobre estas simpatias, que aproximam todos os explorados, que devemos mais contar. A partir do momento em que todos terão compreendido que a exploração é de mesma natureza aquém e além-fronteiras, o capitalismo não terá muito tempo de vida.

Por fim, nós - enquanto anarquistas- podemos impedir que o movimento sindical caia nas malhas de uma organização autoritária ou que promova a criação de uma aristocracia operária.

Por todas estas razões, devemos resolutamente participar na ação sindical e por incessante propaganda demonstrar aos nossos camaradas de sindicato que a nossa emancipação completa apenas pode resultar de uma:
                        Revolução
                                    Internacional,
                                               Comunista e Anarquista.


                                                            Paul DELESALLE