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terça-feira, 16 de janeiro de 2024

HUMANIDADE E O PARADOXO DA SUA EVOLUÇÃO

Acredito que a espécie humana se deixou enredar numa espiral de ganância de poder e de sensação de omnipotência pela tecnologia. Os humanos, na origem, eram somente uma entre numerosas espécies animais. Havia contemporâneas de Homo sapiens outras espécies de homens, até há menos de 50 mil anos atrás. A evolução tecnológica foi tão rápida na escala de tempo da Evolução geral, que perturbou gravemente o desenvolvimento harmonioso da espécie Homo sapiens. Pode-se compreender, olhando à nossa volta, como todo o aparato dos confortos da civilização, enterram, anulam, substituem, as nossas capacidades naturais, isto é, as que nos foram legadas por milhões de anos de evolução biológica. O efeito desta desconexão é todo o drama da civilização humana atual, da civilização tecnológica, em particular. Tal como com a evolução biológica, esta evolução tecnológica é essencialmente não reversível.

Mas, há uma grande diferença na escala de tempo; a inovação biológica tem de se instalar a partir de uma ou várias mutações, compatíveis -obrigatoriamente - com as funções vitais dos indivíduos que são seus portadores, mas também que se possam integrar no ambiente e através da descendência. Portanto, a evolução biológica, tipicamente, demora muitas centenas de anos, ou várias gerações humanas, para se firmar e consolidar. A evolução tecnológica é incomparavelmente mais rápida, com consequências importantes, não apenas nas vidas humanas individuais e ao nível das sociedades, mas mesmo na natureza, em geral. Nos últimos cem anos, têm ocorrido revoluções tecnológicas consideráveis (em vários campos da atividade humana) mais ou menos todos os 20 anos. A evolução das mentalidades, das instituições sociais, já para não falar da adaptação da biologia humana, não podem acompanhar esta progressão. Ela, ainda por cima, não é uniforme, nem previsível, mas é caótica no sentido matemático do termo (não se lhe pode atribuir uma lei). As pessoas estão completamente expostas aos efeitos «secundários», aos «danos colaterais», da tecnologia contemporânea. A arqueologia estuda a evolução das técnicas como, por exemplo, o talhe da pedra; há evolução, mas apenas em longos intervalos de tempo. Aliás, é por isso que tem sido possível efetuar a datação dum sítio arqueológico, somente pela análise da tecnologia de talhe utilizada. Vemos, no entanto, ao longo das poucas dezenas de milhares de anos seguintes, que houve um acelerar exponencial da inovação tecnológica: no paleolítico, a mesma técnica era aplicada durante intervalos de tempo da ordem de milhares de anos, sem modificação notável ou detetável. Hoje em dia, a modificação durante as nossas vidas, é tal que a geração anterior, a dos nossos pais, parece ter vivido num tempo longínquo: perfeitamente imaginável, profusamente documentado, mas muito diferente do quotidiano presente.

Este desequilíbrio, ou seja, a impossibilidade das sociedades integrarem e assimilarem no seu interior as inovações tecnológicas, faz com que elas apenas reajam, o que é confundido com «adaptação», mas que - de facto - não é. E as pessoas, individualmente, acabam também por ficar disfuncionais, como não podia deixar de ser. Este disfuncionamento é em relação a características que são absolutamente essenciais para a sobrevivência do humano, enquanto tal: a sociabilidade, a empatia, o altruísmo, a responsabilização coletiva, a dádiva, a partilha, a preferência do «ser» sobre o «ter». Existe muito empobrecimento mental e afetivo na sociedade tecnologizada. As pessoas não estão nada adaptadas, daí a enorme explosão de violência irracional, não motivada, em sociedades de abundância material. É nessas sociedades que ocorrem frequentes surtos de violência, com pessoas tornadas loucas, capazes de matar quaisquer outros; noutros casos (bem mais frequentes), a situação de desespero, de vazio, de depressão precipita as pessoas a pôr fim às suas vidas, a suicidarem-se. Estes fenómenos extremos de disfunção social, são noticiados, mas eles recobrem um outro domínio do não-reportado, de profunda disfunção, na vida pessoal e social. O consumo das «drogas», sejam elas prescritas sob forma de medicamento, ou procuradas no mercado negro das drogas ilícitas, tem como causa a insatisfação, a frustração das pessoas, relegadas ao dilema absurdo de consumidores resignados, ou à revolta sem objeto, que não será transformada em revolução, enquanto transformação coletiva e social.

Como estou inserido neste mundo e não tenho a veleidade de me extrair dele para ter uma visão de conjunto, que pudesse fornecer um diagnóstico da patologia social e a consequente cura dos males sociais, resta-me apenas dirigir algumas palavras, que penso de bom-senso, nesta altura de acumulação de tensões, de violências, de protagonismos :

Este contexto, obriga a nos preocuparmos com aspetos básicos, não apenas a nossa sobrevivência material individual, como social.

- Estamos no tempo em que deve haver reforço das interações positivas dentro da família e na sociedade que rodeia os indivíduos (os grupos de amigos, de colegas do trabalho...).

- Não devemos ser ingénuos, não devemos deixar-nos manipular através dos nossos sentimentos instintivos, principalmente o medo e a insegurança a ele associada.

- Construir e preservar o que já está construído, no sentido literal e metafórico, deve ser uma nossa preocupação constante.

- Fazer um esforço real e honesto em direção ao Outro; ou seja, sermos capazes de nos pormos na pele do outro. Isto não quer dizer que - automaticamente - aprovemos as suas ações. Não somos diferentes do Outro, na essência: nem superiores, nem inferiores.

- Devemos ser tolerantes, no sentido de não nos colocarmos numa posição ideológica, seja sobre o que for: As questões concretas é que importam; elas passam-se no terreno do real, não nos vapores etéreos das ideologias. Avaliar as situações através do filtro da ideologia, é pior que usarmos um espelho deformante para ver o real; é como caminhar às apalpadelas, num nevoeiro espesso. Eu sei que todos temos, quer queiramos quer não, uma ideologia (implícita ou explícita), mas acho que neste domínio é preciso relativizar: O que nos parece a «verdade última», também no passado, as gerações anteriores tiveram ilusões semelhantes e os resultados foram geralmente deploráveis.




sábado, 25 de novembro de 2023

ALGUMAS PALAVRAS SOBRE VIOLÊNCIA


- Relações de parentesco e relações "contratuais"

Estas relações existem ambas, em todas as sociedades. A estrutura profunda de qualquer sociedade envolve os dois tipos de relações enunciadas. As figurações simbólicas e discursos de influência, de poder, que emanam de uma dada sociedade irão enfatizar uma modalidade de relações ou outra.
Num contexto de guerra, ou de perigo de confronto generalizado, o apelo à relação de parentesco (pátria, clã, tribo, família) sobressai no discurso público, seja nos líderes ocupando a chefia do Estado, seja nos da oposição.
Politicamente e em termos de retórica é "NÓS contra ELES". Vemos isso constantemente agora. Note-se que o tom de intoxicação sectária foi subindo, desde que se tornou patente a falência geral do Ocidente, causada pelas oligarquias (Março 2020).
Esta falência foi ocultada aos cidadãos dos vários países, utilizando técnicas de propaganda e de condicionamento, com a participação ativa da mídia corporativa. Mas, os dirigentes estavam ao corrente; eles estavam plenamente conscientes dessa falência. Têm conselheiros - pagos generosamente e cuja fidelidade está garantida - que os avisaram. Estes, possuem acesso total a informações e dados que lhes permitem fazer uma avaliação qualitativamente melhor do estado do sistema, do que os seus críticos: Por mais inteligentes que sejam, estes últimos não possuem os dados necessários para "reconstituir o puzzle", obviamente.
Além disso, as pessoas, quer sejam muito ignorantes ou muito cultas, tendem a valorar as opiniões e análises que ouvem ou leem, se o indivíduo que as faz estiver mais próximo da ideologia delas. O discurso político tende a ser apaixonado, excessivo, porque cada uma das partes "precisa" de vincar (tornar claro para a audiência) o seu posicionamento.
Os indivíduos, na sociedade ancestral, estavam inteiramente dependentes da família genética, da família alargada, dos vizinhos e dos habitantes da aldeia, para tudo o que era importante na sua vida. Estavam mergulhados no grupo a que pertenciam; o apoio do grupo era fundamental.
Nos últimos cinquenta anos, com o advento da sociedade industrial avançada, os relacionamentos mais próximos dos indivíduos deixaram de ser, em muitos casos, os tradicionais laços de parentesco e de clã. Os indivíduos passaram a movimentar-se "sem uma rede", sem o apoio (e o constrangimento) do grupo de origem, que tiveram, nas sociedades pré industriais.
As relações contratuais, formais ou informais, passaram a ter cada vez maior peso na vida concreta dos indivíduos. Assim, são ligações contratuais: o emprego, a cidadania, a inscrição na Segurança Social etc. Note-se que são «contratos desiguais», porque os indivíduos não podem negociar os seus termos. Por outro lado, a pertença a uma "tribo imaginária" como um clube desportivo, um partido, uma igreja, etc. , são relações «voluntárias», mas que podem ser vividas com a entrega apaixonada que seria de esperar, em relação à família genética, ou ao meio social de origem.




- As violências individuais e coletivas

A desagregação do tecido social origina indivíduos "desenraizados", além de profundamente infelizes. Em grande parte, as horríveis matanças que ocorrem nas sociedades ocidentais, são devidas a pessoas desequilibradas psiquicamente. Por vezes, aparentam possuir motivações políticas, religiosas, étnicas, etc., mas, de facto, são álibis ou pretextos para descarregar o seu ódio e desespero.
Quanto à violência de grupo (ou gangs), ela exerce-se porque as pessoas envolvidas nos atos de violência sentem-se «justificadas» para as executarem. Também beneficiam da «proteção» do grupo, ou seja, têm menos risco dos seus atos terem uma resposta da(s) vítima(s).
As guerras, atos de violência organizada pelos Estados (ou grupos armados não-estatais), cabem dentro da subcategoria da violência de grupo. É uma violência exercida sobre toda a sociedade. A sociedade ou país sobre a qual se exerce a violência armada pode ser vítima de violência maior, nos termos mais bárbaros, como agora se observa, em relação a Gaza. As vítimas preferenciais são da população civil, desprotegidas e incapazes de se defenderem. Mas, não se deve menosprezar a violência exercida sobre a sociedade, que o Estado e respetivo exército dizem defender.
A violência de Estado, correlaciona-se com a guerra e possui certas particularidades:
- É premeditada de longa data
- O recrutas no exército são condicionados a matar, sem sentimentos humanitários para com o inimigo.
- Um Estado que se declara «vítima de agressão» e com legitimidade a «exercer o seu direito de autodefesa», muitas vezes, vai encenar ataques de falsa bandeira, além de discursos inflamados, de vitimização, etc.
- A economia de guerra implica que as forças produtivas desse país estejam mobilizadas para nutrir a máquina de guerra, mesmo as que não são indústrias de armamento.
- Em caso de guerra, o governo pode impor a ditadura, com a supressão de liberdades fundamentais (supressão ou suspensão de atividades políticas, sindicais, censura dos meios de comunicação, etc.).



- A violência e a «natureza humana»

Os processos que despoletam violência individual ou coletiva (incluindo a guerra) são muito mal abordados, no geral, porque estão quase sempre imbuídos de preconceitos ideológicos, disfarçados de ciência.
Mesmo quando não se trata de argumentos racistas para «justificar» o comportamento dum grupo racial ou étnico sobre outro, verifica-se que é comum o recurso a argumentos apriorísticos sobre o que seria um comportamento «normal» e «anormal» em sociedade, ou os «impulsos genéticos» para a violência sobre os outros, etc.
Todo o discurso assumindo que a «natureza humana» é isto ou aquilo, está a cair no cientismo. Pois a «natureza humana» é uma expressão vazia de sentido, não sendo definível com rigor: Afinal, trata-se duma frase-feita, que não explica nada.
O reducionismo comportamental, nomeadamente quando faz referência aos animais sociais, é uma fraude, tem apenas a aparência de científico. Basta notar que o comportamento desses animais se manteve inalterado no essencial, sem uma evolução observada, ao longo de séculos, pelos humanos:
- Por exemplo: As espécies de formigas do tempo de Aristóteles (384 A.C. - 322 A. C.), tinham exatamente o mesmo comportamento e organização social que suas descendentes de hoje. Mas, o mesmo não se pode dizer dos humanos. Pode haver invariantes físicas, psíquicas e emocionais, mas não se pode negar que houve muita modificação nas sociedades humanas. Estas modificações implicaram mudanças importantes nos modos de vida e nos comportamentos concretos dos indivíduos. Em teoria, não será sempre «falso» falar-se de «natureza humana». Será falso, se esta expressão implicar algo imutável, algo definitivamente fixado pelos genes. É o mantra de materialistas e deterministas, uma versão da ideologia cientista. Têm audiência popular devido à fraca cultura científica de grande parte do público.

quarta-feira, 20 de setembro de 2023

APONTAMENTOS SOBRE ARTE POÉTICA

Existem tantas formas de escrever poesia quantas as personalidades dos / das poetas que a escrevem.

A característica que considero fundamental, numa composição poética, é sua música. Música intrínseca, ou seja, o discurso moldado para produzir determinadas sonoridades e ritmos, com suas cadências e andamentos, tonalidades e  orquestrações. No fundo, esta foi e continua a ser a matéria-prima poética, o ingrediente principal da magia que nos envolve e surpreende. 

Os atributos acima citados, aplicam-se tanto a uma composição musical, como a uma composição poética. É costume classificar-se as duas em categorias diferentes, estão arrumadas em prateleiras separadas, uma das partituras,  outra dos livros de poesia. Mas, afinal, são o mesmo, somente utilizando notações diferentes.

As pessoas estão demasiado imersas numa norma estreita, racionalizadora. Uma prova dessa estreiteza, é pretender sempre encontrar «o sentido» num poema. Uma peça musical instrumental, salvo quando classificada como «música descritiva», não suscita um tal afã nos auditores, de encontrar «sentido». 

Outra maneira das pessoas passarem ao lado da essência duma obra de arte, seja ela musical, poética ou outra, é estarem interessadas, quase exclusivamente, nas circunstâncias em que o autor escreveu o poema /partitura, que significado essa composição teve na sua vida, etc. Tudo o que é exterior à obra propriamente dita, é esmiuçado como se fosse uma prova de erudição, de bom gosto, até!  

Mas, as pessoas passam e a obra fica... Não me refiro, apenas, às que criaram a obra, mas também às outras, contemporâneas, que a aplaudiram ou ignoraram.

Por vezes, está-se perante um «nado-morto», quando a obra é medíocre. Na nossa época, existe muita arte morta, a arte dita comercial, epítome do mau gosto, que se vende bem. E não me estou a referir a determinado estilo, corrente, ou moda. Mas, no que há de mais baixo em qualquer género de música ou de literatura. 

A facilidade em escrever e em obter visibilidade (sites na Internet, por ex.) para os escritos, acrescenta uma camada suplementar de ilusão: Porém, não muda em nada a essência do que é produzido, nem a qualidade intrínseca da obra, ou seu valor artístico e literário. 

Esta multiplicação do «lixo» obriga a usar critérios muito mais exigentes. A cacofonia impede que se oiça a boa música, a boa poesia, a boa prosa. 

A verbalização imatura, despudorada, dos sentimentos é uma pornografia. Distingue-se a pornografia de arte erótica, pelo facto daquela apelar somente ao instinto sexual, sem veicular qualquer forma de beleza.

A destruição das formas de arte, muito em particular da música e da poesia, tem sido levada a cabo pela multiplicação da mediocridade. A produção industrial do que vem intitulado como «música» ou «literatura», torna mais difícil a abordagem da arte e obriga a um elitismo, mesmo quando se defende posições antielitistas, na sociedade em geral. 

Vive-se numa época em que muitos perderam as referências do passado e, portanto, deixou de haver possibilidade -para a imensa maioria - de construir um gosto pessoal, usando critérios estéticos próprios. 

Atualmente, não existe um «cânon» nas artes, «vale tudo». Não seria necessário, no entanto, (re)instituir um cânon. Supondo que tal fosse possível, nem acharia desejável. O conhecimento das diversas escolas estéticas deveria fazer parte da formação, desde a infância. A educação do público seria o meio mais importante - a meu ver - de restaurar a qualidade nos domínios artísticos; infelizmente, vai-se no sentido exatamente oposto.


segunda-feira, 3 de abril de 2023

MENSAGEM PARA TI


Estamos perante um Mundo quebrado, fragmentado. Numa sociedade ​fragmentada, onde ninguém se interessa por ninguém. É muito ESTRANHO o que se está a passar, tendo em conta que nós, humanos, somos animais sociais.
Creio que este estado de «autismo social» não foi alcançado de uma vez, mas progressivamente, de tal maneira que isso nos parece «natural». Com efeito, há mil e uma desculpas para não interagir pessoalmente com outras pessoas. 
A razão de fundo, é que nós nos transformámos, a pouco e pouco, em monstros: monstros de egoísmo, que só nos interessamos por alguém que reforça, de um modo ou do outro, a nossa «performance», nem que seja, apenas, simbolicamente. 
Um mundo assim, é «perfeito terreno de caça» para os psicopatas e sociopatas, pessoas que não têm nenhum afeto, que são realmente destituídos de empatia humana. Estas pessoas apenas simulam; interessam-se, apenas como cálculo. Seja como for, elas costumam desaparecer, assim que veem que a preza não interessa, ou que ela está demasiado consciente do jogo que o predador tem jogado.
Eu penso que as pessoas estão fechadas dentro do seu egoísmo; pensam que, se outros são egoístas ou indiferentes para com elas, elas «têm de pagar da mesma moeda». Só que esta abordagem é demasiado mesquinha e vai necessariamente conduzir a uma (abusiva) generalização.
A nossa natureza de humanos não está nas performances que fazemos; nas carreiras que temos; nos currículos que exibimos; nos bens materiais que acumulamos... Enfim, a grande doença da nossa época é a falta de amor; mas de um amor-dádiva, não de um amor posse, dum amor baseado no «toma lá, dá cá». 
Não há dúvida que precisamos de reciprocidade nas relações com os outros, mas pela positiva; se alguém «falha» em relação a nós (ou julgamos, pois pode até nem ser verdade), devemos perdoar e relativizar, devemos contextualizar, o que implica quase sempre que não devemos (consciente ou inconscientemente) nos autoabsolver do que correu mal na nossa relação. 
Pelo contrário, se estamos envolvidos num relacionamento humano a um nível mais profundo (amizade ou amor), então devemos ter a preocupação de cuidar desse elo que nos liga com a outra pessoa. Temos de estar vigilantes para perceber o que aborrece o outro e o que lhe dá prazer. Temos de saber mostrar que estamos atentos e nos interessarmos genuinamente por essa pessoa. É difícil, porque as pessoas estão muito metidas numa teia de relações interesseiras e não compreendem que o nosso ímpeto não seja determinado por «interesses», mas por afetos positivos.
A maior parte das pessoas não é genuína. Mesmo que elas estejam convencidas de que seu amor/amizade por nós é genuíno, podem estar a enganar-se a si próprias. 
O isolamento que as relações por via «digital» (como esta) provocam, é muito maior porque as pessoas «não têm tempo», só leem e dão atenção a algo muito concreto, que lhes traz (ou julgam que lhes traz) vantagem material.
O relacionamento direto, em situação não-hierárquica, deveria fazer parte de terapia social de grupo, para reequipar as pessoas nas suas referências de vida em sociedade. 
É como se quase todas as pessoas estivessem de tal maneira «destreinadas» do funcionamento em sociedade, que se isolam, ou têm comportamentos ambíguos, inadequados,​ agressivos.

Mas, na verdade, eu não creio muito na implementação imediata de tal abordagem, sem que haja uma transformação social profunda. 
Infelizmente, a possível transformação que antevejo para o futuro imediato - com o agravamento duma crise económica, cultural e civilizacional, para a qual francamente não estamos preparados - é uma transformação regressiva do ponto de vista social e dos valores humanistas.

Estou plenamente ciente de que ​esta reflexão não agradará a muitos, pois eu não caio nos estereótipos usuais. Também não aponto a «solução», o que os vendedores de banha da cobra disfarçados de terapeutas, costumam fazer. 
Mas, proponho que as pessoas aumentem o seu grau de consciência, aprofundem o conhecimento das causas do seu mal-estar, para chegarem a um diagnóstico e que façam algo para mudança das suas condições. 
Podem ser condições externas e materiais, mas podem também ser psicológicas e espirituais. 
Em todo o caso, as pessoas têm de «tomar-se a si próprias pela mão e  serem seu próprio auxílio». 
Se encontram, no caminho, alguém de confiança para as ajudar, ótimo. Mas, não devem nunca esquecer que o trabalho essencial é o da própria pessoa... mesmo, quando beneficiam  duma ajuda terapêutica.



sábado, 31 de dezembro de 2022

A CRISE DA ESQUERDA E PORQUE ISSO É GRAVE PARA TODOS

 Neste fim de ano de 2022, gostaria de vos dar, senão uma perspetiva sorridente do ano que vem aí, pelo menos apresentar-vos alguma paisagem com uma nesga de céu azul de esperança. Mas, tal não será fácil de acontecer, pelo menos na transição de 2022 para 2023, apesar de que todos - subjetivamente - nos sentimos atraídos para o otimismo, nestas épocas. 

É difícil e penoso explicar-vos a enorme revolta que sinto, quando penso na evolução que o mundo está a tomar. Mas, após esse pensamento inicial, pergunto-me: «como é que chegámos aqui?». Qual o fio condutor que nos leva - durante estes anos todos - a chegar com a quase fatalidade da tragédia, ao estado presente do mundo e das nossas sociedades?

As raízes do mal presente são tão fundas, que preciso recuar no tempo (pelo menos) até aos alvores das democracias. Contrariamente ao que muitos podem pensar, as democracias na Europa e América do Norte, não se instauraram de uma vez, como resultado de uma «revolução». Foi um processo lento, com períodos muito conturbados, é certo, mas com a persistente vontade dos povos a serem representados ao nível das estruturas de poder. Qualquer que seja a democracia que daí decorreu, quer mais «parlamentar», quer mais «presidencial», todas elas se basearam no princípio da representação.

O princípio da representação, como fundamento de um Estado democrático, eis o que nos soa a natural, a óbvio. 

Porém, ao nível de grandes conjuntos populacionais, não existe nunca uma representação, sem que o processo ocorra através de representantes políticos eleitos. Então essa pedra-angular da representação (como diziam os revolucionários liberais americanos: não pode haver taxação sem representação) foi substituída por outro critério, muito menos transparente, que é o «princípio da eleição». 

Ora, como tenho várias vezes escrito neste blog e noutros locais, a representação é inevitavelmente falseada pelos mecanismos eleitorais, que dão peso - implicitamente - a quem tem mais poder económico. Os magnates «gostam» de entregar milhares ou milhões a partidos e seus candidatos, não porque estes tenham a sua simpatia ideológica. Mas, antes porque assim os têm «na mão». Ou seja, o partido ou candidato que «morder a mão que lhe dá de comer», já sabe que, na próxima eleição, não terá subsídios (meios de corrupção) para conseguir atender às importantes e inevitáveis despesas eleitorais. Não será eleito, porque a campanha de propaganda de seu(s) adversário(s) estava melhor subsidiada, portanto, as campanhas rivais «convenceram» o eleitorado, em detrimento da campanha do «partido ingrato».

Perante este esquema de corrupção estrutural, não existe verdadeira democracia, pois a representação do dinheiro (quem tem mais dólares, mais euros, etc. e que os podem investir nas campanhas) é quem inevitavelmente ganha. Não são mesmo necessárias grandes fraudes, ao nível da votação ou da contagem dos votos. Os partidos que compõem o leque parlamentar e sobretudo, o leque dos elegíveis para cargos de governo, acabam sempre por ser partidos em consonância com o sistema, mesmo que alguns tenham posturas radicais de direita ou de esquerda. 

O que se constata da história das democracias, é que não são poucos os casos históricos de partidos de esquerda que chegaram ao poder, para logo - ou passado pouco tempo - governarem, não em função da vontade dos seus eleitores (em geral, da classe trabalhadora e da burguesia mais modesta), mas dos interesses dos grandes capitalistas. Justificam estas viragens com o «interesse nacional», ou outra frase-feita, suficientemente vaga, para que não seja fácil demonstrar a  falácia.

A partir de certo ponto, que começou no início do século vinte, deu-se a rendição da social-democracia; eram partidos inicialmente revolucionários, que pretendiam derrubar o capitalismo e instaurar o  socialismo. Sucessivas ondas de (ditos) representantes do proletariado, nas democracias ditas liberais, tiveram o mesmo destino; iniciaram a sua atividade parlamentar como forças de «fora» do sistema, mas em pouco tempo integraram-se inteiramente na mecânica parlamentar. Quando vemos isto, podemos ficar desencorajados, pois é um mecanismo que não pode ser mudado facilmente; o mecanismo da cooptação é o que melhor garante a continuidade do status- quo.

Aquilo que se está a passar neste momento trágico na Ucrânia, é devido à rendição das diversas esquerdas, que jogaram o jogo do belicismo. Isto é válido em todos os países da Europa, incluindo claro, a Rússia. Mas, sobretudo, as forças mais poderosas da esquerda, as que se agrupam na chamada 2ª Internacional Socialista, que têm tido governos ou forças parlamentares de oposição fortes em praticamente todos os países da Europa ocidental, todas se alinharam com o belicismo: Marcharam todas integrando o desfile militar, a passo cadenciado, a mando dos que dominam, da oligarquia. Uma guerra, sobretudo destas dimensões (pan-europeia, na verdade), é sempre impulsionada pela ínfima minoria que explora e domina a maior parte da  riqueza criada e que tem manobrado os governos, através do seu controlo das finanças, da média, da corrupção dos partidos, dos peritos e especialistas. 

O dilema de uma força de esquerda parlamentar é, hoje, bastante claro: 

- Ou se retira da fantochada eleitoral e a breve trecho desaparece, como força organizada ao nível nacional, reduzindo-se à dimensão de «seita»; 

- Ou se mantém, mesmo que diga que o faz «criticamente», mas o seu objetivo acaba por ser a manutenção e expansão  da representação parlamentar, com o objetivo de vir a ser convidada e participar num governo de centro-esquerda. 

Não creio que possa existir uma «terceira» via, para partidos de esquerda, que escolheram a via de colaboração com o sistema. É esta a mensagem implícita que nos dão as suas estratégias e táticas, as suas tomadas de posição e declarações. Claro, não vão dizer ao eleitorado, largamente das classes mais pobres, «nós vamos continuar a política de centro-direita/centro esquerda» e «vocês devem votar em nós, porque nós somos os bons, os competentes, etc.» Claro que a sinceridade está fora do jogo do parlamentarismo. São enganadas muitas pessoas, convencidas de que a transição para o socialismo está ao virar  da esquina, bastando para isso votar nos partidos que têm advogado o socialismo. É dentro desta alienação que opera toda a esquerda parlamentar, hoje em dia.

Não quero deixar a impressão de que tenho uma saída - de curto prazo - para este problema. Não a tenho e confesso-o sem hesitar. 

Porém, a única forma de transformar a realidade política e social em profundidade é através da educação, é pela educação que as pessoas se tornam críticas, que são capazes de raciocinar e de estudar por si próprias, aprendendo não só aspetos «técnicos» dos assuntos, mas também as questões mais profundas. Uma educação verdadeira implica conhecimento, o estudo de livros e artigos sobre Filosofia, Política, Sociologia, Psicologia e História. É de constatar que a escola de hoje está muito longe de encorajar a independência de espírito. As pessoas que organizaram os curricula - desde curricula da escola primária até ao ensino superior- são pessoas da inteira confiança da classe dominante. A escola não é um corpo separado do resto da sociedade, mas é atravessado pelas contradições que nela se exprimem. Apesar disso, a educação, mesmo que não tenha sequer uma réstia de crítica ao poder dominante, é sempre perigosa para este, pois alguns filhos da classe oprimida, conseguem atingir um nível de compreensão aprofundada das matérias e destes, uns poucos, serão críticos da realidade social que se lhes depara. 

Concedo que um partido pudesse ser o veículo dessa educação independente,  não enfeudada a interesses de classe, que são os tipos de ensino dominantes nas escolas superiores e universidades, controladas por vários arautos da burguesia. Mas, a verdade é que este tipo de educação, muitas vezes, se limita a formar quadros do próprio partido. Assim, a educação popular, em todas as esferas da atividade não pode ser veiculada por qualquer partido, mesmo que este tenha as melhores intenções do mundo. Porém, organizações populares de base, não enfeudadas a nenhum partido, poderiam desempenhar um papel  muito mais relevante do que o fazem hoje: Cooperativas, associações populares, associações de vizinhança, sindicatos (não controlados por nenhum partido) etc., podem ser um bom terreno para a emergência duma cultura não-elitista, que proporcione as mesmas oportunidades a todos .  

Se o mundo sobreviver entretanto, talvez daqui a muitos anos haja uma transformação qualitativa nas sociedades e seja ultrapassada a etapa capitalista, em que nos encontramos. Parece-me afinal mais construtivo apontar para um objetivo longínquo mas realizável, do que insistir na fórmula vazia (corrompida e corruptora) do parlamentarismo. Os políticos «profissionais» de esquerda, que sabem isso melhor que ninguém, vivem do engano dos seus eleitores. 

Não é verdade que a «esquerda», por o ser, tenha uma qualquer vantagem moral sobre as formações políticas de direita, ou de centro. A mitificação da esquerda, como superior moralmente às outras forças, traduz-se numa autoilusão, numa alucinação mesmo (nalguns casos) de militantes de base sinceros; enquanto os outros, sobretudo dos escalões de topo e intermédios, têm sobretudo uma enorme sede de poder e não são de modo nenhum sinceros. 

Costumo dizer que a melhor maneira de nos corrigirmos, é olharmos para nós próprios e vermos realmente aquilo que nós fizemos de certo ou de errado. É uma autoanálise praticada pelos filósofos desde a antiguidade greco-romana, pelo menos. Também faz parte do ensinamento de muitas escolas filosóficas do Oriente: do Confucianismo, do Budismo Zen. Está igualmente presente no Cristianismo, no Judaísmo e no Alcorão. Em correntes leninistas e maoistas, encontramos apelos à «crítica e autocrítica»; encontramos semelhante apelo para a introspeção em filósofos influenciados pela psicanálise, ou em pós-modernistas. Podemos encontrar em muitas filosofias, não-europeias, este apelo; a própria «sabedoria das nações», repositório da  experiência multissecular dos povos, vai nesse sentido. Seria de esperar que tal fosse praticado pelo povo de esquerda também, ou seja, pelos que não se deixaram corromper e que não têm a soberba de achar que o mundo todo está errado, que eles é que estão certos.

Um bom ano de lutas para 2023!


Uma ilustração de humor satírico de William Banzai

                               https://www.zerohedge.com/news/2022-12-30/stay-woke

quarta-feira, 31 de agosto de 2022

MITOLOGIAS (cap. X) : CASSANDRA, DA ILÍADA AOS NOSSOS DIAS

Quando falamos de Cassandra, estamos a falar de um mito, independentemente de ter existido, ou não, uma princesa em Troia com tal nome.

 A história contemporânea não reconhece a Ilíada como um escrito histórico, que sobreviveu miraculosamente, primeiro oralmente, depois por escrito, relatando a guerra das cidades-estado do Peloponeso contra Troia. Porém, a constante utilização do longo poema pelas artes, poesia e literatura nos séculos após os supostos acontecimentos,  tem criado a ilusão de que os episódios da obra atribuída a Homero seriam, senão historicamente exatos, pelo menos, verosímeis.

De facto, o que se sabe seguramente pela arqueologia, é que Troia existiu, mas que houve uma sucessão de cidades, umas sobre as outras. Além disso, não houve uma única guerra de Troia, mas sim várias. O relato de Homero (ou atribuído a Homero) poderia ter condensado, numa única narração, o longo período de guerras de  Troia contra exércitos coligados das cidades-Estados gregas.  

Podemos - portanto - considerar que Cassandra, tal como está descrita na Ilíada, releva do mito, mais do que da História mitificada. 

Eu vejo a história de Cassandra (*) como simbólica dos comportamentos das sociedades, em relação às pessoas com maior visão, mais sábias, corajosas, e sabendo que estão a ir contra a corrente mas - ainda assim - dizendo a verdade, custe o que custar,  face aos poderosos e ao povo. 

A obra de Luís de Camões contém uma «atualização» de Cassandra, na figura do «Velho do Restelo». Este desempenha, no poema épico «Os Lusíadas», a mesma função que Cassandra, na Ilíada: Profetizar perigos e desgraças que ocorrerão a Portugal e aos portugueses, em consequência do lançamento das ambiciosas e aventureiras viagens marítimas, a partir dos finais do século XV.  

Uma caraterística comum nas «Cassandras» que se nos deparam ao longo da História, é que seus vaticínios, embora pareçam sensatos quando são lidos após os acontecimentos, foram descartados como  fantasias, sintomas de loucura, palavras vãs, pelos indivíduos que, contemporaneamente, ouviram ou leram tais profecias. 

Figura: Aquando da queda de Troia, Cassandra, que se refugiara no templo de Atena, é  violada e depois feita escrava.

No mito, Cassandra é abençoada com um dom, que consiste na capacidade de ver o futuro e, em simultâneo, é amaldiçoada com a impossibilidade de que suas palavras sejam tomadas a sério por seus concidadãos, incluindo a sua própria família. 

Na nossa época, as «Cassandras» avisaram com detalhe e antecedência e, como na lenda, não foram ouvidas. No âmbito económico, mas com grande repercussão política, a chamada «crise das sub-prime» (2008), levou ao quase desmoronamento do castelo de cartas da economia financeirizada. Esta crise foi prevista - com antecedência - por mais do que um analista dos mercados, incluindo figuras célebres do mundo financeiro.  

Mais recentemente, autores de várias escolas de pensamento económico, têm feito avisos muito enfáticos sobre a iminência de um colapso muito superior, em magnitude, ao de 2008. Os avisos são dirigidos ao poder financeiro nos bancos centrais e ministros da economia e finanças dos governos. Estes preocupantes alarmes têm sido também publicados na media, ao alcance do mais amplo público. 

Estes avisos, como os das outras «Cassandras» da História, estão a ser completamente ignorados, por quase todos: Desde pequenos especuladores, a gestores de Wall Street e doutros centros financeiros, a políticos - tanto no poder, como na oposição. Para mim, esta situação não só ilustra a enorme miopia dos poderes, especialmente após o quase colapso de 2008, como parece ser uma enésima atualização da história de Cassandra da Ilíada.

As multidões costumam ignorar, escarnecer, ou mesmo, violentamente atentar contra pessoas que vêm contrariar preconceitos e medos obsessivos. A fúria das multidões é estimulada por ditadores e demagogos, que assim defletem a ira e a frustração popular para que, perante as consequências de suas decisões aventureiras e fatais, nunca lhes sejam atribuídas responsabilidades, mas ao «bode expiatório». 

As pessoas com lucidez e juízo, nestes tempos conturbados, devem ser discretas. Não se devem expor, pois seriam «arrastadas na lama», ou ostracizadas, no mínimo. Devem preservar-se, pois de nada serve tentar convencer uma multidão fanatizada ou hipnotizda

Estas tentativas vãs apenas irão exacerbar a vontade de vingança das massas enganadas, que julgam que «o mensageiro das desgraças» é o causador das mesmas. O mensageiro é castigado em vez do tirano, que afinal de contas, é o causador das más notícias trazidas pelo primeiro. 

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(*) Citação da «Cassandra» de Friedrich Schiller:

« Por que me encarregaste tu de proclamar as tuas profecias com um pensamento lúcido numa cidade cega? Por que é que me fazes ver aquilo que não poderei desviar do nosso povo? O destino que nos ameaça deve cumprir-se, a infelicidade que eu temo tem de realizar-se, a desgraça que eu antevejo tem de acontecer»...

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ARTIGOS ANTERIORES DA SÉRIE MITOLOGIAS:

quinta-feira, 9 de junho de 2022

Que teoria política para o nosso tempo?

[REFLEXÕES DE MANUEL BANET] 


- A igualdade não é uma fórmula quantitativa. A liberdade não é  um conceito abstrato. Ambas estão em íntima relação.

A retórica habitual dos atores da política centra-se muitas vezes nestes dois conceitos de «liberdade» e de «igualdade». Mas nós não devemos entrar numa discussão nos seus termos sofísticos. Por isso, digo que a liberdade não é um conceito abstrato. Entenda-se a afirmação anterior, quando estamos a construir um programa, com objetivos claros e com estratégias exequíveis. Politicamente, a liberdade só pode ser avaliada como uma propriedade ou característica relativa ao funcionamento do sistema político no seu todo e nas suas partes; e isto, «desce» até ao nível dos indivíduos. A liberdade nunca pode ser «concedida», é uma propriedade integral do sistema, o qual será tanto mais pleno de liberdade, quanto mais ou melhor se verificarem tais e tais condições, para os indivíduos e comunidades. 

Do mesmo modo como afirmo relativamente à liberdade, também a igualdade deve ser vista como uma característica sistémica, nunca se poderá ver em isolamento, nem tem sentido reclamá-la sem que se verifiquem as condições de liberdade para assegurá-la. Igualdade sem liberdade, não faz sentido. O inverso, liberdade sem igualdade, também não. Isto significa que todas as retóricas que se destinam a dar prioridade a uma em detrimento da outra, são discursos vazios, sem substância ou coerência lógica. Não podemos medir a igualdade, mas podemos avaliá-la: Ela traduz-se, no concreto, em igualdade de meios e condições materiais* de que usufruem os indivíduos, não apenas no plano dos direitos e deveres cívicos ou políticos, como nos restantes. «Igualdade», em termos de discussão política séria, não pode significar uniformidade, não pode significar uma repartição «igual» da riqueza. Além de que a tentativa de alcançar este objetivo é contrária à manutenção da liberdade dos indivíduos e comunidades, logicamente tal implicaria uma classe de burocratas, fosse qual fosse a ideologia afixada, encarregues de administrar essa tal «igualdade». Pode-se compreender que tal burocracia, inevitavelmente, terá o essencial do poder (e com as benesses que daí decorrem), enquanto todos os outros ficarão sem poder: Logo, não existirá nenhuma igualdade, mas o contrário**. 

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*Alguns usam a expressão «igualdade de oportunidades», mas eu penso que esta formulação é enganadora. Pode parecer que um filho de rico e um de pobre, têm as «mesmas oportunidades», se frequentarem a mesma escola: Na prática, isso não é assim. Por outro lado, alguém com um melhor desempenho na sua profissão que outros, não seria justo que lhe fossem recusadas maiores oportunidades para potenciar a sua formação, etc. devido a um princípio rígido «igualitário». 

**Perante a experiência longa e penosa do regime saído da revolução bolchevique e de todos os seus avatares que surgiram sobretudo no século XX e debruçando-me em profundidade  sobre essa história, cheguei à conclusão de que foi feita a demonstração pela prática e em tragédias terríveis para os povos em causa, do que afirmei sinteticamente acima.

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-Preservar o máximo de conectividade e de autonomia. 

Na natureza, verifica-se que seres vivos, populações e comunidades  perduram no ecossistema, graças às estratégias que desenvolveram ao longo da evolução e que lhes permitem um máximo de resiliência. Ora, esta resiliência numa espécie social, como é o caso da nossa, equivale a manter um relacionamento, que será sempre diferenciado, com os outros: A família, os colegas de trabalho, o grupo de amigos, etc. Note-se que uma das tragédias maiores do nosso tempo, é o paradoxo da abundância material ao nível social, enquanto se assiste a um isolamento cada vez maior do indivíduo: Em vez da partilha, o fechamento; em vez do convívio, o isolamento; em vez da comunicação, a agressão, etc. Muitos médicos e cientistas sociais sabem que, nas sociedades contemporâneas, as patologias mais frequentes são de natureza social na sua génese.

A autonomia dos indivíduos, dos grupos e das sociedades, não é a antítese da conectividade. Há mesmo um efeito de potenciação de ambas. Se pensarmos quem é mais autónomo, não são pessoas com menos conexões, pelo contrário. E o mesmo se poderá observar em conjuntos maiores: Em famílias, comunidades locais, regionais ou nacionais. A autonomia não deve ser confundida com autarcia: São posturas essencialmente diferentes, apesar do prefixo «auto» ser comum. A autonomia significa que o indivíduo ou grupo não está dependente, em qualquer aspeto vital, dos outros quer estes sejam indivíduos ou grupos. Mas, não significa que o ser autónomo rejeite o intercâmbio, a realização conjunta de projetos. Aliás, verifica-se no concreto que, quanto maior autonomia do indivíduo ou grupo, mais está disponível para se abrir aos outros, ao exterior. A atitude que se pode classificar de autarcia, implica a vontade de isolamento e a organização dos diferentes aspetos da vida para realizar e manter esse isolamento. Num indivíduo, corresponde com frequência a uma patologia, a um autismo. Numa sociedade, traduz-se na redução ao mínimo dos contactos com o exterior, quer nos planos das trocas comerciais e culturais, ou na circulação dos indivíduos, etc. Em geral, quando se pensa a independência em termos de Estado, de Nação, é no plano da autonomia dessa Nação, em relação a outra ou outras, que é entendida, não se está a pensar em alcançar um estado de autarcia.

- Gerir ao nível local o que é adequado ao nível local.

A sociedade de hoje é demasiado complexa para poder viver em autarcia. Esta ocorre "naturalmente" pelas circunstâncias em que se encontrem pequenos grupos, tribos ou etnias, muito isoladas da civilização: Por exemplo, nalgumas tribos da Amazônia. Mas, em sociedades complexas, existem demasiados patamares a ter em conta, o que tem provocado dois movimentos contrários: Ou uma tendência centralizadora, impondo as soluções de cima para baixo, do centro para a periferia; ou a solução de atribuir autonomia de decisão e correspondente responsabilidade aos atores de cada um desses patamares. No caso primeiro, assiste-se a um estreitar ou mesmo anular da autonomia e das liberdades, em grau maior ou menor, consoante a violência com que essa centralização é imposta. No segundo caso, é condição para a gestão do grupo e da sociedade, no respeito dos indivíduos e coletivos. Digo condição, apenas, porque para que se realize tal funcionamento, em qualquer dos patamares, é necessário que os atores estejam conscientes dos valores e treinados no debater e agir coletivamente. 

- Construção orgânica dos diversos patamares com metodologias comuns, mas âmbitos legais distintos

Se a organização da sociedade for erigida desde a base, sem imposições de uma elite que se coloca como a «representante» (na realidade, a proprietária) da população, os diversos patamares de organização têm de obedecer aos mesmos princípios gerais. É portanto inútil e mesmo prejudicial estar a especular sobre o concreto dessa organização social, o fundamental é haver, ao nível da população, um entendimento consensual do que sejam os princípios de uma boa governança. Esta «governança», por oposição a «governo», seria sinónima de linhas-guia relativas aos processos de tomada de decisão, de execução das medidas acordadas e de avaliação. Note-se que, aqui, não há apelo a uma utopia, seja ela qual for: As utopias deram demasiadas vezes em tragédias, na história da humanidade. Pelo contrário, a construção orgânica é anti -utópica: O que socialmente é construído, está em potência nos princípios gerais adotados pela sociedade. Não existe nenhum plano prévio, de como se deva organizar e gerir. São os próprios povos interessados, que se mobilizam, debatem e chegam a consenso sobre os caminhos a adotar nas diversas tarefas de construção de instituições. Quanto aos «âmbitos legais distintos»: Significa que determinado patamar tem competência legal para gerir uma determinada área geográfica, ou setor de atividade. Os princípios gerais devem ser adaptados, a cada um desses âmbitos, o que - evidentemente - deverá ser feito pela sociedade, não por um indivíduo ou grupo de indivíduos.

- Não ter pressa nas deliberações e ter preocupação na implementação das decisões

Muitas pessoas confundem rapidez, com eficiência. Isso é consequência duma sociedade em que ser-se servido imediatamente, segundo o seu capricho, tornou-se «exigência» das pessoas, que se acham no seu direito, sobretudo se têm dinheiro e poder. As deliberações entre iguais, têm de ser conduzidas com respeito por todos os intervenientes, seja qual for a metodologia utilizada no debate. Isto é lógico, pois se um ou alguns intervenientes no debate não são respeitados, então é evidente que não existe, ou deixou de existir, igualdade. A obsessão com a «eficácia» é - muitas vezes - uma forma de mascarar vontade de poder sobre os outros e sobre a sociedade. Os ditadores utilizam o argumento da eficácia para alargarem as medidas arbitrárias, para outorgarem mais poder a si próprios, etc. A eficácia é medida por aqueles que tomaram as decisões, fazendo pontualmente ou constantemente a avaliação do modo como estas são implementadas. Isto aplica-se em todas as esferas de atividades humanas coletivas e em todos os patamares de organização. Quem monitoriza a aplicação das decisões, detém uma parte importante do poder, senão mesmo todo o poder. Portanto, à decisão coletiva deve corresponder também a monitorização coletiva da sua aplicação. Num novo modo de organizar a política na sociedade, este aspeto deve ser tido em conta desde o princípio. Os processos de monitorização coletiva das decisões não devem ser estabelecidos a posteriori, mas concomitantemente à  tomada de decisão coletiva. O conceito-chave é de que a coletividade, seja a que nível for, tenha sempre o controlo do processo: tanto na etapa de discussão duma proposta ou resolução, como durante sua implementação, incluindo a sua monitorização e avaliação.  

- Guardar o realismo na avaliação das situações

No geral, as pessoas mais empenhadas são voluntariosas, tendem a tomar os seus desejos pela realidade. Isto é compreensível psicologicamente mas é prejudicial ao fim e ao cabo, em qualquer grupo ou coletivo, pois impede que aquilo que não está a correr bem, seja retificado. Sem crítica permanente, bem acolhida no debate, não relegada para as margens, o realismo não pode existir, na prática. Nas sociedades autoritárias, a ausência desse debate livre, a não aceitação do papel da crítica, vão conduzir - inexoravelmente - a decisões nefastas para a sociedade e até, por vezes, para o próprio poder instituído. Daí que as sociedades autoritárias sejam, ao contrário do que muitos pensam, menos estáveis do que as sociedades onde a crítica, a aceitação natural dos pontos de vista divergentes, sejam prática corrente.   

-Reconhecer que a atitude inteligente é sempre a de cooperação 

Nós - humanos - não teríamos qualquer hipótese de ter sobrevivido enquanto espécie, sem termos criado coletivamente um ambiente que se diferenciou progressivamente do ambiente natural. Este novo ambiente, humanizado, constituiu-se como um nicho dentro do ambiente natural, tornando possível a vida da sociedade humana. Nos processos fundamentais da evolução humana, a entreajuda tem um papel central. Não digo que não houvesse competição; reconheço que a competição - num certo grau- foi importante para a evolução tecnológica existir. Porém, é preciso desfazer de vez a crença numa versão deturpada e totalmente ideológica do darwinismo, imposta pela classe dominante. Com efeito, sua ideologia difusa, o «neoliberalismo», tem sido arauto de chavões como: Temos de aceitar que há sempre «vencedores e vencidos», no mundo natural e nas sociedades humanas; deve-se aceitar a «lei» de que são selecionados os mais aptos, os melhores, através da competição. Ao fim e ao cabo,  qualquer biólogo ambiental e mesmo, qualquer espírito esclarecido, pode aceitar a premissa de que a competição não só é positiva, como é essencial para a sobrevivência da sociedade. Mas, curiosamente, são os difusores desta ideologia neoliberal que - na prática - fazem tudo para eliminar os seus competidores, para erigir um sistema monopolista na economia e uma falsa competição na política. Em muitos países, os partidos concorrentes aos lugares de poder partem das mesmas premissas básicas, são difusores da mesma ideologia.

Nunca é demais sublinhar que as sociedades precisam da estabilidade. Que é a estabilidade que lhes permite inovar. As revoluções são, em regra geral, baseadas nalguma ideia de transformação profunda da sociedade, que seria absoluto dever levar-se a cabo. Esta ideia de revolução serve bem uma casta sequiosa de poder, seja qual for sua ideologia. Esta prepara-se cuidadosamente, muito tempo antes da revolução, antes das condições para tal revolução estarem maduras. O seu discurso oficial não revela suas intenções. Essencialmente, a casta quer dominar as massas, gerir a sociedade à sua maneira. O poder resultante da revolução é sempre, «por coincidência», o que favorece essa mesma casta, que a mantém no poder e a enriquece. Nalguns casos, consegue perpetuar os seus privilégios, até se tornarem hereditários, ou seja, uma classe à parte.

Pelos motivos acima, devemos difundir a pedagogia  de nos habituarmos a avaliar alguém, ou um partido, ou corrente, não pelo seu discurso, mas pela sua prática, por aquilo que fazem, não pelo que proclamam. Por exemplo, não basta que um grupo seja favorável à cooperação, em discurso. É preciso que a sua prática quotidiana, o seu modo de funcionamento interno, seu relacionamento com outros indivíduos ou grupos, sejam aplicações claras dos princípios de cooperação, de entreajuda, de troca igual, etc. Caso contrário, tal grupo, estará a construir um projeto de tomada de poder sobre a restante sociedade.

Não irei aqui fazer o elogio da cooperação, existem muitas obras que o fazem bem. Para mim parece-me algo evidente, que tem inúmeras vantagens sobre a competição egoísta, sobre a obsessão pela conquista do poder, etc. A minha intenção, neste curto texto de reflexão, foi de mostrar que as ideologias que exaltam o indivíduo acima e se necessário contra a sociedade, as que opõem bem-estar individual ao bem comum, como se estes fossem antagónicos, são - na realidade - o contrário do liberalismo genuíno, ou seja do liberalismo que surgiu no século XVIII, dos filósofos das luzes, e não do «liberalismo» que foi, depois disso, o estandarte ideológico da «política da canhoneira», levada a cabo pelo Império Britânico, ao qual sucedeu o Império Yankee.
No presente, de forma deliberada para falsear o debate, são excluídas, ou deturpadas até à caricatura, as formas de pensar as relações entre humanos, a política no sentido mais nobre da palavra: Nomeadamente, as correntes que preconizem a igualdade verdadeira (sem «igualitarismo»), a autonomia (que não significa «autarcia») e a cooperação (que não exclui, mas integra, a competição).
Se estas ideias tiverem uma significativa implantação nas sociedades contemporâneas ou, pelo menos, em segmentos destas, poderão demonstrar - pela prática - não apenas a sua viabilidade, como suas vantagens face ao modelo hierárquico, elitista, de exercer o poder.
É um problema difícil de resolver; não foi resolvido no passado, por muitos motivos, entre eles: A sabotagem de tais iniciativas, pelos poderes instituídos; a dificuldade dos próprios protagonistas das experiências de sociedade não-hierárquica, cooperativa e livre, em se desfazerem dos preconceitos ou erros conceptuais importados das sociedades das quais eram originários.

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Gostaria muito de receber as vossas críticas e opiniões sobre este texto. Ele tem apenas como função despoletar a discussão. Não tenho dúvidas de que qualquer dos pontos tratados foi apenas aflorado; que seria necessário desenvolver e argumentar muito mais as minhas teses.
Por outro lado, penso que só a reflexão coletiva e a discussão, podem proporcionar a maturação das ideias, a partir deste esboço. Esta atitude está em coerência com o espírito de cooperação, de entreajuda. Escrevam o que pensam na secção de comentários por debaixo deste texto ou enviem-me as vossas opiniões sob forma de e-mail, para: manuelbap2@gmail.com

Aguardo, com sincero interesse, as vossas reflexões!












segunda-feira, 30 de maio de 2022

A REALIDADE ACABA, SEMPRE, POR SER MAIS FORTE


Mattias Mesmet avança explicações sábias para a hipnose coletiva que assolou o Mundo inteiro durante a «pandemia» de Covid.
Agora, com hipnose ou sem ela, as pessoas parecem-me enraivecidas contra os que são designados «os maus» pela propaganda. Fico chocado com a total rendição de pessoas, outrora defensoras de valores do humanismo e direitos humanos. São capazes de atitudes discriminatórias, aprovando-as ou ficando indiferentes, face à demonização de todo um povo, o povo russo.
Nenhum povo tem a responsabilidade dos atos dos seus dirigentes, na verdade. Nós sabemos isso: No Ocidente, também, governos e maiorias parlamentares costumam decretar ou votar medidas ao contrário dos programas eleitorais na base dos quais foram eleitos.
Dizer que «o povo tem os dirigentes que merece» é uma grande injustiça. É como se o povo, enganado, tivesse -ainda por cima! - a responsabilidade pelo mal que os políticos fazem! O facto de fazerem esse mal, e que seja feito em nome dos eleitores e do povo, é apenas adicionar escárnio à injúria.
Eu não sei qual a popularidade respetiva dos diversos dirigentes mundiais; não tenho confiança nos «institutos de sondagens»; nem sequer, no que significam as eleições num dado país pois, como disse acima, as pessoas costumam ser completamente enganadas. São inundadas por promessas demagógicas, ou submetidas uma intensa propaganda de ódio contra os «inimigos designados» do momento.
De facto, pouco importa. Pois a minha preocupação é que as pessoas comuns estão demasiado dependentes da bolha de narrativas enganadoras, que recebem constantemente, da média corporativa e que realmente consegue influenciar a generalidade do público.
O efeito é de tal ordem, que as pessoas não acreditam naquilo que têm diante dos olhos: É o conto d'«O Rei Vai Nu» que deveria ser reescrito, de acordo com a versão de Bob Moran:


Em face do que se tem passado, verifico que o meu receio duma nova «idade das trevas», dum recuo civilizacional, parece confirmar-se.
Não vejo outra saída, que não seja ao nível de pequenos grupos de indivíduos, que se juntem para se entreajudar e para encontrar formas inteligentes de resistir.
 O convencimento das pessoas não decorre -infelizmente - de ouvirem ou lerem uma qualquer argumentação racional contrária às suas crenças. Mesmo quando se apresentem muitos argumentos racionais e lógicos. Os humanos não são seres racionais, mas «que racionalizam».
De facto, muitas pessoas preferem teimar que têm razão, a terem que conceder que se enganaram, ou que se deixaram aldrabar por um trapaceiro, etc.
Não perdoam a alguém que lhes demonstre que elas estavam enganadas. Mesmo que esse alguém utilize linguagem cordata, não agressiva e quando os argumentos são realmente bons.
O seu «amor-próprio» faz com que recusem aceitar que foram arrastadas na «manada», ou seja, na onda de entusiasmo momentâneo, emocional.
Então, não há nada a fazer?
- Não é bem assim: Há que manter a criteriosa avaliação da realidade, tal como ela é. Não cairmos no pessimismo, nem deixar de ver as realidades em face, mesmo quando elas são «feias». Há que ter muito autocontrolo e não querer convencer, seja quem for: as pessoas convencem-se a si próprias, em consequência das circunstâncias em que são colocadas. Ou vivem uma experiência que faz a diferença, ou nunca mudarão de opinião, seja sobre o que for. É o primado da prática.
Para algumas pessoas, um leve trauma chega para mudarem de atitude. Para outras, é necessário um acontecimento muito mais marcante.
Para a generalidade das pessoas, o «efeito de vizinhança» tem um papel decisivo; quando - em volta do indivíduo - estão todos a apoiar determinada narrativa, quase ninguém se atreve a contrariar essa versão.
Vimos, no caso do COVID, que muitos profissionais de saúde tinham fundadas e sensatas objeções, quanto aos métodos de tratamento, mas tiveram que se sujeitar aos protocolos impostos administrativamente, inadequados e que fizeram aumentar o número de mortes. Porém, não foram frequentes os que se rebelaram. Os que o fizeram, foram arrastados na lama. Em muitos casos, foram punidos por terem mostrado independência. Um grande número terá recuado e fingido concordar com as diretivas, por receio de ter sua carreira e emprego postos em causa.
De facto, as pessoas que controlam as narrativas são, muito diretamente, pessoas do poder. Mesmo, quando se revestem de títulos científicos (como Ferguson ou Fauci e muitos outros) são - de facto - os que falsificam a ciência, pretendendo ser «a ciência». Seu jogo consiste em favorecer os poderosos, multimilionários, cuja fortuna é superior ao PIB de nações e não das mais fracas.
Os governos são manipulados por este grupo de super-ricos: Tudo o que esta aristocracia tem de fazer, é manter os «seus» políticos na dependência, através de generosas doações.
Qual é o político que, para não fazer algo que contradiga as suas convicções, prefere perder as eleições, porque perdeu os apoios financeiros para a campanha dispendiosa ?
De facto, só chegam a disputar o poder, pessoas que realmente não têm escrúpulos nenhuns. Já tenho demonstrado, noutros artigos, como o sistema dos partidos é uma espécie de sistema de seleção darwiniana ao contrário: Só sobrevivem, prosperam e triunfam, os piores, os menos escrupulosos, os destituídos de moral, os que desprezam seus eleitores.
Nestas circunstâncias, a questão nem se põe de querer disputar algo no terreno político, que está completamente corrompido.
Mas, faz sentido nos reunirmos com pessoas que estejam também elas fartas desses psicopatas e sociopatas.
O essencial é construir alternativas de vida, de relacionamento, de educação, capazes de manter um certo número fora da atração da política: Pessoas capazes de construir-se, de forma integral, quer no plano profissional, familiar, ou social.
A «democracia», tal como é praticada no Ocidente, é «um repelente» para pessoas saudáveis, com bons instintos, que não gostam de dominar os outros, nem ser dominadas.
Pois essas pessoas existem e não são poucas. Eu não sei se, eventualmente, são a maioria, ou não. O que eu sei, pela minha experiência vivida, é que muitas pessoas se julgam muito mais impotentes, do que na realidade são: Pensam estar isoladas, marginais, mas isso não é verdade, pois - de facto - existem muitas outras como elas.
O tipo de vida nas nossas sociedades, é que é  causador desse isolamento. As vidas das pessoas são compartimentadas: Não têm verdadeiros convívios, além da família, mas mesmo esta é muito restrita, visto que a família alargada (tios, primos, etc.) «desapareceu». Só resta, na prática, a família nuclear (o casal e os filhos).
No fundo, trata-se de cultivar a convivialidade, com o propósito de que vá além do mero prazer de conviver. Seria interessante desenvolver «clubes», «academias», ou outros agrupamentos onde as pessoas possam realizar o que gostem e interagir com outras, cujos interesses sejam afins.
Note-se que isto não implica, de modo nenhum, uniformidade ou convergência política ou ideológica. Não é o propósito deste tipo de associações. A verdade é que estas associações são de natureza cultural. São polos de civismo, que educam e perpetuam relações de entreajuda, de tolerância e promovem a construção de projetos em comum.
Estamos em plena era digital, da Internet e dos smartphones mas, isto não significa que a procura de contato direto, genuíno, baseado nos interesses das pessoas, deixe de fazer sentido. Considero que é preciso reinvestir este campo da sociabilidade direta, sem ser com uma finalidade «interesseira». A motivação não deveria ser profissional, de negócios, ou partidária.
Não possuo um «livro de instruções», para a construção de tais associações. Pode-se partir de instituições existentes, que precisam de ser revitalizadas, ou de grupos, mais informais, de afinidade. É frequente acontecer - espontaneamente - entre adolescentes que partilham o mesmo gosto por desporto, ou por música. Mas, pode ser cultivado em qualquer outra etapa da vida.
De qualquer maneira, existe um campo enorme para um trabalho transversal, que não passa por relações «mercantis» ou «hierárquicas». É neste campo que julgo valer a pena nos investirmos, não em estruturas de poder, que são as associações de cariz político.
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PS1: Veja artigo do Dr. Robert Malone, confirmando o que digo acima, a propósito da onda de medo induzida pela media, usando «monkeypox»: