Mostrar mensagens com a etiqueta vanguardas. Mostrar todas as mensagens
Mostrar mensagens com a etiqueta vanguardas. Mostrar todas as mensagens

sexta-feira, 7 de julho de 2023

O IMPÉRIO DAS LUZES - RENÉ MAGRITTE

 







Existem 17 versões desta paisagem, « O Império das Luzes», do pintor surrealista René Magritte. Nutro uma grande admiração por este pintor, pela sua originalidade que sobressai até mesmo em relação ao vanguardismo noutros surrealistas seus contemporâneos.


As suas telas questionam, colocam o espectador perante um jogo inteiramente mental, por vezes, desencadeando um estranhamento, quase à maneira de Fernando Pessoa*: O estranhamento do quotidiano, da paisagem quotidiana, dos gestos, das palavras.
Esta obra, que eu tive muito tempo pendurada sob forma de «poster» no meu quarto, apela ao nosso sentido visual, como é evidente, mas para além disso, dá-nos uma sensação vaga de inquietude, de insólito pois - num primeiro momento de análise - encontraremos apenas elementos «banais». A casa é banal, como o são as luzes e o reflexo destas sobre o lago, a claridade de um céu com nuvens dispersas, um céu de fim-de-tarde de Verão... Tudo isto é banal.

Menos banal, porém, é o lusco-fusco da cena, ao nível da casa e das árvores, confrontado com o céu azul. Esta justaposição causa uma sensação de insólito inexplicável, não obstante a nossa experiência de paisagens indicar-nos como sendo possível que a cena próxima do solo seja crepuscular, enquanto o céu ainda é iluminado por raios solares, podendo apresentar-se com cor azul clara. Sua luminosidade é acentuada pela presença de nuvens alvas, como farrapos de algodão.

A visualização da paisagem - ela própria - é subjetiva, independentemente do realismo e materialidade banal, «burguesa» do eventual modelo. Pensa-se que o artista utilizou como modelo uma casa realmente existente nos subúrbios de Bruxelas. Este facto, assim como o estatuto ímpar dentro da obra do artista, que não fez outra série de telas sobre um mesmo motivo, além desta, abrem as portas à nossa curiosidade.

Magritte é discursivo, mas ao nível do próprio trabalho de pintor. Ele não diz por que razão fez isto ou aquilo, nem o que estava a pensar quando decidiu representar determinada cena. Ele deixa que os seus quadros «falem» por eles próprios, que mostrem a evidência de uma meditação interior, de um olhar que interroga o real, sem qualquer laivo de «ingenuidade», mas sem concessões a psicologismos ou intelectualismos, como o fizeram outros (surrealistas ou não; contemporâneos ou não).

Em Magritte, o intelecto do observador é provocado a «ler» o quadro, a uma aventura de reflexão mental pura, em rutura com a espessa camada de convencionalismo reinante na sociedade e que interiorizámos sem crítica.


René Magritte é um bom antídoto à sociedade do instante, do convencional, da pulsão hedónica, à sociedade «de massas» que está no exterior e interior de nós próprios, que penetra nas circunvoluções cerebrais de todos nós, sem nos darmos conta.


---------------------
*Fernando Pessoa (1888-1935) poeta e filósofo modernista português que dedicou muitas páginas de prosa e muitos poemas à análise de estados de estranhamento perante o real.

terça-feira, 4 de julho de 2017

SONG «SURABAYA JOHNNY» BRECHT / WEILL






A canção, aqui interpretada por Lotte Lenya, é uma das mais célebres do duo Brecht/Weill. As «songs» estavam inseridas em peças teatrais, pontuavam a acção em certos momentos ou eram parte de peça predominantemente musical, como a «Ópera dos Três Vinténs»
Pese embora a circunstância da sua criação, a de peças teatrais «políticas», assim como a forte influência da música popular da época (a canção de rua, o jazz, o blues, os musicais da Broadway...) estas canções têm algo de duradouro. 
São recriadas - geração após geração - por inúmeros interpretes, são traduzidas, imitadas e adaptadas das mais diversas maneiras. 

Uma das características destas canções é a sua letra fortemente ligada à fala popular. Outra, é a utilização de frases ditas, não cantadas (recitativo), interpoladas. A melodia é fácil de decorar e de cantar e o seu ritmo é vincado. Frequentemente, o acompanhamento revela ousadias harmónicas, mas discretas: ao analisarmos a partitura, percebemos que são composições da vanguarda dos anos 20. 


Ich war jung, Gott, erst sechzehn Jahre
Du kamest von Birma herauf
Und sagtest, ich solle mit dir gehen
Du kämest für alles auf.
Ich fragte nach deiner Stellung
Du sagtest, so wahr ich hier steh
Du hättest zu tun mit der Eisenbahn
Und nichts zu tun mit der See.
Du sagtest viel, Johnny
Kein Wort war wahr, Johnny
Du hast mich betrogen, Johnny, in der ersten Stund
Ich hasse dich so, Johnny
Wie du dastehst und grinst, Johnny
Nimm die Pfeife aus dem Maul, du Hund.


Surabaya-Johnny, warum bist du so roh?
Surabaya-Johnny, mein Gott, ich liebe dich so.
Surabaya-Johnny, warum bin ich nicht froh ?
Du hast kein Herz, Johnny, und ich liebe dich so.


Zuerst war es immer Sonntag
So lang, bis ich mitging mit dir
Aber schon nach zwei Wochen
War dir nicht nichts mehr recht an mir.
Hinauf und hinab durch den Pandschab
Den Fluß entlang bis zur See:
Ich sehe schon aus im Spiegel
Wie eine Vierzigjährige.
Du wolltest nicht Liebe, Johnny
Du wolltest Geld, Johnny
Ich aber sah, Johnny, nur auf deinen Mund.
Du verlangtest alles, Johnny
Ich gab dir mehr, Johnny
Nimm die Pfeife aus dem Maul, du Hund.



Surabaya-Johnny, warum bist du so roh ?
Surabaya-Johnny, mein Gott, ich liebe dich so. 
Surabaya-Johnny, warum bin ich nicht froh ?
Du hast kein Herz, Johnny, und ich liebe dich so. 

Ich hatte es nicht beachtet
Warum du den Namen hast
Aber an der ganzen langen Küste
Warst du ein bekannter Gast.
Eines morgens in einem Sixpencebett
Werd ich donnern hören die See
Und du gehst, ohne etwas zu sagen
Und dein Schiff liegt unten am Kai.
Du hast kein Herz, Johnny
Du bist ein Schuft, Johnny
Du gehst jetzt weg, Johnny, sag mir den Grund.
Ich liebe dich doch, Johnny
Wie am ersten Tag, Johnny
Nimm die Pfeife aus dem Maul, du Hund.


Surabaya-Johnny, warum bist du so roh ?
Surabaya-Johnny, mein Gott, ich liebe dich so. 
Surabaya-Johnny, warum bin ich nicht froh ?

Du hast kein Herz, Johnny, und ich liebe dich so.

I was young, I was just sixteen then
When you came up from Burma one day
And you told me to pack up my suitcase
And I did, and you took me away
I said, "Do you work nice and steady
Or do you go sailing and roving out to sea?"
And you said, "I have a job on the railroad
And baby, how swell it's all gonna be"
You said a lot, Johnny. It was all lies
You sure had me fooled, right from the start
I hate you when you laugh at me like that
Take that pipe out of your mouth, Johnny

Surabaya Johnny. Is it really the end?
Surabaya Johnny. Will the hurt ever mend?
Surabaya Johnny. Ooh, I burn at your touch
You got no heart, Johnny, but oh, I love you so much

Oh, at first you were kind and gentle
'Til I packed up and went off with you
And it lasted two weeks until one day
You laughed at me and hit me too
You dragged me all over the city
Up the river and down to the sea
Now I look at myself in the mirror
And some old woman looks back at me
You didn't want love, Johnny, you wanted money
I gave you all I had. You wanted more
Oh, don't look at me that way
I'm only trying to talk to you
Wipe that grin off your face, Johnny

Surabaya Johnny. Is it really the end?
Surabaya Johnny. Will the pain never mend?
Surabaya Johnny. How I burn at your touch
You got no heart, Johnny, but oh, I love you so much

When we met I forgot to ask you
Why they called you that funny name
But in every hotel on the seacoast
I found out, and I loved you all the same
I'm tired. I'm worn out
The sea's pounding in my ears
And I reach out my arms to hold you
You're not here and who even cares?
You got no heart, Johnny. You're just no good
You going now? Oh, tell me why
I love you after all, Johnny, like that very first day
Don't laugh at me no more, Johnny.

Surabaya Johnny. Is it really the end?
Surabaya Johnny. Will the hurt ever mend?
Surabaya Johnny. Oh, I burn at your touch
You got no heart, Johnny, but oh, I love you
I love you, I love you so much

Written by Bertolt Brecht, Eugen Berthold Brecht, Kurt Weill • Copyright © Warner/Chappell Music, Inc, Tratore

sexta-feira, 5 de agosto de 2016

ABEL SALAZAR, CIENTISTA, ARTISTA E RESISTENTE


Abel Salazar foi muito acarinhado pela geração dos médicos e biólogos à qual pertenceram os meus Pais. Ele estava sempre disponível para ajudar jovens. Uma tal Georgette Banet trocou correspondência com ele sobre questões de Histologia, às quais respondeu gentilmente. Também lhe ofereceu uma obra sua de Histologia e Patologia, um importante recurso para o estudo da finalista ou jovem médica, que era minha Mãe. 
Guardo com muito carinho este livro científico do Prof. Abel Salazar, com uma dedicatória manuscrita à minha Mãe. Guardo também uma àgua-forte do Mestre Abel Salazar, oferecida aos meus pais, como afirmação da sua estima pelo trabalho do casal de jovens médicos. 

O tema da referida àgua forte é semelhante ao do quadro a óleo, visível abaixo, recentemente vendido numa leiloeira de Lisboa




Na casa-museu, existem muitas obras e recordações do Homem multifacetado que veio a ser homenageado, depois da queda da ditadura fascistóide.  Deram o seu nome a um dos centros de investigação e ensino mais dinâmicos do país, o «Instituto de Ciências Biomédicas Abel Salazar», no Porto. 

O óleo abaixo (que se pode ver na Casa-Museu Abel Salazar) representa vendedeiras no mercado ao ar livre no Porto. 

                            


A preferência por cenas representando o povo trabalhador, humilde, faz dele precursor ou iniciador do movimento neo-realista. 
Porém, acho que é muito redutor - para qualquer artista - tentar enquadrá-lo dentro de uma determinada corrente. Qualquer artista verdadeiro é multifacetado, tem uma procura e uma evolução natural, intríseca, da sua arte. 
Aqui e agora, lamentavelmente, o realismo tem sido posto de lado, por críticos de arte que apenas se interessam e valorizam as ditas «vanguardas». Mas esta visão é tão parcial como a visão académica oposta, pois na nossa sociedade -como em todas - coexistem diversas correntes estéticas e isso, afinal de contas, é muito positivo. 
Porém, esse efeito de «moda» - ou seja, a obsessão com algumas correntes, apenas e a sistemática omissão do que esteja em contradição ou não se conforme com uma determinada visão da arte - não apenas é redutor, como empobrece e distorce aquilo que o grande público pode captar das principais correntes estéticas, num dado país.