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terça-feira, 31 de outubro de 2017

A QUESTÃO DO NACIONALISMO E DA «UNIÃO» EUROPEIA

                        
Há algum tempo colocava a questão se existiria um nacionalismo de esquerda. Respondi que sim, que era evidente, pelos exemplos históricos diversos. 
Agora temos um caso especial com o nacionalismo catalão e o destino incerto de uma República Catalã que foi negada, anulada, mal foi proclamada. 

A questão de fundo prende-se com a direção do movimento nacionalista, seja em que região do mundo for. Vimos isso com as direções dos movimentos de libertação das ex-colónias portuguesas, por exemplo, que assim que tiveram o poder e formaram governo nos seus países recém-chegados à independência tratarem de assegurar o controlo pessoal dos diversos sectores da economia e finalmente, acabarem por distribuir benesses e postos lucrativos a familiares e amigos, assegurando também um pecúlio suficiente para um exílio dourado, algures à beira dum lago suíço.

Na Península Ibérica, desde a Idade Média, as diferenças culturais e étnicas, inegáveis, entre povos da Hispânia ou Ibéria, vão-se repercutir na divisão entre vários reinos, historicamente o terreno onde se desenvolveram as línguas e floresceram as culturas. 
Porém, o nacionalismo surgiu - de facto - como ideologia política somente no século XIX, na sequência da convulsão das guerras napoleónicas, em toda a extensão do continente europeu. Foi a partir dessa época que o nacionalismo se afirmou como uma aliança entre a burguesia e o povo (os camponeses, os artesãos e o proletariado das nascentes indústrias).

A República Espanhola era federal e as diversas regiões, incluindo o País Basco, a Catalunha e a Galiza, tiveram órgãos próprios de governo. 
No franquismo, as reivindicações de autonomia política foram ferozmente reprimidas, enquanto se permitia a afirmação dos particularismos regionais, como expressões da «diversidade» dentro da mãe Espanha. 
O modelo republicano era federalista: tinha na sua génese as reivindicações de poderosas burguesias regionais, que desenvolveram indústrias e comércio, na Catalunha e no País Basco, sem precisar de Madrid, a sede do império. 
Está patente, sob forma de testemunhos de pedra, a ascensão da burguesia industrial em San Sebastián ou em Barcelona. No período que vai da segunda metade do século XIX, ao primeiro quartel do século XX, foram construídos muitos monumentos e prédios burgueses nas artérias mais prestigiosas destas cidades. 
A região Galega também teve o seu impulso, liderado por uma burguesia nacional, mas sob o franquismo e o imediato pós-franquismo, constituindo fortunas colossais, como a dos patrões da «Zara» ou da «Pesca Nova». O nacionalismo galego sonha com um Estado único englobando a Galiza e Portugal. 

O nacionalismo «revolucionário» está em crise, assim como as correntes de extrema esquerda autoritária, principalmente de influência maoista, que as protagonizaram. Embora só possam oferecer um pouco de ópio de ilusões emancipadoras, conservam ainda uma certa áurea nalgumas regiões, em sectores das classes trabalhadoras.

A crise catalã vem confirmar isto, pois o processo é liderado - de facto - por sectores da burguesia, que têm como objetivo a integração da Catalunha no desconcerto das nações da desUnião Europeia. 
A aposta da independência ser apoiada pelos poderes eurocráticos de Bruxelas ainda não foi considerada perdida por vários sectores pró-independência da Catalunha. 
Mas pessoalmente, eu acho que está mais que provado que os poderes de Bruxelas e da grande maioria dos Estados e Governos que compõem a manta de retalhos chamada Europa «unida», nada temem mais do que um simultâneo rebentar de crises nacionalistas nos seus respetivos Estados. Note-se que estes são quase todos multi-étnicos, como é lógico que o sejam, numa História de tantos séculos, com guerras, invasões e tratados de paz que redesenharam fronteiras nacionais, etc. 
O enfraquecimento do poderio da UE, pode ser interessante no curto prazo para os EUA, pois estes estão interessados em que seus aliados e parceiros sejam fracos, que precisem da ajuda e proteção do Império. É melhor - para o dólar - que sejam o euro e a zona euro a sofrer o maior impacto, na vindoura crise económica e financeira . No entanto, o imperialismo dos EUA precisa do imperialismo subordinado da UE; não quererá que esta UE rebente. 
Por outras palavras, sem dúvida que uma crise generalizada de nacionalismos seria o epitáfio do Euro e mesmo da UE. 
O declínio é inevitável, com ou sem crises nacionalistas. Veria afinal, estas crises, mais como consequências, do que como causas. Num contexto de abundância, de enriquecimento, os movimentos independentistas dificilmente terão adesão maioritária. Mas, agora na UE, existem zonas (regiões dentro de Estados) profundamente sinistradas, enquanto outras, não só não sofrem com isso, como estão a beneficiar. Tal é o panorama do após crise de 2008, no espaço da UE.

O apogeu da UE já ocorreu (pouco tempo após o tratado de Maastricht de 1992, na minha opinião). De então para cá, tem havido sucessivas crises e redefinições, que apenas têm acentuado a vertente centralista, deitando pela borda fora quaisquer aspetos federalistas sinceros que pudessem estar presentes nas visões de alguns «europeístas». A UE, na sua configuração geográfica, política e institucional, encarna um centralismo extremo: a concentração do poder em pouquíssimas mãos, à custa da liberdade e da democracia, como nos sonhos imperiais de Carlos Magno, Napoleão e mesmo de Hitler.  

O paradoxo é que, tanto os independentistas da Escócia, como os da Catalunha tenham como objetivo acolherem-se debaixo da «azinha» do Império com sede em Bruxelas. Esta UE sempre foi do agrado das grandes corporações  e da casta militar de alta patente, eles próprios vassalos do Império dos EUA. 

Aliás, hoje em dia está mais que provado, com inúmeros documentos, que a UE foi uma construção querida, acarinhada e desenvolvida pelos americanos e que as fantasias de que a UE pudesse, um dia, ser uma potência rival dos EUA, não passaram de um estratagema para embarcar nacionalistas e anti-imperialistas ingénuos. 
A crise dos nacionalismos situa-se, oxalá, no capítulo final da desagregação deste projeto megalómano e autoritário da UE. 
Que esta arquitetura de super-Estado, supra-nacional e dominador dos povos seja desmontado... e quanto mais depressa, melhor. Os povos não têm nada a ganhar com a sua perpetuação. 
A democracia só pode beneficiar com o desmantelamento desta capa de burocracia e de leis feitas à revelia dos povos e em contradição com as legislações nacionais. 
A UE, desde o princípio, foi a união dos cartéis das grandes indústrias. Tinha de se revestir da «etiqueta» da democracia e da fraternidade entre os povos, para fazer passar seu projecto, como sendo desígnio de todos, de todas as classes, em que todos seriam beneficiários. 

A crise económica, política e institucional na Europa, tem mostrado os aspectos menos reluzentes da ditadura da burguesia. 
Nada, na crise catalã, deveria surpreender as pessoas que compreendem a verdadeira natureza da UE e dos seus Estados membros.   

sexta-feira, 27 de outubro de 2017

CATALUNHA DECLARA INDEPENDÊNCIA


Após um longo período de incerteza - desde o 1º de Outubro - o parlamento catalão acabou por aplicar aquilo que foi manifesta vontade popular, declarando a independência

O papel de Madrid foi de todo em todo miserável. Não existe termo mais suave aplicável ao comportamento de acicatar as rivalidades, negando todo e qualquer respeito pela vontade do povo, expressa em referendo, o qual foi boicotado e declarado ilegal pelo poder centralista. 
Esta mancha também se alarga para lá das hostes do PP no poder, no PSOE e mesmo à sua esquerda, vários tiveram um reflexo centralista e declararam que não era possível uma autodeterminação, porque isso não estava previsto na constituição. 

Ora, as constituições são fruto de equilíbrios e compromissos históricos, como no caso de Espanha, compromissos que ocorreram no contexto de uma transição pós-franquista, em 1978. Neste contexto, foi considerado que o mais importante era assegurar um Estado de direito consagrador das liberdades fundamentais. 

Mas, em nenhum momento, as instâncias do direito Internacional ou  Europeu afirmaram que o referendo, para auto-determinação de um povo, com eventual separação do Estado no qual se encontrava inserido, era ilegítimo.

Embora seja de saudar a coragem dos parlamentares que declararam hoje, dia 27 de Outubro a República da Catalunha, independente do Reino de Espanha, é com grande apreensão que verificamos haver muito rancor e - mesmo - desejo de vingança de alguns atores políticos em Espanha. 

O contexto da União Europeia, governada por pigmeus políticos, numa comissão imperial de Bruxelas, não eleita, também não favorece a concretização do desejo legítimo do povo catalão. Temo que o papel dos órgãos de comando da União Europeia seja o de querer «por na ordem» os insubordinados catalães. Têm muito medo de que este exemplo alastre a outras regiões da UE, ou mesmo países inteiros, como aconteceu com o Brexit. 

No caso caso do Brexit, eles não podiam fazer grande coisa para contrariar a vontade centrífuga do povo britânico. Fizeram e fazem tudo o que podem para dificultar o divórcio, para que custe muito, para que não sirva de exemplo... 

Porém, no caso da Catalunha, temo algo pior: 
- temo uma repressão militar, com estado de sítio e supressão dos órgãos representativos do povo da Catalunha; 
- temo uma longa guerra de desgaste, com boicote de todos os processos - nomeadamente financeiros e económicos - que poderiam viabilizar a proclamada independência; 
- temo uma declaração de apoio explícito ao centralismo de Madrid pelos poderes eurocráticos e a exclusão explícita da independência, pela maioria dos membros em conselho da UE.

Se um povo está firmemente determinado a conquistar a sua independência, nada o fará recuar. 
Podem lamentar, podem não concordar, mas o mais sábio seria aceitar a situação de facto e negociar algo que não tivesse repercussões nefastas para os restantes povos ibéricos. 

Mas, tendo algum conhecimento da História e conhecendo a mentalidade profunda das elites políticas de Espanha (não o que afixam, mas o seu verdadeiro «credo»), não se pode esperar nenhum bom senso de parte deles: eles estão a jogar - e continuarão a jogar - um jogo de «lose-lose», ou seja, perde a parte contrária (os independentistas catalães), mas a outra parte (resto de Espanha), perde igualmente. O certo é que o poder central de Madrid irá sofrer uma erosão muito maior e verá levantar-se uma forte onda de repúdio, se persistir em tomadas de posição de grande intolerância e sem qualquer sensibilidade para o sentir das gentes. 

Só as gentes do conjunto da península ibérica podem evitar que a situação piore: evitar que um divórcio de uma parte de um Estado plurinacional, se transforme numa tragédia como, infelizmente, estas terras têm sido pródigas ...


domingo, 19 de novembro de 2023

EM ESPANHA ESTÃO A CRIAR AMBIENTE PARA A GUERRA CIVIL

   Foto: Rei de Espanha, Filipe VI e Pedro Sanchez, presidente do governo

As ondas que agitam a vizinha Espanha são quase ignoradas pelos portugueses. Mas, não deviam, pois o momento é realmente grave. 

Um coro de vozes indignadas, da direita, faz muito barulho, porque o presidente do PSOE, Pedro Sanchez, negociou com os independentistas catalães  o apoio à votação do novo governo socialista, em troca duma lei de amnistia. Esta, iria resolver a situação dos políticos catalães independentistas que em 2017, organizaram e executaram um referendo pela independência da Catalunha. O referendo foi declarado anticonstitucional e seus organizadores foram presos ou tiveram que se exilar. 

Eu não vou - aqui e agora- discutir  questão do independentismo, tal como se colocou em 2017. A questão de fundo é importante e grave, mas não estou suficientemente por dentro dos assuntos políticos de Espanha, para opinar de modo esclarecido. 

O que vou dizer aqui, é exprimir a minha estranheza por forças da direita considerarem que o indigitado presidente do governo estava a cometer uma falta grave, ao negociar apoio parlamentar junto dos deputados eleitos dos partidos independentistas catalães. 

Indigna-se a gente de direitas, por esse apoio ter implicado negociar uma lei de amnistia. Porém, em muitos países e em diversas circunstâncias, foram feitas leis de amnistia para os crimes políticos. Inclusive em Espanha, os independentistas da ETA, do País Basco, foram amnistiados. 

Os catalães perseguidos e condenados podem ter razão ou não, no que fizeram. Podem ter violado ou não, a constituição de Espanha. Mas, ainda assim, a sua ação foi realizada dentro dos limites da democracia representativa. Por outras palavras; não se tratou de um ato insurrecional.

Os que berram nas ruas contra o recém-empossado Presidente do governo espanhol, estão simplesmente a descarregar o seu rancor contra a esquerda, no que ela representa como posição mais tolerante, mais respeitosa do direito dos outros terem pontos de vista diferentes do nosso. 

Amnistiar, não significa dar razão às pessoas que tinham sido condenadas, nem opinar se a condenação foi justa ou injusta. Significa que, no interesse da sociedade, o facto dessas pessoas serem amnistiadas, é preferível a cumprirem a pena até ao fim. É um processo de sarar as feridas resultantes dos choques políticos que dilaceraram o tecido da sociedade. 

Para os direitistas que agitam «o papão» da ditadura, da perda da liberdade e do Estado de direito, o que seria «justo»? Seria que os implicados no processo sofressem o castigo mais severo? Seria só de prisão? Talvez mesmo, de pena de morte? Tudo isto, por se terem atrevido a desrespeitar a «sacrossanta» constituição espanhola. Lembro que a constituição atual foi negociada após a morte de Franco, entre governo, forças franquistas e os outros grupos e partidos, na chamada «transição*». 

Para mim e para as pessoas com formação ética, qualquer que seja sua posição partidária, o extremar de posições - neste caso concreto - é criminoso, pois vai reabrir feridas antigas mas nunca totalmente saradas, da trágica Guerra Civil Espanhola de 1936-39.

Alguém, doutra região de Espanha que não da Catalunha, deveria ver com bons olhos a amnistia e também um referendo. Este, deveria ser de tal modo, que não fosse considerado anticonstitucional. Porque, mais vale um divórcio sem demasiados dramas, do que uma guerra civil. Além do mais, a entidade geográfica Península Ibérica foi sempre um conjunto heterogéneo de povos, de culturas e de reinos. 

E, já agora, para lembrança dos portugueses, recordo que os Restauradores de 1640, que «traíram» o Rei (pois Filipe IV era Rei de Portugal, além de ser de Espanha), obtiveram sucesso nesta insurreição, porque havia uma revolução - em simultâneo - na Catalunha. A Restauração da independência de Portugal deve-se - em parte - aos independentistas catalães, que se revoltaram contra a coroa de Espanha e fracassaram. Os portugueses não tiveram que enfrentar logo os poderosos exércitos espanhóis, ocupados na repressão da revolta catalã; tiveram tempo para se organizar na defesa das fronteiras do território.

Mas, hoje em dia, é lamentável que demagogos de extrema-direita e ditos «de centro-direita»,  venham agitar suas hostes, criando um clima de alarme falso porque, na verdade, são eles que põem intenso dramatismo em torno dum processo que é - afinal de contas - banal: A negociação de apoio parlamentar para um governo minoritário.  A amnistia para os independentistas catalães é equiparada por eles, a "traição à pátria". 

Na verdade, eles querem criar uma situação de rutura ao nível institucional, político e sociológico. Eles querem uma grande agitação, um caos. O grande «argumento» deles é falso e nulo, quer em termos políticos, quer jurídicos. A agitação deles visa claramente o derrube do governo recém-nomeado. Pretendem assim reconquistar a maioria e retomar o poder. 

Pelo menos, é o que vejo à distância de umas poucas centenas de quilómetros. Em todo o caso, os meus amigos espanhóis é que têm de resolver o problema, sem se deixarem arrastar por demagogias, de uns e de outros.

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*Veja-se os «Pactos de Moncloa»


quarta-feira, 27 de setembro de 2017

SOBRE A AUTO-DETERMINAÇÃO CATALÃ

O sumário do documento estabelece, em parte, que:
«Estes esforços são realizados sobre as prévias tentativas da Catalunha em consolidar a governância representativa para a cidadania catalã dentro e conjuntamente do estado democrático espanhol. Quatro peritos internacionais reconhecidos foram convidados pelo governo catalão a examinar a controvérsia gerada pelo referendo de auto-determinação. Este foi convocado apesar da oposição das autoridades espanholas que contestam a sua legalidade, ao contrário de exemplos recentes de tendência ao reconhecimento da auto-determinação, o mais saliente dos quais é o referendo da Escócia pela independência...»
O estudo conclui: «Da perspectiva do direito internacional, torna-se claro que não existe uma disposição legal internacional que proíba uma entidade sub-estatal (regional) em decidir o seu destino por auscultação da vontade do seu povo. Tanto a lei como a prática dos estados, apoiam esta conclusão»
As manobras do governo de Madrid para impedir a expressão do povo catalão, sob forma de referendo, são medida de desespero, pois desprezam a consequência nefasta de exacerbar as tendências extremas. É irresponsável no mais alto grau, pois não serão estas medidas que irão impedir que, num futuro mais ou menos próximo, de uma ou doutra maneira, o inevitável se dê. 
Porém o modo como tudo isto se desenrola é muito importante, não apenas para a Catalunha, mas igualmente os restantes povos ibéricos, em geral. 
Com efeito, este processo mostra que as tentativas pacíficas de auto-determinação irão ser inviabilizadas pela rigidez de um poder «imperial». 

quarta-feira, 11 de outubro de 2017

UM PROJECTO FALIDO NUNCA EVITARÁ SER ARRASTADO PELAS FORÇAS CENTRÍFUGAS

Porque motivo o que se tem passado na Catalunha diz respeito à cidadania europeia no seu todo e não apenas à península Ibérica?

Temos de olhar para o quadro geral: 

1- o fiasco do projecto europeu, protagonizado pela coligação entre centristas neoliberais de esquerda (os social-democratas e socialistas) e de direita (os democratas cristãos e centristas). 
A imposição do tratado de Lisboa, após a derrota por referendo da constituição europeia, significou que o quadro institucional neste continente ficou basicamente congelado, tanto em relação a mudanças sociais, como mudanças de fronteiras. Mas este congelamento é absurdo e irrisório, porque a sociedade e as forças que a impulsionam nunca param, transformam-se sempre, numa ou noutra direcção.

2- o contexto em que surge a constituição espanhola, é o de uma negociação de cúpulas, para viabilizar a «transição»: nesta mudança de regime político, apoiada pelo grande capital espanhol e multinacional, monitorizada pelas instâncias internacionais, sobretudo a NATO (dominada pelos EUA e pelos atlantistas), todos fizeram as suas jogadas para terem um naco de poder. Foi um compromisso entre os dissidentes de última hora do franquismo e as correntes reformistas e neoliberais (inclusive PCE, PSOE...)

3- a existência de uma forte consciência da especificidade cultural própria, uma assinalável diferença na composição político-ideológica e a noção de ser contribuinte líquido crónico duma entidade estatal (o estado espanhol) que largamente desprezou (e despreza ainda, pelos vistos) o sentir e os direitos do povo.

O projecto europeu, tal como foi formulado e mantido, não faz sentido nenhum hoje. Esta contradição e aberração salta aos olhos, quando vemos o comportamento da eurocracia perante a situação criada na Catalunha.

Esta questão, embora estritamente respeite ao povo catalão e afecte os restantes povos ibéricos, não deixa de ter um papel mais geral como factor na desagregação do consentimento tácito dos governados nas «democracias» contemporâneas: as pessoas aceitam e fingem que «acreditam» no sistema, em tempos normais. Mas, quando as coisas atingem um grau intolerável de arbítrio e humilhação, dá-se um sobressalto e um repúdio da eurocracia e dos seus representantes partidários locais. 

O que está a acontecer hoje naquela parte da península hispânica, pode acontecer amanhã noutra qualquer. 
Mas, o mesmo cenário pode ocorrer em muitas outras zonas e Estados do espaço UE. 
 Todos os Estados de grande dimensão (e quase todos os de média ) possuem um certo grau de heterogeneidade étnica e linguística, o que faz com que muitas destas regiões se sintam colonizadas pelas capitais dos respectivos estados e pelos grupos que monopolizam o poder dentro destes. 

                     europe-distinct-separatist-movements




sexta-feira, 18 de agosto de 2017

SOBRE A UTILIZAÇÃO DO TERRORISMO PELO ESTADO

Aquilo que ireis ler talvez vos choque; isso não será surpreendente, pois as pessoas são mantidas na ignorância e nada há de mais chocante que descobrir-se que se esteve na ilusão. 

Já estou farto da atitude bem-pensante de fazer um discurso emotivo a cada ataque terrorista. Os bons sentimentos não são análise política ou social.

Las Ramblas terror: Barcelona hit with two attacks

Quando ocorreu este último ataque supostamente da responsabilidade do «ISIS» nas Ramblas de Barcelona, logo identifiquei uma série de assinaturas, mas não as que se costuma apregoar nos media com mais insistência. Aquilo que eu identifiquei logo foram pequenos detalhes como o aparecimento de um passaporte marroquino, no local do atentado... o facto de a polícia ter vigiado o indivíduo causador do morticínio, sendo de repente retirada essa vigilância.  
As pistas de ataque de «falsa bandeira» abundam. 
Um dia depois do atentado vem-se a saber que o principal suspeito foi mortalmente alvejado (executado) em Cambrils. Este comportamento é recorrente em todas as intervenções da polícia no rescaldo de ataques terroristas. Isto quer dizer que eles têm ordens de não deixar ninguém com vida: 
- porque assim não serão julgados e não haverá revelações em tribunal sobre o financiamento, a vigilância através de agentes encobertos ou informadores, etc., o que poderia desmascarar os poderes!

Uma falsa bandeira é uma ação que é atribuída a um lado, sendo na realidade da autoria do lado contrário. No presente, os ataques fabricados, que depois são atribuídos a grupos ou indivíduos terroristas são cerca de 95% segundo analista reformado da CIA. 

Os meios de infiltração de agentes que transmitem informações aos respetivos responsáveis dos serviços secretos não podem ser menores do que nos princípios do século XX. Ora, há uns anos descobriu-se um diário do chefe da polícia parisiense, da época áurea do terrorismo anarquista («propaganda pelos actos») onde este inscrevia as informações dos seus agentes infiltrados. Aquilo que se discutia numa célula terrorista era logo transmitido ao chefe da polícia de Paris! Temos de partir do princípio que - com os meios poderosos das polícias e agências de «segurança» atuais - a sua capacidade de monitorizar as células terroristas existe!

Então, pergunta-se por que motivo as polícias e outros corpos do Estado não reprimem, como seria o seu dever, estes grupos para que atentados como o de Barcelona não aconteçam?

As pessoas estão habituadas à teoria do «lobo solitário» como um elemento essencialmente incontrolável. Não acredito em tais teorias de «lobos solitários». Muitos ataques atribuídos no passado a lobos solitários tinham afinal por detrás organizações, células de apoio. 
Estou convencido de que os elementos das células terroristas são monitorizados pelos serviços de segurança. No momento em que os que controlam esses serviços acharem conveniente, um plano de atentado - que é do conhecimento prévio deles - é deixado correr, até se realizar. Com isso, os que controlam as polícias secretas podem jogar com o medo das pessoas. Podem obter dividendos políticos. O medo passa a fazer parte do quotidiano das pessoas. 
Lembremos que, em França, a resposta das pessoas à vaga de atentados conduziu a uma mudança de atitude, mas não no sentido de um maior poder e controlo das pessoas, nem a uma maior transparência do aparelho de Estado. Macron e toda a sua política são os garantes de uma perpetuação do poder - verdadeiro - do grande capital, da alta administração pública, das altas hierarquias policiais e militares. 
Em Espanha, o risco de desagregação do Estado espanhol, com as tentativas de independência da Catalunha seriam um golpe demasiado grande para a oligarquia. Este atentado vem no ponto exato para suscitar nas pessoas um reflexo identitário, xenófobo, retraimento de medo, permitindo que «votem bem» ou se abstenham (o efeito mais provável) aquando do próximo referendo pela separação da Catalunha do Estado Espanhol. 

segunda-feira, 9 de outubro de 2017

IBÉRIA, ENCRUZILHADA DE POVOS E CULTURAS

Um grande amigo meu, José António Antunes, enviou-me um lindíssimo vídeo que fez, com base em fotografias do Alhambra de Granada, resultantes de uma recente estadia na Andaluzia. 
O seu canal do Youtube tem muitos outros vídeos, em que conjuga uma excelente fotografia, sobretudo de paisagem, com um fundo sonoro sempre adequado e de qualidade. 

                    

O envio deste vídeo inspirou-me esta crónica, num momento em que as pessoas das várias regiões da Península parecem esquecer o muito que têm de comum, para o bem e para o mal, apesar de nós vivermos numa civilização mundializada. 
O mundo transformou-se numa aldeia e todos os grandes centros se equivalem, de certa maneira. 
Claro que existem particularidades, monumentos, gentes diferentes. Mas a tecnologia, a uniformidade de costumes, vestuário, transportes, etc. faz com que, de facto, não saiamos da mesma «bolha» global. 
Neste contexto, é paradoxal e anacrónico um ressurgir dos nacionalismos.

Acho que devíamos reflectir sobre o mal que a ambição ou ganância dos poderosos fizeram ao expulsarem os Árabes do Reino de Granada - por Isabel a Católica, de Castela - e a expulsão dos judeus de Espanha e de Portugal. Sabemos  como, no reinado de D. Manuel I, tal expulsão foi acompanhada de massacres e de conversões forçadas.  
A decadência da península Ibérica começou nesse preciso momento, pouco depois de Colombo atingir a América e de Vasco da Gama chegar à Índia. 
Os árabes trouxeram uma civilização requintada, preservando muito da ciência da antiguidade, nomeadamente dos filósofos, naturalistas e matemáticos gregos. Sem dúvida, o nosso conhecimento da produção intelectual da Grécia clássica seria muito menor sem o contributo árabe. Além disso, os árabes tinham avançado em várias ciências (Álgebra, Geografia, Alquimia) muito mais do que o mundo cristão. 
Quanto aos judeus, povo sem Estado desde o primeiro século da era cristã, eles tinham uma maior protecção sob o império Otomano ou nos Reinos árabes do Norte de África, do que em quaisquer partes da cristandade ocidental. 
Mas, ainda assim, tinham sido tolerados nos reinos cristãos, após a chamada «reconquista» e estavam relativamente bem integrados na era medieval, na Ibéria. Eles tinham sinagogas, podiam exercer o seu culto, embora fossem discriminados de várias maneiras.
Os judeus forneceram a Portugal e Espanha uma elite de cientistas e de eruditos, capazes de fazer avançar várias ciências associadas com a navegação e a expansão marítima: as matemáticas, a astronomia, a geografia, a decifração de códices e manuscritos em grego, árabe e noutras línguas...
A migração forçada dos judeus deu-se para paragens menos fanáticas, mais tolerantes: a Inglaterra e a Holanda. Não será este o factor suficiente da decadência dos impérios ibéricos e da ascensão dos impérios marítimos de Inglaterra e da Holanda: mas, estou certo que este factor teve o seu peso em tal mudança.

Hoje em dia, as pessoas estão completamente esquecidas ou ignorantes da sua própria história: 
- Por exemplo, não sabem que os reinos visigóticos eram constituídos por uma elite guerreira, vinda do centro e norte da Europa, que mantinha e subjugava as populações autóctones (já convertidas ao cristianismo antes deste domínio visigótico). 
- Quase ninguém sabe que os invasores do Norte de África incluíam nas suas hostes cristãos, não obedientes ao papa, naturalmente. 
- Foi a Península Ibérica um dos principais focos de arianismo, mas quase ninguém sabe o que foi esta heresia e como foi implantada nestas terras.     

O facto de que continuem - na Ibéria - a ignorar a verdadeira história de seus povos tem consequências graves. Vai exacerbar o vírus do nacionalismo, quer seja insuflado pelos «vencedores», com as suas dinastias e reinos, sua língua e cultura... quer pelos «vencidos», os da Catalunha, do País Basco, de Andaluzia, da Galiza e de Portugal...

Assim, deve-se responsabilizar pelo crime de instigar à rivalidade entre comunidades que podiam e deviam ter boa vizinhança, tanto mais grave quanto se verifica estar correlacionado com actos violentos, os que, nos Estados Ibéricos (português e espanhol), descrevem a História de seus países de modo a perpetuar mitos de força e glória nas mentes das crianças e adolescentes; estes não têm, praticamente, outra fonte para conhecerem o seu passado. 
Quando alguns se rebelam contra o poder central, fazem-no muitas vezes hipertrofiando momentos da História em que a sua etnia, a sua cultura, foi brilhante, dando crédito a uma contra-História, tão mítica e enviesada como a História oficial.

A causa da paz e do entendimento entre os povos só ganharia em que a História de cada povo, de cada nação, deixasse de ser leccionada do modo como tem sido, reforçando estereótipos, avivando sentimentos bélicos em relação a vizinhos: nomeadamente, os povos do Norte da África, além de todos os povos da Ibéria.
Aprendemos muito com nossos vizinhos, trocámos mercadorias, participámos em empresas comuns, sofremos sob os mesmos opressores, participámos iludidos ou contrariados nas mesmas aventuras coloniais, etc. 
Além do mais, também casámos e procriámos e portanto, partilhamos um fundo genético ao nível das populações. Eis um facto hoje incontestável, com o extraordinário desenvolvimento das técnicas de ADN; mas, desde há muitas décadas, já era conhecido de biólogos populacionais e demógrafos. 

sexta-feira, 1 de junho de 2018

FIM DO GOVERNO RAJOY: INSTABILIDADE POLÍTICA À VISTA

                    

Rajoy foi «corrido» do posto de presidente do governo, horas depois do tesoureiro do partido PP ter sido incriminado no escândalo de corrupção. Foram desvendados os mecanismos pelos quais industriais vertiam avultadas somas para os cofres do partido, através de esquemas como a sobre-facturação de serviços durante as campanhas eleitorais e também dinheiro líquido directamente entregue para as campanhas locais e regionais.
O parlamento (as cortes), ao subscrever maioritariamente o voto de não-confiança proposto pelos socialistas, designou o secretário-geral do PSOE, Pedro Sanchez. 
Mas esta maioria circunstancial dificilmente se irá transformar numa maioria operacional: não apenas as negociações do PSOE com o PODEMOS se anunciam complicadas, como também os partidos  regionalistas do País Basco e da Catalunha, irão fazer uma máxima pressão para obterem, em troca do seu voto na câmara, uma maior autonomia.
A economia da  UE, depois do abalo italiano, sofre agora outro factor político de instabilidade. 
O Euro desceu imediatamente em relação às outras moedas, em particular, o dollar. 
É previsível que o BCE (ECB), em vez de desacelerar o programa de compra de activos como tinha anunciado, vá manter - ou mesmo reforçar - a compra de obrigações soberanas italianas  e espanholas.

terça-feira, 28 de novembro de 2017

CAMPANHA CONTRA A RÚSSIA ASSEMELHA-SE ÀS CAMPANHAS DE REGIMES FASCISTAS

Não só a célebre frase de Karl Marx de que «na História, as tragédias se repetem como farsas» é adequada ao contexto presente, mas chega a impressionar pela sua justeza.
Com efeito, o processo típico das ditaduras fascistas, da identificação do «inimigo»,  como sendo o comunismo ou os «vermelhos», como pretexto conveniente para desviar a atenção das massas, foi retirado do armário bafiento do MacCartismo... mas desta vez para «justificar» a completa falência da política, da diplomacia e até do uso da força pelo Império.

Os neocons, dominando grande parte do complexo de «espionagem-militar-industrial», viram que o logro do «islamismo radical» já não pegava, que a história do ISIL= ISIS=EI estava basicamente desmascarada. Foi a partir daí que começaram a socorrer-se do velho reflexo «anti-Rússia» criado e acarinhado durante as décadas de guerra-fria, em que a Rússia (soviética, claro) representava o «mal», o «inimigo». 

Poucas pessoas - no Ocidente - têm a coragem de dizer as coisas tal como elas são, um dos quais é o autor do blog «The Saker», outro o Dr. Paul Craig Roberts
Nem um nem outro, são ou foram jamais o que se poderá classificar como «esquerdistas» ou «de esquerda»; são conservadores e afirmam-no sem disfarce. 
Mas esta sua posição de denúncia da guerra de propaganda que - em geral - antecede uma guerra a quente, deveria ser escutada, pelas pessoas de todos os quadrantes, com a máxima atenção... 

Encontram-se na propaganda actual muitos traços típicos da propaganda de Hitler e de seus congéneres: esta propaganda era criminosa, sabemos nós, com efeitos devastadores. 
O tomar uma etnia inteira, uma nação, como «culpada» do mal, deslegitimar sistematicamente actos democráticos como a votação para retorno à Rússia da Crimeia (província russa, desde o século XVIII, tendo sido «dada» à Ucrânia, um dos Estados da URSS, por Nikita Krutchov, num acto perfeitamente arbitrário, em 1954) e ainda por cima usá-los como pretexto para um cerco e um bloqueio são acções propriamente de regimes fascistas. Mas não são menos a repressão do movimento democrático de independência da Catalunha, pelo governo de Madrid. Isso, não só não fez pestanejar a oligarquia de Bruxelas, como até mereceu os mais rasgados elogios destes e dos seus homólogos da UE! 
Atribuir os males, os falhanços nacionais à «conspiração» pró-russa, foi o meio que a oligarquia encontrou para aligeirar e distrair o eleitorado das pesadas responsabilidades de Hillary, no governo de Obama, o qual foi o mais belicoso presidente dos EUA de que há memória, por detrás do discurso de bem-sonante «pacifismo» (suficiente (!) para justificar um Nobel da Paz). Muitos consideravam que Hitler era o salvador da paz, após a conferência de Munique, pouco antes do mesmo ordenar a invasão da Polónia, que deu início à IIª Guerra Mundial.
As atitudes hostis por parte da NATO ou de forças dos EUA são quotidianas, mas têm a protegê-las um ecrã de fumo de propaganda, que não permite ao grosso das pessoas ver a realidade. As provocações junto das fronteiras russas são constantes e quotidianas. 
Fazem exercícios extremamente agressivos, tanto nestas fronteiras, como nas do seu aliado, a China.  Esperam que exista um deslize, uma falha, um erro, técnico ou humano: são abutres que esperam apenas por isso para a grande carnificina... e tudo isto, porquê?
Porque já estão esgotados os recursos para manter em funcionamento o capitalismo mais predador e mais ineficaz que jamais existiu. Cedo ou tarde, sem uma guerra mundial, os oprimidos irão exigir que a oligarquia preste contas: como eles não poderão mais proteger-se com as costumeiras mentiras, terão de inventar (antes que isso aconteça) uma monstruosa operação de falsa bandeira, mais monstruosa que a de 11 de Setembro de 2001.
É importante que as pessoas mais esclarecidas esclareçam as outras e ajudem assim a tornar a cidadania mais lúcida, em especial nos países onde estão situados os centros de decisão de onde têm partido as provocações com vista a acções belicistas.



sábado, 30 de setembro de 2017

REFLECTINDO SOBRE O NACIONALISMO

Catalunha, País Basco, Escócia, Flandres, etc... São frequentes nos últimos anos os casos de nações europeias, incluídas à força dentro das fronteiras de um estado, que tentam separar-se do estado, obtendo a independência por meios democráticos. 

                                  Foto de Pepe Escobar.

Porém, a arquitetura da Europa da UE não é nada favorável, com a sua rigidez, com as suas burocracias meticulosamente repartidas entre seus estados-membros, com os seus tratados que têm como um dos principais aspetos a manutenção do status quo. Vemos a difícil separação da Grã Bretanha da UE, o famoso «Brexit». Estes movimentos centrífugos e de recusa do ultra-centralismo, quer seja ao nível de estados-nações, quer ao nível de super-estado (U.E.), têm sido mais vigorosamente expressos nas nações cujo território encerra indústrias ou recursos naturais que permitiriam uma economia viável, fora do conjunto nacional no qual se encontram incluídas. 
Noutros pontos do globo, como nas zonas habitadas por curdos da Síria, Iraque (com potencial para se alargarem para partes do território Turco e Iraniano), verificamos tentativas de avanço para maior autonomia no caso da Síria e para uma completa independência (Curdos iraquianos).  Os traçados de fronteiras artificiais resultantes da 1ª guerra mundial e do desmoronar do império otomano, são responsáveis pela situação, mas também o próprio princípio centralista dos Estados, concentrando ao máximo o poder político, administrativo e económico.
As proclamações da ONU sobre os direitos dos povos à autodeterminação e independência, que foram um importante  apoio à luta e ao triunfo dos movimentos independentistas anti-coloniais, implicava também uma aceitação tácita das fronteiras arbitrariamente desenhadas pelos vários colonizadores. Esta situação fez com que - em África - não existe (que eu saiba) nenhum estado, presentemente, cuja população seja etnicamente homogénea, longe disso. Há zonas de povoamento de etnias cortadas por fronteiras entre estados; há etnias que são muito hostis uma em relação à outra e - no entanto - são obrigadas a coexistirem dentro do mesmo estado, a viverem sob o mesmo governo. 
Os estados e organizações supra-estatais de âmbito regional (como a UE) ou internacional (como a ONU) são totalmente incapazes de se auto-reformarem de modo a que seja mais fácil e natural a separação de povos que vivem dentro de suas fronteiras nacionais. 
O federalismo, como era entendido pela República espanhola , tinha permitido uma larga autonomia das nações que a constituíam.  Os princípios federativos da URSS (embora a prática fosse coisa totalmente distinta) também permitiam uma larga autonomia e a independência, em princípio.
O federalismo de Proudhon e de Bakunin foi largamente inserido nos princípios da 1ª Internacional, que a 2ª Internacional (dos partidos social-democratas e socialistas) herdou. É porém notável verificar-se que os herdeiros (nominais) de tais organizações - como o PSOE - têm uma posição claramente centralista.
Os processos de desagregação dos estados europeus, ou de outras paragens, é sintoma de senescência destas estruturas. Porém, sua decadência pode durar vários séculos.
Estou convencido que a esclerose dos estados vai de par com um maior autoritarismo, o que equivale - na prática - a maior centralização. Nunca se viu uma deriva autoritária de um poder, que não fosse centralizadora. 
Pelo contrário, a descentralização verdadeira, ou seja, a aplicação dum federalismo autêntico, faz com que as uniões entre várias entidades acabam por ser mais sólidas e duradoiras porque não se revestem do odioso duma etnia a oprimir outra, ou outras. 

sexta-feira, 29 de dezembro de 2017

ANO VELHO, ANO NOVO...

Vale esta postagem mais pela intenção do que pela inspiração. Depois de uma valente gripe, que me impossibilitou vários dias de fazer algo mais que sobreviver, sinto ainda com maior agudeza a ínfima pequenez do ser humano e da nossa vida, em particular.

Para cumprir com a tradição, irei fazer um balanço do ano transacto e previsões do vindouro. Estes exercícios normalmente esgotam-se numa série de banalidades declaradas  com imensa prosápia e muito pouco conteúdo real. Oxalá o leitor seja indulgente e não me inclua no número dos prosadores detestáveis que enxameiam os media por estas alturas do ano e nos fazem odiar o admirável mundo novo do mediático a todo transe...

No que toca à geopolítica verifico que este ano passado foi muito importante na acentuação de grandes linhas de força, como já previra no final de 2016: o acentuar do eixo euro-asiático, a perda de influência do eixo atlântico. Igualmente, a minha previsão de que a presidência Trump não traria uma viragem real nas principais linhas de força do Império; de novo, cumpriu-se o papel do sistema em fechar as hipóteses do recém-chegado à Casa Branca em mudar o que quer que fosse de significativo em relação à vontade do Estado Profundo, o mesmo é dizer dos que mexem nos cordelinhos do poder, por detrás da ribalta. 
Mas, por outro lado, a fraqueza do Império sobressai ainda mais com a estrondosa derrota na Síria, onde andou a fazer uma dúplice figura de gato escondido com rabo de fora, ora combatendo o ISIS ora protegendo o mesmo de ataques do Exército Sírio coligado com forças russas. 
A perda de influência de tal maneira se fez sentir, que um aliado tradicional no médio oriente e membro da NATO, a Turquia, surge com uma política autónoma de potência regional, não se importando demasiado se as suas relações com Moscovo agradam ou não a Washington. Além disto, os seus vassalos no golfo Pérsico, estão cada vez mais inclinados a estabelecer uma ponte com as potências emergentes no cenário mundial, a Rússia e China.
No plano da economia, o ano não foi de grande euforia, apesar de terem passado nove anos sobre um dos maiores abalos dos sistema, a crise de 2007/2008:  não deixa de ser visível que num número considerável de países,  os índices não retomaram os níveis pré-grande crise. Nomeadamente, ao nível da Europa, não existe uma verdadeira recuperação mas sim uma estagnação, a qual é mascarada pela constante impressão monetária do BCE (ECB), o qual vai fornecendo dinheiro gratuito para os países do sul gastarem em excesso das suas capacidades produtivas. Quando as taxas de juro atingirem um valor mais ou menos de acordo com a média histórica, não haverá salvação possível para muitos sectores europeus que têm sobrevivido graças a um ambiente artificial de juros super baixos. Quanto mais tarde o retorno ao normal se der, pior será, pois as pessoas já reformadas ou que entretanto se reformem, terão de se contentar com pensões diminutas, muitas delas insuficientes para uma velhice condigna. O choque será tanto maior que as pessoas estão a ser constantemente embaladas pelos discursos  dos políticos e da media corporativa.

Em relação à política europeia, a deriva à extrema direita vai acentuar-se com a conivência encoberta de toda a classe política tradicional, digo bem toda, pois a única forma de  barrar as sereias de extrema-direita seria de empossar o povo e fazer exactamente com que este se sentisse ouvido e respeitado; o povo não se sente mais como «soberano». A Itália será o epicentro provável do próximo tremor de terra político no continente europeu. Mas a eurocracia terá de enfrentar numerosas batalhas que a enfraquecerão, sem que nenhuma, por si só, seja suficientemente grave para precipitar uma crise final do império de Bruxelas: vejam-se os casos da Catalunha e das sanções contra a Polónia, ambos revelam a natureza centralista e autoritária do projecto europeu. Esta natureza foi disfarçada enquanto as situações não atingiam o nível de ruptura, nas regiões ou nações.

A viragem tectónica na economia mundial vai engendrar fenómenos de grande tensão e revira-voltas sem precedentes, como aliás já começamos a verificar no ano que está a acabar. O potencial de negócios nos grandes projectos que é a «One Belt One Road Initiative» já transparece. 
Confirma-se a minha previsão de que o Brexit iria ser um abalo profundo na oligarquia europeia, havendo um retraimento da oligarquia britânica do cenário continental. A Grã-Bretanha ambiciona sobreviver como ponte (financeira) entre o império decadente dos EUA e o emergente da China. A Comissão Imperial de Bruxelas está a negociar em termos de limitação do desgaste de sua imagem, não tendo mais o atrevimento para posar como grande projecto de futuro...

Creio que o mundo não vai passar sem uma profunda crise sistémica, que se vem desenvolvendo há vários anos, como uma acumulação de nuvens de trovoada, que começou no horizonte e se aproxima inexoravelmente do presente da nossa civilização. Muita devastação tem sido produzida já agora, por guerras e por sanções (guerra económica), sem qualquer piedade pelos mais fracos: estamos em plena era da política malthusiana

A grande mudança tectónica vai implicar uma perda da hegemonia do dólar como moeda de reserva e como principal divisa nas trocas comerciais internacionais. A elite mundial já aceitou isso há muito tempo, por mais que se faça discreta em relação a este facto. Porém, a sequência do que se passa ao nível do FMI não deveria deixar dúvidas a ninguém; para Christine Lagarde, tanto se dá que os escritórios do FMI sejam em Pequim ou Washington (ela própria o tem afirmado). Para os globalistas, o poder e somente o poder importa; a geografia, a nação, a cultura, a ideologia são nada em face de poder decidir da marcha do mundo. 

                            

Há loucura extravagante e loucura sóbria. A extravagante é fácil de detetar  e não vale a pena expor, ela expõe-se a si própria. A loucura dos globalistas é do tipo «sóbria», pois tem toda a aparência da razoabilidade, da moderação, porém esconde uma ambição absurda: a de controlar, de conduzir, de moldar a evolução do mundo. Porém eles sabem, melhor que ninguém, que este mundo humano e físico é propriamente caótico, ou seja tem a característica de um sistema sem uma lei, sem uma ordem, caótico no sentido mais profundo. 

Somos nós que projectamos os nossos desejos na realidade, não é a realidade que se conforma aos nossos desejos; desejamos, queremos ver o mundo de acordo com a nossa visão... é tudo.