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domingo, 12 de janeiro de 2020

A PROPÓSITO DAS ELEIÇÕES & CONCEITO DE DEMOCRACIA, NOS EUA


Não farei comentários sobre campanhas para a nomeação do candidato democrata, nem sobre as manobras de Trump, ou de outros... Nem irei fazer aqui uma análise sobre o significado que essas eleições possam ter para além das fronteiras dos EUA. Não; apenas queria chamar-vos a atenção para alguns factos, quando se fala sobre democracia. 

No mundo anglossaxónico, em especial americano, é comum fazerem-se apostas sobre muitas coisas, além das corridas de cavalos. É comum inferir resultados eleitorais a partir das quantias apostadas a favor ou contra a investidura de determinado candidato...como se pode verificar pelo gráfico abaixo, retirado do excelente site Zero Hedge:




                    

Sim, justamente, nesta corrida especial, alguns acabam por ficar de fora, ou porque foram sujeitos a campanha assassina de imagem ou porque não conseguem recolher fundos suficientes para ultrapassar em volume de propaganda outros candidatos mais afortunados (ou subsidiados).
Nota-se que o resultado é conhecido de antemão, com segurança muito grande, pela simples observação das somas investidas num determinado cavalo de corrida, perdão, candidato presidencial. 
Evidentemente, para se ter uma imagem rigorosa do total investido, é necessário saber-se quais as somas que as corporações vão doar, a sua aposta por este ou por aquele candidato. Em geral, elas dão aos candidatos dos dois partidos em contenda (mesmo que dêem mais a um, do que a outro): assim, têm influência garantida no pós-eleição, mesmo que vença o candidato que não é seu preferido. 
As somas astronómicas acabam por ser conhecidas, cerca de um ano depois das eleições, pois são doações legais das empresas, que inscrevem nas suas contas e descontáveis nos impostos, até um montante muito elevado. 
Além das empresas, os ricos costumam doar - a título individual - somas fabulosas, que são também registadas nas contas das campanhas dos partidos e dos candidatos, e tornadas públicas. 
Portanto, o resultado das eleições americanas é invariavelmente, desde há muitas décadas, decidido pelo montante dos capitais investidos nos candidatos. 
A avaliação do montante de que dispõem os vários candidatos é o dado mais seguro para a previsão do resultado eleitoral. Acerta mais vezes do que as sondagens por inquérito a cidadãos inscritos nos cadernos eleitorais.

- Um parêntesis sobre «universalidade» do direito de voto nos EUA: deve-se excluir deste número, a população prisional - a maior do mundo, em termos percentuais; os ex-presos, que tiveram condenações e cumpriram pena; os que não contam, porque nunca se inscreveram nos cadernos... por outro lado, tem de se incluir: os não-nacionais, imigrantes legais ou ilegais, inscritos e pagos para votar num determinado candidato; as pessoas já falecidas, cujos fantasmas insistem em votar... etc.

No fundo, a chamada «democracia americana» não é mais do que a contabilização dos «votos dólares»: quem conseguir mais apoios financeiros, pode comprar mais espaço publicitário em redes de tv, rádio, jornais... consegue mobilizar mais caravanas eleitorais que trilham todo o país... 
Eu não estou a exagerar, não tenho intenção, nem preciso de o fazer. O leitor pode inquirir por si próprio; verá que as coisas são assim, ou em ainda maior escala
Estas considerações poderão chocar as pessoas que, na «velha Europa», acreditam na existência dum único modelo de «democracia ocidental». 
É verdade que, nos últimos tempos, as campanhas eleitorais no lado de cá do Atlântico, começam a assemelhar-se, às campanhas eleitorais no país do Tio Sam. Ingenuamente, as pessoas poderiam pensar que isto é meramente «uma questão de modas». No entanto, estarão enganadas: a democracia / «poder do povo», não é compatível com a democracia «do dólar» (ou «do euro»). 
Esta divergência tem raízes religiosas/morais/históricas muito profundas.

Às colónias britânicas da América do Norte, aportaram no século XVII e seguintes, os puritanos, que eram reformados calvinistas, vindos principalmente de Inglaterra e mas também de outras terras europeias (Holanda, França, Alemanha...). 
A teologia calvinista caracteriza-se pela doutrina da predestinação. Segundo esta doutrina, Deus escolheu, no início da Criação, os humanos todos - até ao fim dos tempos - destinados a serem salvos e os que estavam, de antemão, condenados. Podemos sorrir, hoje em dia mas, nessa época de sectarismo e fanatismo religioso, as pessoas calvinistas acreditavam totalmente nesta doutrina. 
Elas ficavam muito inquietas e desejosas de saberem se faziam parte das «escolhidas», das salvas, indo para junto do Criador, ou se estavam condenadas. Nesta angústia, vislumbravam os sinais que permitiam identificar quem era, ou não, «escolhido». Assim, uma pessoa bem sucedida nos negócios era, certamente, um «eleito do Senhor», segundo esta visão. 
Esta mentalidade, que perdura na elite do dinheiro nos EUA de hoje, forneceu o enquadramento mental e ideológico mais favorável ao capitalismo nascente, por comparação com a Itália ou a Península Ibérica, católicas. 
Com o andar dos tempos, as pessoas (mesmo as não-crentes) mergulhadas nesta cultura calvinista/puritana, passaram a assimilar sucesso financeiro, a ter uma benção. Se alguém possui muito capital, é sinal de que é um eleito, um escolhido por Deus e - por isso mesmo - favorecido nos negócios e em todos os aspectos da vida. Ter riqueza é sinal claro e evidente de ter virtude, pois foi escolhida por Deus. 
Ser rico é uma virtude (nos EUA). 

Nessa época, nos países católicos, igualmente fanáticos à sua maneira, a relação com a riqueza estava marcada pela visão teológica medieval, associando a abundância de bens materiais, com o luxo, o pecado ... Na Europa católica, o rico é temido e invejado, mas não amado ou respeitado. Considera-se que ele pode ter adquirido a sua riqueza por meios legítimos, ou não. Nos países católicos, há muita inveja em relação aos ricos: é frequente ouvir-se dizer mal de alguém, insinuando que obteve sua fortuna por meios «pouco honestos». 

Não nos devemos espantar se nos EUA, em vez do lema «um homem, um voto», o que vigora - na realidade - é a equação «um dólar = um voto». Isto é um facto tão banal, que não choca quase ninguém. 

Para a mentalidade do europeu, as palavras «democracia» e «eleições» têm significados totalmente diferentes, em relação às mesmas expressões, nos EUA.

quinta-feira, 19 de julho de 2018

GUERRAS COMERCIAIS, PODE NÃO SER BONITO... MAS TEM UMA LÓGICA!

Sim; com efeito, um país como os EUA, que nos habituou a ser (ou a apresentar-se como) o campeão do livre-comércio, está agora envolvido numa guerra comercial declarada, seja em relação ao gigante chinês, seja em relação ao seu parceiro estratégico, a UE. 
As tarifas têm um efeito inibidor quer das importações, quer das  exportações, porque as referidas tarifas sendo impostas unilateralmente, recebem no geral uma resposta simétrica. Os produtos americanos exportados para a China, são poucos e pouco diferenciados, mas no caso da soja (os EUA são o segundo fornecedor da China, a seguir ao Brasil) as tarifas - por sua vez impostas pelas autoridades  chinesas - já se fazem sentir.
No caso da UE, já estão preparadas medidas, caso sejam colocadas tarifas sobre os seus automóveis, exportados para os EUA, ou outros bens. 
Nenhuma componente do comércio mundial fica incólume face a esta guerra tarifária imposta pela administração Trump. Mas, o que é que isto significa, quer no curto prazo, quer no médio e longo? 
No curto prazo, é evidente que a população dos EUA vai pagar mais caro uma boa parte dos produtos, visto que consome muitos produtos oriundos dos mercados chinês e europeu. 
A inflação irá acelerar, sem que isso signifique maior capacidade aquisitiva das  pessoas; as estatísticas não deixam dúvidas de que os salários estagnaram. 
Nos países europeus, haverá muitas dificuldades naqueles sectores em que parte significativa da produção é exportada para os EUA. O desemprego pode crescer de novo, sem que tenha sido reabsorvido totalmente, após a crise europeia da dívida de 2011-2012. 
No médio prazo, haverá uma reorientação dos mercados. 
A China irá tentar obter cada vez mais produtos fora a esfera dos EUA e do dólar. Irá basear, ainda mais, a sua economia em acordos bilaterais, com múltiplos outros países, evitando usar o dólar. Por exemplo, as compras de petróleo à Rússia, usando o Yuan ou Rublo, o mesmo se passando em relação ao petróleo do Irão. 
Estas trocas serão modelo para outras, em que se vai generalizar, como pagamento, a nota de crédito em Yuan.
Quanto ao efeito na economia americana, sem dúvida que se assiste a uma repatriação de capitais, vindos um pouco de todo o lado, com relocalização de grandes corporações, nos EUA. 
Mas a estrutura produtiva não se improvisa e os conselheiros de Trump, com certeza sabem que a reindustrialização vai durar anos ou mesmo decénios a reverter ao nível de auto-suficiência industrial que os EUA possuíram no período das décadas de 1940-1970. 

Assim, esta mudança de ambiente internacional irá causar uma contracção do PIB mundial, uma sensível redução das trocas comerciais, um congelamento do investimento estrangeiro. Nada disto afinal será favorável aos EUA, ou a seus aliados, no seu conjunto. 
Perante tal paradoxo aparente, existe uma explicação muito clara, mas poucas pessoas têm conseguido fazer a leitura correcta: Existe uma vontade, por parte de Trump, em deitar abaixo a economia dos próprios EUA. Pode parecer estranho que ele esteja apostado nisso, porém a lógica é a de criar uma situação em que o governo dos EUA tem de novo o controlo dos mecanismos económicos e financeiros, os quais têm estado demasiado nas mãos da FED, de Wall Street, assim como da OMC, FMI, e outras organizações globalistas. 
A lógica é contrária à globalização, que tem sido o «mantra» no Ocidente ao longo de praticamente meio-século. Trump e os que o apoiam, é nacionalista, tem mostrado isso em discursos e actos, de forma suficientemente explícita para não se guardar qualquer dúvida a tal respeito. 
Os sectores económicos que o apoiam têm interesses divergentes das grandes multinacionais. O seu ataque está a criar as condições da crise vindoura. Mas é precisamente o que eles querem e precisam: Uma crise, cujo desenrolar esteja basicamente sob seu controlo, uma «demolição controlada do edifício». 
Só assim poderão ter o controlo sobre o que virá depois.

Quem subestima Trump e seu governo, está a auto-iludir-se: quer na direita, quer na esquerda, as opiniões emitidas mostram que as pessoas não compreenderam a lógica subjacente.
O que acho mais estranho é que haja essa atitude de denegação, apesar de Trump e seus defensores mostrarem, desde o princípio, as suas intenções. Talvez as pessoas não tenham acreditado, pois estão habituadas a que, no mundo da política, os líderes não façam aquilo que prometeram? 
Creio que só assim se pode compreender o ódio de morte contra Trump e a corrente que representa por parte do establishment político e mediático, ou seja, os «guardiões» do status-quo. As guerras para provar uma fantasiosa «ingerência» russa nas eleições são o meio que esta oligarquia ameaçada tem tido para tentar travar a onda Trump. Mas creio que está a perder pé e não conseguirá o seu intento, que era obter o seu «impeachment».
As pessoas deviam acordar para a realidade e perceberem que a imagem de Trump, que lhes andam a vender, só contribui para obscurecer o seu entendimento do que determina verdadeiramente as estratégias da maior super-potência.

quarta-feira, 23 de novembro de 2016

LÓGICA DE PAZ VERSUS LÓGICA DE GUERRA FRIA

Neste final de 2016, constatamos que o mundo está um pouco menos ameaçado pela guerra global. Isto seria uma quase certeza, caso Hillary tivesse vencido as eleições americanas. 
Não devemos pensar, porém, que tudo se vai compor, não devemos cair na ilusão de que uma détente EUA-Rússia é automática e inevitável, pois existem muitas frentes de fricção que podem, a qualquer momento, especialmente antes da entrada do governo Trump em funções na segunda metade de janeiro 2017, rebentar em conflitos fora de controlo e complicarem muito a situação internacional. 

Esta situação presente poderia caracterizar-se como «nem paz, nem guerra», não se trata de uma situação estável, nem se pode equacionar a nova «Guerra Fria» com o famoso «equilíbrio do terror» da «Guerra Fria nº1». Com efeito, a política agressiva e provocatória dos EUA e de seus aliados da OTAN, tem sofrido revezes de toda a ordem:
- Os tratados de comércio «livre», TPP e TTIP, estão realmente afundados, já estavam seriamente em risco antes da eleição de Trump, sendo que a sua eleição apenas representa o prego final no caixão.
- O lodaçal da Ucrânia tem azedado as relações nem sempre cordiais dos «aliados» (súbditos) europeus na OTAN com os EUA, pois existem demasiados setores industriais europeus a sofrer por causa das sanções à Rússia. Esta, declarou recentemente que as contrassanções, banindo a importação de géneros agrícolas, vão continuar. Muitos outros motivos, como a desesperada necessidade de abastecimento de gás natural, que nunca será substituído pelas energias renováveis, pelo menos no curtíssimo prazo, aconselham os governos a uma atitude de não confronto com a Rússia, que continua a ser um importante fornecedor da União Europeia (especialmente, da Alemanha do Norte).
- A derrota militar na Síria está a tornar claro o jogo sujo lançado pelos EUA, com o pleno apoio da Arábia Saudita e do Qatar. Os objetivos militares eram claramente de empurrar os terroristas do Estado Islâmico (ele próprio uma criação dos EUA, Israel, Arábia Saudita e Qatar) contra o exército sírio governamental, na esperança de causar uma situação crítica e finalmente o derrube de Assad. 
Aliás, isto foi, enquanto estratégia de Hillary, como secretária de Estado do governo Obama, O OBJECTIVO ESTRATÉGICO dos EUA no médio oriente.
- A perda das Filipinas como um dos baluartes de cerco à RP da China. Esta estratégia do «Asia pivot» ruiu com a recusa estrondosa de Duterte em aceitar ser o vassalo obediente dos imperialistas, virando-se claramente para os chineses, para se livrar da dominação colonial secular dos EUA sobre o seu país.
- A redução de influência, em relação aos governos do sul da América: tem surgido uma América Latina cada vez mais independente económica, militar e diplomaticamente do poderoso vizinho do norte.
- Mesmo os aliados mais próximos dos EUA, como a Grã-Bretanha, têm de ter cuidado até onde vão no seu apoio à política «da canhoneira», pois as suas possibilidades de continuarem a desempenhar um qualquer papel no xadrez económico-político-diplomático, dependem das boas relações com a China, e eles sabem-no perfeitamente. Os britânicos ofereceram a praça de Londres para emitir e negociar bonds denominados em yuans, o que lhes daria uma vantagem importante sobre Frankfurt, a principal praça europeia.

Delineei acima algumas de um vasto conjunto de situações, ocultadas ou tratadas de forma completamente distorcida pela média corporativa, mostrando que estamos perante um quadro muito complexo em que a agressividade de uma das partes - o campo «ocidental», nitidamente mais agressivo na retórica e nos atos- acabe por desencadear uma reação da outra. Ou seja, que a provocação constante acabe por causar um passo em falso dos outros. 
Isto é claramente uma estratégia de tensão, que é levada a cabo pelos EUA e aliados (na realidade... súbditos) da União Europeia, agrupados sob o chapéu da OTAN.
- Este posicionamento perigoso é acompanhado por uma torrente importante de propaganda, que faz com que muitas pessoas, incluindo pessoas sinceramente devotadas à causa da paz, confundam as situações e pretendam tomar as suas «distâncias» em relação ao conflito em curso, mas de forma equivocada.
Ora, para se ter uma visão apropriada, deve-se considerar as coisas, não sob a forma que a propaganda quer e deseja que façamos, mas sob a forma que nos parece justa em termos globais, ou seja, sob forma de um desenlace que seja aceitável pelas diversas partes, dentro dum espírito realista de resolução dos conflitos por meios pacíficos, pela prioridade à negociação sobre a confrontação armada, pela reafirmação do princípio da soberania dos Estados, pela não-ingerência de Estados nos assuntos internos dos outros (ou seja, o completo abandono da doutrina de «intervenção humanitária», que apenas trouxe desastres humanitários e destruição total). 
A propaganda tem sempre um objetivo claro em relação à cidadania sobre a qual incide: É desencadear reflexos de medo. O medo impede as pessoas de pensar. Para isso, deflete as questões, não permite que as pessoas percebam onde estão as responsabilidades reais. 
Penso que uma estratégia de paz não passa por contrapropaganda, ou seja, por demonizar aqueles que emitem a propaganda. Isso não é eficaz por várias razões. 
- Em primeiro lugar, porque nos põe, não como críticos, mas como favorecendo apenas um dos lados; ficamos ao mesmo nível que propagandistas. 
- Por outro lado, não permite que se aprofunde, se compreenda, com base em factos e não em opinião, as causas dos acontecimentos. 
Pois é exatamente isso que a média corporativa nos oculta sistematicamente. Esmera-se sempre em obliterar completamente o contexto das notícias, especialmente de conflitos armados, mas - em geral  - faz isso com todo o noticiário de política internacional. 
Pelo contrário, esmeram-se em transcrever e reproduzir todas as declarações oficiais de um dos lados, de forma extensiva, omitindo completamente quaisquer contrapontos. O discurso do poder é registado sem qualquer observação crítica, como um «deus», inquestionável. Para essa média, o «deus» é realmente o poder do dinheiro, seja ele o dos nossos impostos ou o das publicidades que alimentam essas enormes máquinas de propaganda moderna.  
Assim, as pessoas de boa vontade devem educar seus concidadãos a verem a realidade por detrás da propaganda, indo à raiz dos problemas.
Apenas alguns exemplos de manipulações e ocultações recentes da média corporativa internacional:
- Eles sabiam perfeitamente, mas ocultaram quem desencadeou e nutriu as guerras da Líbia, da Síria, quem equipou e subsidiou Al-Nusra, ramo Sírio de Al-Quaida… e como sabemos, estas guerras estiveram realmente na origem do problema – gravíssimo – dos refugiados destas guerras.

- Eles sabiam perfeitamente e ocultaram que houve interesses que se serviram dos refugiados para desestabilizar vários países da Europa central: era conhecido o envolvimento do multibilionário George Soros, que subsidia as ONGs que tiveram um papel de relevo nesta crise.

- Eles sabiam, não apenas do papel das ONGs locais, subsidiadas por Soros, um fator importante na «revolução» de Maidan na Ucrânia, como das forças nazis e antissemitas sem quaisquer máscara, mas que foram apelidadas de «democráticas» pela média e pelo departamento de Estado dos EUA. Foi um golpe de Estado, monitorizado e financiado pelos EUA e com o apoio das chancelarias europeias, nomeadamente alemãs, francesas, britânicas…

Poderia citar mais exemplos, eles estão constantemente a surgir. Mas estes bastam, para se perceber como a média distorce as realidades no terreno, exerce uma forte pressão na opinião pública, não como veículo de informação, que deveria ser, mas como veículo de propaganda.

A meu ver, a propaganda não deve ser combatida com «contrapropaganda», mas com informação objetiva, que desmascare as operações de propaganda. Por isso, importa formar uma cidadania com uma elevada capacidade de pensar criticamente. Não «acreditar» seja o que for, seja de onde vier a informação, sem questionar, examinar as provas da mesma, ver até que ponto se trata de factos, não fabricados, mas objetivos. Depois, ver se estes tais factos suportam ou são coerentes com as teses ou hipóteses defendidas e se não terá havido omissão de outros factos, que iriam contrariar as conclusões…
Esta educação e formação de espíritos livres devem ser assumidas como fator muito importante, essencial mesmo, na construção de um movimento pacifista.



quarta-feira, 31 de janeiro de 2024

REFLEXÃO GEOESTRATÉGICA

Numa época de grande perturbação, como a que estamos vivendo, o facto de eu me atrever a fazer uma síntese, é - sem dúvida- um empreendimento temerário, da minha parte. Temerário, mas não impossível. Pois os meios fornecidos pela Internet e não controlados pelos poderes, multiplicam a capacidade de qualquer um. Temos acesso a muitas informações no que toca aos vários aspetos da cena internacional - economia, militares, diplomacia, etc.

Porém, a maior parte das pessoas não desenvolveu uma visão de conjunto, esta foi antes tornada opaca, pela enorme quantidade de «lixo informativo» que satura os diversos canais de informação.

           
             Navio de carga alvejado no Mar Vermelho

O meu propósito, aqui, é descrever com a maior franqueza o que tenho vindo a observar neste domínio da geoestratégia, ao longo dos últimos decénios. Deliberadamente, irei coibir-me de fazer prognósticos, sejam quais forem; o leitor que tire as suas conclusões. Eu irei, apenas, fazer o diagnóstico do que tem ocorrido no Mundo desde a implosão da URSS.

Com efeito, este é um marco muito importante para se compreender o que vem a seguir, embora a História contemporânea, o século XX, incluindo as duas Grandes Guerras Mundiais e todas as outras situações de guerra ou de conflito, que ocorreram quer entre as duas guerras mundiais, quer após a 2ª guerra mundial, sejam de primeiríssima importância para se compreender o mundo de hoje.

O marco da implosão da URSS é importante porque significou o desaparecimento de um Mundo dominado por duas superpotências. Mas, contrariamente à esperança ingénua de muitos (eu incluído), não houve paz verdadeira, na Europa e no Mundo: lembro as guerras desencadeadas pelo imperialismo triunfante contra o Iraque e a guerra civil que levou ao desmembramento da Jugoslávia, com os préstimos de uma Alemanha reunificada e força dominante da União Europeia.

Mas, no plano económico, a oligarquia do Mundo afluente deu passos de grande significado (e imprudência), nomeadamente, naquilo que chamam de «globalização». Este nome ocultou, na verdade, o propósito de domínio. Este termo de globalização escondia a ideologia subjacente: o neoliberalismo. Na Europa, principalmente, assistiu-se ao «enrolar» do cenário anterior, ou seja, o Estado Social-Democrático, ou Estado de Bem-Estar. Tratava-se de uma transitória repartição, menos assimétrica da riqueza na população, resultante dos superavits das economias, em crescimento rápido depois a IIª Guerra Mundial, permitindo assim manter satisfeitas as classes não-burguesas (assalariados, pequenos funcionários, campesinato) num consenso fabricado, afastando-as da atração exercida pelo socialismo, considerado por muitos ser a inevitável alternativa aos regimes capitalistas então vigentes. O processo de privatização das empresas estatais foi acompanhado pelo desmantelamento dos direitos sociais, conquistas de decénios de lutas populares. Mas este processo teve também como consequência que os grandes capitalistas já não tinham que enfrentar-se com governos que pretendessem obrigá-los a cumprir os objetivos gerais das sociedades, nas quais suas empresas operavam. Foi também possível essa transição graças ao arregimentar da casta política. Tratou-se de torná-la cativa através da corrupção ou, nos casos de tendências não-capitalistas, a marginalização, confinamento a um ghetto político. Além disso, datam dessa altura as discretas manobras visando ressuscitar a extrema-direita, pela primeira vez, desde o final da IIª Guerra Mundial, em muitos países europeus. Esta extrema-direita, aparecendo à luz do dia e concorrendo a eleições, cativou uma parte do eleitorado descontente. Grande parte do que refiro acima, decorreu durante a década de 1990; pelo menos, o desenrolar em grande escala da nova estratégia da oligarquia e os seus primeiros resultados práticos.

Uma primeira contradição que surgiu e foi-se acentuando: a desindustrialização do mundo capitalista mais afluente, realizada pela transferência de fábricas para zonas de não-respeito das regras do mercado laboral (ausência ou repressão dos sindicatos) e uma total indiferença à preservação do ambiente (indústrias depredadoras de recursos, poluição em grande escala ...). Os grandes capitalistas reconstituíam assim a capacidade de extraírem lucro, graças ao custo muito menor dos salários, à ausência de regulamentação, ou seu incumprimento, quer ao nível dos direitos laborais, quer da proteção do ambiente. Esses países tinham governos desejosos desses investimentos estrangeiros. Primeiro, foram as «maquiladoras» (perto da fronteira do México com os EUA), depois fábricas em países totalmente submetidos aos EUA, como o Haiti, as Filipinas, etc. Logo depois, ainda nos anos 80, a China «comunista» proporcionou uma força de trabalho disciplinada e diligente que permitiu a deslocalização das indústrias de eletrónica e de computadores, dos EUA e dos países mais avançados da UE (Reino Unido, Alemanha, França), para a China.

Entretanto, na ex-URSS, a Rússia estava sofrendo um processo de saque e desmantelamento, pelos oligarcas locais e por capitalistas abutres ocidentais. Quanto aos outros países, que antes faziam parte da URSS, reinavam oligarquias desejosas de vender os recursos nacionais (principalmente minerais) aos capitalistas do Ocidente; alguns desses governos eram formados por velhos burocratas do Partido Comunista que se reconverteram à pressa em vassalos do capitalismo globalizado, mantendo-se no poder através dos métodos autoritários de sempre. O desmantelamento da própria Rússia, era o desejo estratégico da tendência neoconservadora (chamada neocons) nos EUA, que se tinha entrincheirado nos postos chave dos ministérios e fazia parte de influentes «think-tanks». Este grupo, autêntico Estado dentro do Estado, considerava que a vitória na Guerra-Fria não estava completa. Para completá-la, era indispensável desmantelar a Rússia («balcanizar»), o maior país mundial, em termos de área, riquíssimo em recursos e escassamente povoado. Eles conseguiram influenciar a política de sucessivos presidentes dos EUA, desde Clinton, Bush Júnior, Obama, Trump, até Biden. A política externa foi sempre ditada pelos neocons, quer os presidentes fossem republicanos, quer democratas.


Esta situação, perigosa para a paz mundial e, em particular, para a paz europeia, teve o seu culminar com a guerra da Ucrânia. A estratégia, essencialmente a mesma durante mais de dois decénios, deve-se aos mais agressivos políticos e militares, que consideravam que os dirigentes dos EUA e da OTAN não tinham que honrar os compromissos assumidos com Gorbatchov, aquando do processo que levou à reunificação pacífica da Alemanha, em que os soviéticos se comprometeram a retirar suas tropas da Alemanha de Leste (DDR), a troco de não se efetuar o alargamento da OTAN, a países do ex-Pacto de Varsóvia. Este compromisso, assumido por Bush Sénior e - coletivamente - pelos líderes da OTAN, foi repetidamente negado ter existido, embora haja provas concludentes de que foi efetivamente assumido e por escrito .



Mas, os poderosos continuavam a fazer o que lhes apetecia, negando-se a qualquer diálogo sério com a Rússia. Note-se que esta, embora enfraquecida, continuava a ser a segunda maior potência mundial no armamento nuclear. As coisas só começaram a mudar, com a subida ao poder de Vladimir Putin, promovido por Ieltsin, nos seus últimos momentos de lucidez, depois de ter visto em que se transformara a Rússia.

A subida de Putin não se deveu a um golpe de Estado: foi uma evolução dentro dos marcos constitucionais e políticos da Rússia, na transição do milénio. Por mais que demonizem Putin, os propagandistas ocidentais não poderão ocultar o facto de que ele e seu governo propuseram que a Rússia se integrasse na OTAN. Esta proposta foi varrida com um revés de mão, como aconteceu a muitas outras iniciativas de «mão estendida» do governo da Rússia.

A última tentativa de diálogo sério entre gente adulta, tentada pela diplomacia russa, ocorreu no final do ano de 2021. Tratava-se de uma proposta de conversações ao mais alto nível, nos países europeus que - coletivamente - se reuniriam e encontrariam um modus vivendi, assegurando um sistema coletivo de segurança.

Nessa altura, os dirigentes da Europa e dos Estados Unidos já estavam, com o governo vassalo de Zelensky, a preparar o assalto final às repúblicas dissidentes do Don (República Popular de Lugansk e República Popular de Donetsk). Estas tinham-se separado do regime de Kiev, após o golpe de Maidan de 2014, porque não aceitavam serem oprimidas por Kiev, que queria impor-lhes a anulação do seu estatuto (constitucional) de regiões maioritariamente russófonas. Nesta situação, as repúblicas organizaram a sua autodefesa, contra as divisões e milícias (neonazis) de Kiev, apoiadas pelos países da OTAN: Durante 8 anos, foram treinadas, armadas e equipadas pelos ocidentais. Cerca de 14 mil mortes civis, durante esses oito anos (do início da guerra civil ucraniana, até à invasão russa) resultaram do constante bombardeamento, pelo exército do regime de Kiev, de centros de cidades e de outros locais com civis, nas duas repúblicas. Deve-se sublinhar, que Putin hesitou muito até vir em auxílio a este povo russo martirizado. Em Janeiro de 2022, os serviços de espionagem russos sabiam que a ofensiva de Kiev estava iminente. A opinião pública russa nunca lhe iria perdoar, se ele não fizesse nada, perante a ofensiva contra as repúblicas do Donbas: cerca de 70 mil tropas ucranianas de elite, bem treinadas e equipadas, preparavam-se para invadir estes territórios. Poucos dias antes da invasão da Ucrânia pela Federação Russa (24 de Fevereiro de 2022), as repúblicas dissidentes estavam a ser bombardeadas com maior intensidade, num crescendo que prenunciava a invasão iminente pelo exército ucraniano.

Dos desenvolvimentos e peripécias desta guerra, outros terão escrito com bastante rigor e pormenor. Eu contento-me em dizer que foi uma guerra cruel e inútil, que deixará marcas indeléveis nos povos da região, mas também implicará uma divisão duradoira entre europeus ocidentais e orientais.

Hoje, já se pode afirmar - sem parcialidade - que se está perante a derrota do exército ucraniano, após cerca de dois anos de guerra, uma guerra desejada e incentivada pela OTAN. Isto significa cerca de um milhão de baixas de militares ucranianos, além das baixas de civis e da destruição causada pela guerra. Do lado russo, não tenho dados precisos pois, desde o princípio, as fontes oficiais russas não fornecem números. O que dizem as fontes jornalísticas ocidentais tem sido - quase sempre - um exagero, elas são um mero instrumento de propaganda anti- russa.

Em definitivo, a guerra russo-ucraniana é um acontecimento trágico, também para os povos europeus ocidentais: ficaram sujeitos a uma oligarquia militarista e fascistoide, ela própria obedecendo aos imperialistas americanos. Estes, acentuaram o tratamento dos países europeus sob «proteção» da OTAN, como vassalos aos quais se pode mandar fazer tudo o que decida Washington DC.

No futuro, não haverá paz no continente europeu. Pelo menos, rapidamente, pois não se vislumbra tal vontade. Os russos não se sentem inclinados a negociar um acordo: têm experiência de que os dirigentes europeus e norte-americanos não cumprem os compromissos assumidos. Entre muitos factos graves, os dirigentes dos EUA deixaram caducar, não renovaram ou denunciaram os acordos relacionados com armas nucleares (com grande significado no continente europeu), negociados na década de 70 e nas duas décadas seguintes.

Por outro lado, não se pode esperar do lado ocidental uma viragem no sentido da distensão: os militaristas dominam a OTAN. Os governos na Europa ocidental são submissos aos EUA, cada vez mais imperiais. O mais recente caso, é significativo. A decisão americana unilateral de interromper* o envio de gás LNG aos países europeus, o qual era vendido por preço bem alto, aliás. O seu comportamento é mais uma facada nas costas da Europa, depois de terem promovido a destruição no Mar Báltico, dos gasodutos Nordstream I e II, que abasteciam de gás russo a Alemanha e outros países europeus. Os que governam os EUA, não são «amigos» da Europa.

Duvido que a destruição física da população de Gaza, com a complacência e ajuda material do «Ocidente», seja grande trunfo para exibir como prova do respeito pelos direitos humanos e da simples decência, aos olhos dos países do Sul Global (ver PS1).

O ponto a que se chegou, mostra que o momento unipolar da geopolítica mundial está a chegar ao fim. Isto ocorre mais depressa do que praticamente todos os observadores imaginaram.

Não apenas as bases dos EUA em território hostil, sírio ou iraquiano, estão à mercê de ataques por milícias, desejosas de expulsar os americanos. Também as frotas dos EUA e de dois ou três aliados, estacionadas à entrada do Mar Vermelho são «sitting ducks» (alvos fáceis). O mesmo, em relação aos porta-aviões americanos no Mediterrâneo, ao largo de Israel e do Líbano. As forças do Hezbollah têm mísseis com alcance (e com precisão) mais do que suficiente para atingir e afundar esses porta-aviões.

                                  Sitting Duck, em https://johnhelmer.net/

Então, para que se põem os EUA a fazer estas provocações? - Sem dúvida, querem mostrar que não se deixam intimidar e que continuarão a dar o seu apoio ao governo genocida de Netanyahu. Mas, tanto no Iémen como no Líbano, está fora de questão fazerem desembarques com marines, para conquistar posições dos Houthis, ou do Hezbollah. O espetáculo que dão é dum «gigante com os pés de argila». O Irão e todo o Eixo da Resistência (forças governamentais e milícias no Iraque, Síria, Líbano, Iémen e Palestina) aprenderam as táticas que resultam, nesta guerra assimétrica: estão agora a pôr isso em prática. Estão a flagelar o inimigo através de ataques simultâneos e causando baixas, mas não chegam ao ponto de provocar um ataque americano em larga escala, que só seria desencadeado em caso extremo, devido ao risco de fiasco. Esta tensão permanente obriga os americanos a verter cada vez mais reforços, a aumentar os ataques pela aviação e por mísseis; porém, sem vantagem decisiva, sem vitória. No final, terão de recuar, após terem perdido soldados, material de guerra valioso e prestígio.

Não sei o que o amanhã trará, por isso não faço conjeturas. Não me admira que, nos próximos tempos, a instabilidade aumente. Poderá haver novos focos de violência e de guerra.

A chamada «globalização» foi um enorme fiasco. Agora, o Globo está dividido: Dum lado, os herdeiros das potências coloniais e neocoloniais, o Ocidente; do outro, o Sul Global, com a locomotiva da aliança tríplice Rússia - China - Irão, em coordenação com os restantes Estados dos BRICS alargados. Ao todo, estes já perfazem a maioria da população mundial e cerca de metade do PIB mundial.

Murtal/ Parede, 31 de Janeiro de 2024




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* Parece inacreditável, mas esta medida, que prejudica os aliados/vassalos dos EUA, terá que ver com questões internas dos EUA, nomeadamente a «revolta» do governador do Texas e/ou com a luta contra «alterações climáticas». Veja:

PS1: A sentença do TIJ - que obrigava o Estado de Israel a tomar conta das situações humanitárias - foi sabotada pelo mesmo Estado de Israel, com o pretexto de que a UNRW era capa para ativistas do Hamas. Em consequência, os ocidentais decidiram de imediato suspender a sua contribuição financeira, no momento em que esta é absolutamente indispensável aos cerca de 1,7 milhão de refugiados. Se esta medida parece retaliação contra a população de Gaza, é porque é isso mesmo, de facto: 


PS2: Leia a notícia abaixo que confirma e reforça a nossa primeira informação sobre a «suspensão» do envio de LNG dos EUA para a Europa: https://www.zerohedge.com/geopolitical/russian-media-thrilled-bidens-lng-gift-putin

PS3: Como afirmei anteriormente ( ver AQUI) não há dúvida de que se está num momento em que a classe dominante, em desespero, vai fazendo erros atrás de erros, cada qual mais grave: https://www.moonofalabama.org/2024/02/screw-the-facts-europe-commits-itself-to-further-escalation.html#more

quarta-feira, 30 de janeiro de 2019

VENEZUELA E INGERÊNCIA EM ASSUNTOS INTERNOS DOUTROS ESTADOS


                                 http://www.informationclearinghouse.info/50996.htm


                               

Hoje em dia, existem duas correntes antagonistas, no que toca aos assuntos internacionais. Uma, que é representada pelo imperialismo, nomeadamente os EUA e seus vassalos europeus. Esta corrente declara como legítimo que se faça guerra económica (as sanções são claramente uma forma de guerra económica), se façam pressões e se dite o que um governo dum país estrangeiro e soberano deve ou não fazer (que é a exigência de eleições no caso venezuelano senão uma descarada interferência nos processos internos desse pais?), chegando ao ponto de decretar a legitimidade de intervenções armadas para «proteger populações sujeitas aos piores abusos» (lembram-se do Kosovo, da Líbia, etc?). Nesta corrente, a Carta da ONU ou os princípios do Direito Internacional contam apenas como algo que se utiliza quando vêem vantagem, para «fundamentar» a retórica intervencionista. Por contraste inventaram o «direito de ingerência humanitária», que não é mais do que uma capa para as piores aventuras bélicas. 
A outra corrente, que é corporizada pela Rússia, China e por múltiplos países não vassalos do império dos EUA,  defende que os países devem respeitar a soberania uns dos outros, devem aceitar o princípio da não-ingerência nos assuntos internos, que as relações entre governos e Estados se devem basear nos princípios do respeito e  das vantagens mútuas. 
A primeira corrente é apoiada politicamente pelos ditos «liberais» ou «neoliberais», que são as forças dominantes e hegemónicas na cena política do chamado «Ocidente» (que inclui o Japão): trata-se de várias famílias políticas, que vão desde os dois partidos do poder - os democratas e os republicanos - nos EUA, até aos diversos grupos que partilham ou se alternam no poder, na Europa ocidental. Algumas forças tidas como «marginais», no Ocidente, estão no entanto em contradição com a narrativa do direito de «ingerência humanitária», a esquerda comunista na Europa e os libertarianos nos EUA (diferente de libertários = anarquistas), que defendem a não-ingerência e o direito à auto-determinação.
O grotesco e grave é que a grande maioria do establishment político do Ocidente está a fazer o jogo dos EUA, numa situação em que não existe absolutamente nenhum direito da sua parte, com o risco de conduzir (é isso que desejam?) a uma nova tragédia como a da Síria. Ignoram os princípios sobre os quais foi edificada a ONU e o Direito Internacional.
Uma «esquerda» falsa, que alinha com ONGs e outras instâncias, subsidiadas por agências, como a fundação Soros, faz um grande chinfrin em torno da violação (real ou fictícia) de direitos humanos mas, em geral, somente nos países que justamente não alinham com o Ocidente, como a China, o Irão, etc... «esquecendo-se» de referir situações bem piores - sob todos os ângulos - como aquilo que fazem a Arábia Saudita, as outras monarquias do Golfo e muitos outros regimes ditatoriais em África, Ásia ou na América Latina... 

Na verdade, as pessoas com sentimentos humanitários verdadeiros deveriam fazer todo o tipo de pressão para que o governo do seu país não se imiscuísse nos assuntos de outros, não causando situações que irão desencadear uma guerra civil, deslocação em massa de populações, etc. Ao fim e ao cabo não deveriam tolerar que uns corruptos dirigentes políticos ao serviço do grande capital, da banca mundializada, venham dar «lições de moral», para mandar tropas fazer «intervenções humanitárias» para repor a ordem que lhes convém. 
Não fazer nada, não manifestar indignação e repúdio é colaborar com estas violações grotescas dos princípios que enformam as relações entre Nações, construídos à custa da experiência de duas guerras mundiais. 
Uma «desculpa» é atribuir males (reais ou imaginários) aos governantes do regime/país que se quer diabolizar: isso é uma técnica de propaganda usada pelos nazis, à qual as pessoas minimamente inteligentes não deveriam sucumbir. 
Não se podem «exportar» a democracia ou o respeito pelos direitos humanos com sanções, ameaças de invasões, apoio a grupos terroristas, etc. Precisamente aquilo que os governos ocidentais, a começar pelos EUA, costumam fazer quando têm na mira uma «mudança de regime». 
O facto de certos partidos ditos de «esquerda» se somarem ao coro não mostra senão a sua corrupção completa.
Estar contra a ingerência maciça na Venezuela não quer dizer «dar o aval» ao regime venezuelano e ao seu líder. Quer dizer apenas que se respeita o povo venezuelano e que este tem o direito absoluto a governar-se do modo que entender, a resolver os seus problemas políticos internos do modo que entender. Se houver uma insurreição genuína num país qualquer do mundo, de certeza que os insurrectos não irão querer que forças externas se vão imiscuir na sua luta. 
O imperialismo não pode tolerar a independência de um país que possui as maiores reservas conhecidas de petróleo, não apenas do continente americano, mas do mundo inteiro. 
John Bolton disse-o, sem vergonha, numa TV dos EUA, «nós iremos lá e tomamos conta do petróleo».

quarta-feira, 4 de novembro de 2020

O RESULTADO DAS ELEIÇÕES PRESIDENCIAIS NOS EUA...

 É sempre o pior possível! Quando a máquina poderosa do Estado Profundo dos EUA se põe a manipular tudo e todos, sobretudo os candidatos aos mais altos cargos de poder, muita coisa pode acontecer, mas nunca em favor do povo. 

O povo é que NUNCA ganha, enquanto o «establishment», os grandes e poderosos lobbies que constantemente rondam Washington, sim: com qualquer candidato eleito, ganham eles, porque mantêm o controle... 

Como escreve a excelente jornalista Caitlin Johnstone, «o retrato do Império USA é o de um sorridente assassino em série.»  

                     

Pouco importa a que gang pertença, se ao «Partido Democrático» ou ao «Partido Republicano», as duas alas do Partido Único no poder. 

A violência política é o espelho de uma mentalidade intolerante. Tanto mais intolerante quanto, no fundo, estão de acordo sobre muitas coisas, os activistas que se confrontam, se agridem e se matam. Confrontam-se em torno de etiquetas, de símbolos, de figuras carismáticas ou odiadas. 
Sobre as coisas que realmente interessam, tanto ao povo americano como ao mundo, adoptam «naturalmente» o ponto de vista do poder. Estão - à «esquerda» e à «direita» - sujeitos a uma lavagem ao cérebro constante e em profundeza, desde pequenos. 
Não conseguem realmente raciocinar, os que estão por baixo, só uns poucos escapam a esta situação. Há um fosso, não apenas de riqueza material, entre ricos e pobres, mas também no acesso à cultura e à educação, a uma educação de qualidade onde se possa desenvolver o pensamento crítico. 

Nesta altura é importante que o mundo compreenda que - com Trump ou Biden - o rumo estratégico internacional dos EUA já está definido por pessoas que nunca foram eleitas e que o público, em geral, ignora quem sejam. 

Para caracterizar o poder nos EUA, a melhor analogia é o símbolo da hidra de múltiplas cabeças, da mitologia: de nada servia seccionar algumas dessas cabeças, pois as outras iriam tomar o seu lugar. 


Com efeito, a solução ao problema, não é «cortar algumas cabeças da hidra», mas tirar de cena o monstro (o imperialismo e totalitarismo), que tem devastado o planeta e continua a ameaçá-lo com guerras e todas as desgraças possíveis, para conseguir sobreviver e se manter no poder, durante mais um ou dois decénios (no máximo).


PS1 (08/12/2020): veja a entrevista de Gerald Celente sobre esta eleição e o sistema eleitoral dos EUA.

quarta-feira, 13 de março de 2019

SAÍDA DE PESSOAL DIPLOMÁTICO DOS EUA, DA VENEZUELA, É UM MAU SINAL



                         

Ontem, Michael Pompeo, o Secretário do Governo Trump, decretou a retirada de todo o pessoal diplomático da Venezuela. Não creio que isso inclua os operacionais da CIA e das outras agências que estão apoiando as forças de oposição ao governo Maduro. Este é um sinal muito mau, em termos de perspectiva de uma actuação militar, em grande escala e com possibilidade de muitos mortos, como um bombardeio de Caracas, por exemplo. Numa circunstância dessas, o governo dos EUA não iria ter a possibilidade efectiva de garantir a segurança dos seus funcionários.
A agressão sob todas as formas, contra o governo legítimo de Maduro, atingiu o patamar mais elevado, com a sabotagem da rede eléctrica, cujo significado é muito claro; pretendem assim tornar a vida impossível aos milhões de cidadãos, pretendem propiciar o saque a supermercados e comércios, por forma a que a vida de todos os dias seja impossível, dado os comerciantes se irem embora; pretendem sobretudo, mostrar que têm capacidade em sabotar do interior as estruturas vitais de um país, mensagem sobretudo endereçada a um todo-poderoso exército, que se tem mantido do lado da legalidade, mas poderá (como no Chile!) bascular para o lado dos golpistas.
    
                  Blackout shuts down Venezuela’s oil exports
                  Acima: Uma artéria de Caracas durante o «apagão» 

A estratégia do imperialismo em relação à Venezuela tem sido clara:

  • Criar uma série de obstáculos através de sanções económicas e outras, sem porém cortar relações diplomáticas (fase do processo que tem já mais de uma dezena de anos).
  • Estrangular economicamente a Venezuela através de embargos de todo o género de mercadorias, desde material com uso militar até artigos de medicina e alimentos.
  • Fomentar o mercado negro desses produtos, que somente poderão ser adquiridos a troco de dólares. Assim, colocam em ruptura o abastecimento normal do país, infelizmente demasiado dependente de compras ao exterior, para toda a espécie de bens e mesmo de alimentos. Por outro lado, o desenvolvimento do mercado negro provoca a descida acelerada do Bolivar – a divisa do país – e inicia-se a fase de híper inflação.
  • A oposição, constantemente apoiada e financiada, exige eleições; estas têm lugar, mas a mesma oposição boicota-as, alegando que não são «democráticas». Isto passou-se assim, apesar dos observadores declararem que as eleições tinham sido regulares e de – aliás – ter havido uma candidatura de oposição, que se apresentou a escrutínio.
  • Uma campanha internacional insistente para deslegitimar o governo do presidente Maduro, em paralelo com o fomentar de manifestações de rua, cada vez mais violentas.
  • A declaração, em perfeita coordenação com Michael Pence, vice-presidente dos EUA, de que Guaidó – que fortuitamente, era presidente do parlamento- seria, daqui por diante, o Presidente-interino da Venezuela. Esta manobra tinha como objectivo criar um movimento de deslegitimação de Maduro, pelos acólitos dos EUA (dignamente, a Itália recusou).
  • A política de sanções e de guerra económica atinge o cúmulo, com o roubo de mais de 20 biliões de dólares, pertencentes ao Estado Venezuelano, assim como a recusa pelo Banco de Inglaterra em autorizar o repatriamento de ouro venezuelano, do qual tem a custódia. Estes actos são tipicamente pirataria económica, são actos totalmente ilegais face à lei internacional.
  • A recente sabotagem da rede eléctrica pública da Venezuela, mostra como os imperialistas dispõem de meios de sabotagem, que poderão ser ainda mais gravosos e instaurarem o caos. O que fizeram agora tem a seguinte mensagem explícita: «Ou derrubam Maduro, ou nós fazemos ainda mais e pior, tornando a Venezuela um inferno ingovernável». Esta mensagem dirige-se sobretudo à casta militar.
  • A ordem de saída de todo o pessoal diplomático da Venezuela, por Pompeo, surge como preparação para uma invasão ou um ataque militar aéreo ou algo semelhante, em preparação e na eminência de ser executado. Retiram o seu pessoal diplomático – também- para evitar que este possa servir como refém, se a guerra com tiros e bombas rebentar.


domingo, 18 de abril de 2021

NOVA ETAPA DA GUERRA FRIA QUE, DE FACTO, NUNCA DEIXOU DE EXISTIR.


Tradução de artigo de Rick Rozoff
em Pesquisa Global, 16 de abril de 2021


                             

Os trinta membros do Conselho do Atlântico Norte, o órgão de tomada de decisões políticas da NATO consistindo de embaixadores de todos os estados membros, publicou uma declaração apoiando a declaração da administração de Joe Biden de uma emergência nacional atribuída a acções russas, reais ou imaginárias.



"De acordo com a Lei de Poderes Económicos de Emergência Internacional (50 USC 1701 et seq.) (IEEPA), eu informo que emiti uma Ordem Executiva declarando uma emergência nacional com relação à ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, política externa, e à economia dos Estados Unidos representada por actividades estrangeiras prejudiciais especificadas, do Governo da Federação Russa.”

Num rol de acusações, que incluem nada menos que sete graves - nalguns casos, as mais graves - acusações, a carta continuou:

“Eu determinei que actividades estrangeiras prejudiciais específicas do Governo da Federação Russa - em particular, esforços para minar a realização de eleições democráticas livres e justas e instituições democráticas nos Estados Unidos e seus aliados e parceiros; participar e facilitar actividades cibernéticas maliciosas contra os Estados Unidos e seus aliados e parceiros; promover e usar a corrupção transnacional para influenciar governos estrangeiros; para exercer actividades extra-territoriais visando dissidentes ou jornalistas; minar a segurança em países e regiões importantes para a segurança nacional dos Estados Unidos; e violar princípios bem estabelecidos do direito internacional, incluindo o respeito pela integridade territorial dos Estados - constituem uma ameaça incomum e extraordinária à segurança nacional, política externa e economia dos Estados Unidos."

A última vez que esta linguagem quase apocalíptica foi usada em relação à Rússia, foi depois das tropas soviéticas terem entrado no Afeganistão, em Dezembro de 1979. No seu discurso sobre o Estado da União em Janeiro de 1980, o presidente Jimmy Carter pronunciou estas palavras (dando origem à Doutrina Carter de mesmo nome), escritas por seu Conselheiro de Segurança Nacional Zbigniew Brzezinski e modeladas sobre a Doutrina Truman de 1947, que marcou o início da Guerra Fria:

“Que nossa posição seja absolutamente clara: uma tentativa de qualquer força externa de obter o controle da região do Golfo Pérsico será considerada um ataque aos interesses vitais dos Estados Unidos da América, e tal ataque será repelido por todos os meios necessários, incluindo força militar. ”

As preocupações de Truman relacionavam-se com actividades comunistas na Grécia e na Turquia. As de Carter, com a influência potencial da Rússia no Golfo Pérsico. As de Biden, são globais na sua natureza: tudo, desde interferência nas eleições doutras nações (algo que a sua nação, os EUA, claro, nunca fez) até usar "luvas" para influenciar agentes do governo (este artigo foi escrito em Chicago); até perseguir dissidentes e jornalistas com actividades «extra-territoriais» (a opinião de Julian Assange sobre esta matéria seria interessante) até mostrar falta de respeito pela integridade territorial de Estados (foram os EUA e não a Rússia que apoiaram a secessão do Kosovo, do Sudão do Sul e da Eritreia, na era pós-Guerra Fria).
Mesmo o ataque de 1941 a Pearl Harbor, não representou uma ameaça de vida ou morte para os Estados Unidos e seus "aliados e parceiros" em todas as partes do mundo, como Biden gostaria que acreditássemos que a Rússia representa, ao "constituir um país incomum e uma extraordinária ameaça à segurança nacional, à política externa e à economia dos Estados Unidos.” Washington declarou guerra à pressa contra o Japão, há oitenta anos. O que Biden fez hoje, pode muito bem ser o equivalente a essa acção.


Russia continues to demonstrate a sustained pattern of destabilising behaviour, including its violations of Ukraine’s and Georgia’s sovereignty and territorial integrity, and continued violation, non-implementation, and circumvention of numerous international obligations and commitments, including the Budapest Memorandum. Examples include attempted interference in Allied elections, including the U.S. presidential election; widespread disinformation campaigns; and malicious cyber activities. The United States and other Allies assess that all available evidence points to the responsibility of the Russian Federation for the SolarWinds hack. We stand in solidarity with the United States. We condemn the attack on Alexei Navalny, a Russian opposition figure, with the use of a nerve agent from the banned Novichok group. Any use of chemical weapons, under any circumstances, is a clear breach of international law and contrary to the Chemical Weapons Convention. Reports that Russia encouraged attacks against U.S. and NATO forces in Afghanistan are also of concern.

A declaração da NATO, com sua ladainha de acusações, prossegue com a resolução dos Estados membros consultarem-se entre si regularmente, para "abordar as acções da Rússia, que constituem uma ameaça à segurança euro-atlântica." Exige que a Rússia cesse o que a NATO caracteriza como seu comportamento desestabilizador. Também exorta a Rússia - e apenas a Rússia - a interromper as alegadas provocações perto e diminuir as tensões na fronteira do Donbass e "na Crimeia, anexada ilegalmente."

A observação de que a guerra é a continuação da política por outros meios foi atribuída a Carl von Clausewitz. É igualmente verdade, que o tipo de denúncia política e ditame detalhado acima, pode constituir a condução da guerra por outros meios. Talvez apenas até que a coisa real chegue.